Aspectos Desconsiderados da Doutrina de Cristo

Conceito de Família

O ser humano terreno é um ente espiritual, uma personalidade individual autônoma. Sua individualidade é o resultado da autoconsciência adquirida por meio de vivências – milhares delas – ao longo de múltiplas vidas terrenas. Assim, ele é o único responsável pelo seu próprio destino dentro da Criação. Com seu modo de ser e atuar, com suas intuições, pensamentos, palavras e ações, ele fornece os fios, belos ou não, com que o tear da Criação, movimentado continuamente pelas leis eternas, tece de modo automático o tapete do seu destino.

Sendo uma personalidade própria, ele não está sujeito a nenhum tipo de hereditariedade espiritual por ocasião da encarnação. O bebê que acaba de chegar numa família já é um ser espiritual autônomo, encarnado num corpo infantil. São múltiplas as contingências que colaboram para a efetivação de uma encarnação, porém jamais poderá haver qualquer transmissão de características espirituais de pai para filho.

A hereditariedade está, de fato, adstrita somente ao corpo humano. Exclusivamente a este. Trata-se de uma peculiaridade de ordem material, estritamente física. Características corpóreas e predisposições genéticas podem, sim, ser transmitidas de pai para filho, mas não a personalidade, não o caráter. Tais atributos são exclusivos do espírito humano, angariados por ele mesmo em sua peregrinação pela Criação e, por essa razão, a própria alma já os traz consigo por ocasião da encarnação.

A alma é o invólucro do espírito, assim como o corpo é o invólucro da alma. Se assim não fosse, Paulo não os teria diferençado tão nitidamente em sua Epístola aos Tessalonicenses, quando os exortou a “conservar espírito, alma e corpo íntegros e irrepreensíveis” (1Ts5:23), a mesma divisão, aliás, já ensinada antes por Platão, grego como eles. Essa diferenciação, inclusive, aparece tanto no Novo como no Antigo Testamento. Os textos hebraicos do Antigo Testamento fazem uma clara distinção entre baśār – corpo, nepeš – alma e rûah – espírito, o mesmo acontecendo com os textos gregos do Novo Testamento: sōma – corpo, psychē – alma e pneuma – espírito. Flávio Josefo (século I) diz em sua Antiguidades Judaicas que “Deus colocou no homem alma e espírito”, e o teólogo Orígenes (século III) explica em seus Primeiros Princípios, escrito com a idade de 23 anos, que “o homem consiste de corpo, alma e espírito”.

O espírito humano necessita incondicionalmente desses dois invólucros básicos para poder se fazer valer plenamente aqui na matéria. Sem o corpo físico, o invólucro grosso-material mais externo, ele não poderia atuar no ambiente terreno de mesma espécie. É como alguém que desejasse pesquisar o fundo do oceano e conhecer o que se encontra naquele ambiente, situado abaixo dele. Para poder saber o que existe no fundo do mar ele precisa mergulhar até lá. E para tanto não pode simplesmente pular na água, mas sim deverá vestir um macacão apropriado, e por cima desse ainda um escafandro, que é um invólucro adequado para esse tipo de mergulho, bem mais pesado, que lhe permite movimentar-se no ambiente aquático, mais denso que o ar a que está acostumado. Assim, bem aparelhado, ele pode descer até o fundo do mar, caminhar por ali, aprender o que necessitar e, por fim, subir novamente à tona, quando então poderá se despir dos dois invólucros especiais que havia utilizado em sua descida.

Da mesma forma que essas roupagens especiais para mergulho, ambos os invólucros do espírito humano – alma e corpo – também não têm vida autônoma fora das matérias fina e grosseira, mas são apenas vivificados pelo espírito, o único realmente vivo no ser humano, aquilo que se sente nitidamente como sendo o “eu”. As fundamentações bíblicas desse conceito são múltiplas. Podemos aduzir algumas:

Moisés se dirige ao Criador nos termos: “Deus dos espíritos que animam todos os seres humanos” (Nm27:16). O profeta Zacarias diz que o Senhor “modelou o espírito do homem dentro dele” (Zc12:1). Quando teve a visão do Filho do Homem, o profeta Daniel afirmou textualmente: “Meu espírito, em mim, Daniel, ficou angustiado dentro de seu invólucro” (Dn7:15). O invólucro a que Daniel se refere é seu corpo terreno. O mesmo conceito aparece no livro apócrifo do Gênesis, encontrado nos Manuscritos do Mar Morto, onde está dito que o corpo é o estojo dentro do qual está encerrado o espírito. Aludindo ao invólucro terreno do espírito, o corpo físico, o apóstolo Pedro o chama poeticamente de “tabernáculo” (tenda) em sua segunda epístola: “Também considero justo, enquanto estou neste tabernáculo, despertar-vos com essas lembranças” (2Pe1:13).

O apóstolo Paulo, por seu turno, fala de habitar no corpo, isto é, o espírito utilizando o corpo como habitação provisória: “Assim, pois, nós sempre estamos cheios de confiança, apesar de saber que, enquanto habitamos neste corpo, estamos fora da nossa morada, longe do Senhor” (2Co5:6). Aos Filipenses ele disse que desejava partir logo dessa vida para poder estar com Cristo, mas que se resignava em continuar vivendo na Terra se isso pudesse ser de proveito para a comunidade: “Julgo mais necessário, por amor a vós, ficar na carne” (Fp1:24). Esse conceito do espírito que habita no corpo também foi utilizado por Tiago: “Deus deseja ciosamente o espírito que fez habitar em nós” (Tg4:5). Paulo ainda diz que enquanto o corpo físico vai envelhecendo, o nosso “eu” interior, nosso espírito, está, ao contrário, sempre se renovando: “Mesmo se o nosso físico vai se arruinando, o nosso interior, pelo contrário, vai-se renovando dia a dia” (2Co4:16). O apóstolo já havia asseverado aos Coríntios que deles poderia estar “ausente fisicamente, mas presente em espírito” (1Co5:3), a mesma garantia que deu aos Colossences: “Com efeito, ainda que eu esteja ausente de corpo, estou, porém, convosco em espírito” (Cl2:5). E quando julgou à distância um caso de desregramento na comunidade de Corinto, ordenou que o tal homem culpado fosse entregue a Satanás para mortificação da carne, “a fim de que seu espírito seja salvo no Dia do Senhor” (1Co5:5). Em outras palavras, mandou aplicar um castigo para o corpo, a fim de que o espírito – o próprio ser humano portanto, aprendesse com aquilo, reorientasse seu proceder e pudesse assim se salvar no Juízo, no Dia do Senhor.

Por fim, quando o jovem Êutico sofreu uma queda do terceiro andar do prédio onde Paulo estava reunido com seus ouvintes, ele o tomou nos braços e tranqüilizou toda a platéia: “Não vos perturbeis: a sua alma está nele!” (At20:10). A alma, o invólucro do espírito, não havia deixado definitivamente o corpo terreno naquele acidente, sinal de que Êutico ainda estava vivo. Foi exatamente o contrário do ocorrido com Raquel, que morreu ao dar à luz Benjamim: “E aconteceu que, saindo-se-lhe a alma, porque morreu…” (Gn35:18).

Cada um de nós percebe nitidamente o sentimento do “eu”, durante toda a nossa vida. Como poderia então estar associado a um corpo perecível? Se assim fosse, esse sentimento teria naturalmente de alterar-se com o passar dos anos. Teria de sofrer o efeito da velhice e mostrar-se por fim debilitado e enrugado… Mas o sentimento do “eu” não muda durante a vida terrena. Não muda porque não provém de parte alguma do corpo material terreno, mutável e perecível, e sim do espírito. O fato de nos ser permitido dizer “eu” indica um inalienável direito de liberdade, associado à mais absoluta responsabilidade pessoal. Livre-arbítrio e responsabilidade: dois conceitos indissociáveis do espírito que adquiriu a autoconsciência.

Convém abrir um parênteses aqui e mencionar uma passagem muito elucidativa do livro de Ezequiel sobre responsabilidade própria, e a conseqüente impossibilidade de se transferir a culpa de uma pessoa para outra. Nesse exemplo, o pai não vivera segundo os Mandamentos do Senhor, mas seu filho sim, e cada qual recebeu então as conseqüências finais de sua escolha pessoal, morte espiritual para um e vida eterna para o outro: “Vós dizeis: ‘Por que o filho não há de levar a iniqüidade de seu pai?’ Ora, o filho praticou o direito e a justiça, observou todos os Meus estatutos e os praticou! Por tudo isso, certamente viverá! Sim, a pessoa que peca é a que morre! O filho não sofre o castigo da iniqüidade do pai, como o pai não sofre o castigo da iniqüidade do filho: a justiça do justo será imputada a ele, exatamente como a impiedade do ímpio será imputada a ele” (Ez18:19-20). Este exemplo mostra que pai e filho são duas personalidades distintas, independentes, não compartilhando nenhuma responsabilidade espiritual entre si.

O espírito que se encarna num corpo em formação no ventre materno já é, pois, uma personalidade autônoma. O corpo infantil nada mais é do que um invólucro material em processo de desenvolvimento, que abriga uma personalidade humana espiritual já plenamente formada, cujas características intrínsecas (boas ou más) tornar-se-ão reconhecíveis quando esse espírito se tornar apto a atuar no mundo através do corpo terreno maduro, o que ocorre nos anos da adolescência. Nessa época surge então o verdadeiro ser humano, como ele realmente é: “o menino manifesta logo por seus atos se seu proceder será puro e reto” (Pv20:11). Se o proceder for mau, então é porque o espírito humano ali encarnado é mau, e desde o início “sua natureza era viciada, sua perversidade, inata, e sua mentalidade jamais mudaria, pois era uma semente maldita desde a origem” (Sb12:10,11). Nesse caso, ele já era um infrator desde o ventre materno, isto é, já era mau quando se encarnou: “Eu sabia que procederias mui perfidamente e eras chamado de transgressor desde o ventre materno” (Is48:8).

Pode-se dizer que é na época da adolescência que o espírito humano propriamente “nasce” para sua atuação aqui na matéria. Antes ele não podia fazer isso, porque seu instrumento, o corpo terreno, ainda não estava plenamente amadurecido, não estava “pronto” por assim dizer.

A hereditariedade é, pois, unicamente de ordem material. No máximo, pode-se divisar alguns traços comuns de temperamento entre pais e filhos, mas não mais do que isso. Traços de temperamento podem ser transmitidos por hereditariedade porque ele, o temperamento, está estreitamente ligado ao corpo, mais especificamente à composição do sangue. Mas mesmo nesses casos o respectivo ser humano tem a possibilidade e até o dever de dominar seus humores, visto que o corpo é e permanecerá sempre apenas como uma mera ferramenta para a atuação do espírito: “o domínio de si é fruto do espírito” (cf. Gl5:22), lembra Paulo. O espírito tem, pois, de dominar o corpo, e não o contrário, porque “tal como uma cidade aberta, sem muralhas, assim é o homem sem autocontrole” (Pv25:28).

Por essa razão, quando uma pessoa destrambelhada afirma, com ar de desalento, não ter como evitar seus rompantes, já que herdou tal destempero do pai ou da mãe, está na verdade fazendo uma confissão aberta de preguiça espiritual; mostra com isso ser demasiado fraca para dominar a si mesma. Do mesmo modo, quando alega raivosamente para si e perante outros que já “nasceu assim”, e que portanto a culpa é de seus pais, que a geraram com esse defeito de intemperança… Com palavras tão incrivelmente tolas ela apenas prova que “quem facilmente se irrita faz tolices” (Pv14:17), ou que “o espírito iracundo põe à vista sua estupidez” (Pv14:29). Ela, pois, herdou de seus pais apenas o corpo terreno, somente o invólucro exterior, permanecendo um espírito autônomo e independente, plenamente responsável por todas suas decisões e atos.

Nas famílias, é bastante comum ouvirmos o comentário de que certa criança puxou determinada característica de comportamento do pai ou da mãe. Na verdade, porém, foram os pais que propriamente “puxaram” aquela respectiva alma para dentro da família, conforme suas próprias características anímicas, por efeito da Lei de Atração da Igual Espécie. Não é difícil compreender que a gestante, especialmente, possui uma força decisiva de atração, já que a alma vai se encarnar no corpo em formação dentro dela. Assim, também não é difícil entender que uma mãe com características anímicas negativas não pode absolutamente atrair uma alma muito pura, um ser humano bom e elevado.

Essa é, aliás, a principal razão da decadência notória, contínua, da humanidade ao longo dos séculos. Ao abandonar a missão principal da feminilidade, a mulher terrena se rebaixou cada vez mais, e com isso só pôde atrair para a encarnação almas também cada vez mais degeneradas, as quais, por sua vez, deram ensejo à encarnação de almas ainda mais decaídas, e assim por diante. Um horrendo círculo vicioso de contínua degradação da espécie humana.

Contudo, não acontece de apenas mulheres degeneradas atraírem almas más para a encarnação. Mesmo uma mulher boa pode eventualmente atrair uma ovelha negra, caso ela freqüente locais inadequados ou permita que pessoas de caráter duvidoso permaneçam em sua proximidade. A mulher de boa índole necessita exercer uma vigilância contínua durante a gravidez, principalmente até a metade do período de gestação, para assegurar que só uma alma boa possa encarnar-se no feto em formação.

Por esse motivo, Isabel, grávida de João Batista, fez muito bem em “ocultar-se por cinco meses quando concebeu” (Lc1:24), porque a alma, o invólucro do espírito, se encarna no meio do período da gravidez. Agindo assim, ela garantiu que a alma pura do Batista pudesse encarnar-se nela, e não a alma dum outro qualquer. Dessa forma ela contribuiu decisivamente para que se cumprisse a antiga profecia de Isaías sobre a vinda do Precursor de Jesus: “Voz que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo a vereda a nosso Deus” (Is40:3).

É oportuno intercalar aqui que, segundo algumas passagens bíblicas, João Batista já teria estado na Terra anteriormente, como o profeta Elias. Além da mencionada profecia sobre a vinda de João Batista, confirmada extraordinariamente pelos quatro evangelistas (cf. Mt3:3, Mc1:3, Lc3:4, Jo1:23), também o profeta Malaquias previu a vinda de um mensageiro que prepararia o caminho do Senhor, o qual seria a reencarnação de Elias: “Eis que eu envio o meu mensageiro que preparará o caminho diante de mim. (…) Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor” (Ml3:1,23). Assim, de acordo com algumas passagens, Elias estaria de volta à Terra na pessoa de João Batista, para preparar o caminho de Jesus, conforme o anjo do Senhor também indicou a Zacarias, pai de João Batista: “Ele caminhará à sua frente [dos filhos de Israel], com o espírito e o poder de Elias” (Lc1:16). Essa missão de Precursor para João Batista, repetindo a profecia de Malaquias, é ratificada por Mateus na passagem a seguir:

“Este é aquele de quem está escrito: ‘Eis aí eu envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual preparará o teu caminho diante de ti.’ (…) Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João. E, se o quereis reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.”

(Mt11:10,13-15)

Pouco depois, de acordo com o Evangelho de Mateus, Jesus reforça essa concepção junto aos discípulos, respondendo a uma pergunta deles sobre Elias:

“Mas os discípulos o interrogaram: Por que dizem, pois, os escribas ser necessário que Elias venha primeiro? Então Jesus respondeu: De fato, Elias virá e restaurará todas as coisas. Eu, porém, vos declaro que Elias já veio e não o reconheceram, antes fizeram com ele tudo quanto quiseram. (…) Então os discípulos entenderam que lhes falara a respeito de João Batista.”

(Mt17:10-13)

João Batista teria sido de fato Elias numa outra vida? O papa Gregório I (540 – 604), quem diria, achava que sim… Mas não, não se trata da mesma pessoa, pois o Batista até refuta isso diretamente no Evangelho de João, quando questionado pelos judeus: “E eles lhe perguntaram: ‘Quem és tu? És Elias?’ Ele respondeu: ‘Eu não sou Elias’’’(Jo1:21).

Porém, o que nessa história é mesmo um fato inquestionável e bastante interessante, é que a Bíblia apresenta aí uma discussão clara sobre o fenômeno da reencarnação. O mesmo se dá quando Jesus pergunta aos discípulos quem as pessoas diziam que ele era, e eles respondem: “Alguns dizem que és João Batista; outros, Elias; outros ainda Jeremias ou algum dos profetas” (Mt16:14). Também no livro de Jó fica implícita a idéia de reencarnação, pois outra explicação não existe para quem sofre aparentemente sem causa aqui na Terra. Jó não encontrou nenhuma solução naquela vida para as desgraças que lhe acometeram. Os amigos do protagonista, Elifaz, Bildade, Zofar, Eliú, assim como o próprio Jó, sabiam ser coisa impossível alguém sofrer injustamente, visto que o Senhor é a própria Justiça. E como a causa sempre precede o efeito, então, não havendo uma causa reconhecível na atual vida para o sofrimento, essa tem de estar presente numa vida anterior. Interessante notar que esse livro de Jó é a compilação de um antigo texto babilônico, onde um fiel que se vê como justo, cumpridor de suas obrigações para com os deuses, de repente é privado da saúde, dos bens e abandonado pelos amigos. O deus Marduk conhece os sofrimentos do seu servo, compadece-se dele e lhe restitui tudo que havia perdido.

A influência da Lei de Atração da Igual Espécie, porém, não atuou unicamente para as encarnações de João Batista e Jesus, ao contrário, ela se efetiva sempre, em todas as encarnações terrenas, sem exceção. Como se dá, aliás, nos efeitos de qualquer lei primordial da Criação. Por isso, também nos dias de hoje um casal que não atenta a essa Lei da Igual Espécie tem, pois, de receber em casa um hóspede com vícios e pendores, pela atração da espécie igual ruim de seu ambiente, de modo que é absolutamente justo que “quem gera um tolo tenha desventura, e não tenha alegria o pai de um insensato” (Pv17:21). Seria melhor, nesse caso, que o casal não tivesse tido filhos: “Morrer sem filhos é melhor do que ter filhos ímpios” (Eclo16:3). Se tivessem sido mais vigilantes, o resultado seria o oposto: “o pai de um justo dançará de alegria; quem gera um sábio se regozijará” (Pv23:24).

Contudo, mesmo nos casos desfavoráveis de encarnação de uma alma problemática, se subsistir uma boa vontade recíproca, pais e filhos terão ensejo de vivenciar seus próprios erros uns nos outros, nessa convivência difícil, e eventualmente até de remi-los se estiverem realmente empenhados em melhorar como seres humanos. Já quando a vontade mútua é má, essa situação os faz angariar ainda novas culpas por cima das antigas, e conseqüentemente novos e pesados sofrimentos. Sofrimentos e dores renovados, angariados por culpa própria portanto. Sempre e sempre por culpa própria, de ambos os lados.

Nos casos em que os pais não apenas deixam de corrigir seus erros, mas ainda os retransmitem aos filhos de alguma maneira, seja por meio de maus exemplos ou concepções errôneas, estimulando-os assim a transmitir esses mesmos erros aos filhos destes, diz-se então que os pecados dos pais vingam se até a terceira e quarta geração: “[O Senhor] visita a iniqüidade dos pais nos filhos, e nos filhos dos filhos até a terceira e quarta geração” (Ex34:7). O pai que primeiro errou não conseguirá ascender a outros planos após a morte, ficando atado (preso) à Terra no Além, até que algum de seus descendentes reconheça o erro e retome o caminho certo, influindo sobre outros tantos, com o que pouco a pouco será libertado e poderá tratar da sua própria escalada.

A característica de absoluta individualidade de um espírito humano já deixa claro como deve ser a atitude dos pais quando, na época da adolescência, o espírito no filho desperta para a atuação na vida terrena: respeito absoluto às suas resoluções espirituais, frutos do livre-arbítrio. O livre-arbítrio é uma característica inerente ao espírito humano, e por isso não pode ser tolhido por nenhum membro da família. Tal ato constituiria uma transgressão direta à Lei do Movimento na Criação, que tudo impulsiona para o desenvolvimento.

As conglomerações familiares, porém, em sua maior parte, não observam esse mandamento tão nítido e lógico de respeito incondicional às decisões espirituais de seus membros. Impõem-lhes freqüentemente, desde cedo, uma bem determinada direção a seguir, tida como certa para todos os integrantes do grupo, sem nenhuma distinção. Não levam em conta as peculiaridades de cada espírito humano individual que faz parte da família, não atentando à evidência de que “o corpo não é um só membro, mas muitos” (1Co12:14).

Cada integrante dessa família equalizada se julga então no direito de interferir na vida do outro, de dispor como bem entender do seu tempo, às vezes até mesmo dos seus bens. Supõem deter não apenas a prerrogativa mas até o dever de opinar, de advertir e admoestar, quando não de condenar, para que a “paz familiar” seja preservada a todo custo. Contudo, essa paz tão louvada não passa de um sono coletivo de espíritos indolentes, recostados uns nos outros. Melhor seria dizer pendurados uns nos outros, situação que faz todo o clã familiar afundar espiritualmente em conjunto, sem que um tal soçobrar se torne perceptível terrenamente. E isso é o mais terrível de tudo. É um lento submergir de mãos dadas, tão modorrento como eles próprios, para dentro da viscosa areia movediça do torpor espiritual. A segurança mútua que os membros dessas famílias experimentam ao contemplar sua sólida “união familiar”, continuamente reforçada nas concorridas reuniões de parentela, é falsa, é ilusão entorpecedora, que só pode germinar da inércia espiritual. Seu sono comunitário não os deixa perceber o peso desses grilhões, que os faz viver numa espécie de comunismo familiar, em tudo semelhante ao político e tão danoso quanto este. E cujo fim também não será diferente.

E ai daquele membro que quiser emergir desse marasmo e se atrever a lutar para se ver livre dessas amarras invisíveis, as quais ele sente intuitivamente de modo nítido! Sem demora será condenado por toda aquela sonolenta massa gregária; será apedrejado moralmente em conversas sorrateiras, olhado de soslaio em silenciosa censura, tachado de insensível e inflexível, e por fim ainda esmagado impiedosamente sob o peso da gravíssima acusação de “ingratidão”.

O conceito de família atualmente vigente – o de um bloco monolítico e monocromático que só pode se mover sempre numa única direção – sufoca o livre-arbítrio de seus membros, impede o desenvolvimento espiritual de cada um. Esse conceito torcido, porém, já vem de milênios, de modo que na época de Jesus também não era diferente. O primeiro indício disso é o espanto daqueles que ouviram os seus ensinamentos na sinagoga e depois seu discurso para uma multidão:

“Donde lhe vêm esta sabedoria e poderes miraculoso? Não é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? (1) Não vivem entre nós todas as suas irmãs? Donde lhe vem, pois, tudo isso?”

(Mt13:54-56)

“Não é este Jesus, o filho de José? Acaso não lhe conhecemos o pai e a mãe?”

(Jo6:42)

Em outras palavras: “Como esse Jesus pode saber todas essas coisas se vem de uma família como outra qualquer?”; “Quem ele está pensando que é?”. Como a família de Jesus era normal, eles não entendiam que um membro dela pudesse se destacar dos demais. Observa-se, portanto, que já naquela época imperavam as tentativas de nivelar as pessoas sem levar em conta suas características específicas, inerentes a cada espírito humano. Com Jesus, então, o contraste era muito mais chocante, pois devido à sua natureza divina ele se destacava de imediato de todos os seres humanos. Sua simples presença já dividia as pessoas em dois lados.

Como o conceito de família é um estorvo ao livre desenvolvimento espiritual, é evidente que Jesus não poderia mesmo estar de acordo com essa prática. Alguns quadros tomados de seus ensinamentos são especialmente contundentes em relação a isso, apesar de que… “nem seus irmãos acreditavam nele” (Jo7:5):

“Grandes multidões o acompanhavam e ele, voltando-se, lhes disse: Se alguém vem a mim e não aborrece seu pai e mãe, e mulher, e filhos, e irmãs, e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.”

(Lc14:25,26)

“Aborrece” é um hebraísmo que tem o sentido de uma desvinculação completa da respectiva pessoa, de uma atuação independente segundo as próprias convicções, sem, portanto, nenhum compromisso de atrelar suas ações àquilo que os familiares esperam ou exigem que ela faça.

A submissão a opiniões e diretivas familiares já impossibilita um verdadeiro servir. E isso é tanto mais sério quanto mais elevada for a missão do servidor, como aconteceu, por exemplo, com Abraão. Conforme relata Roselis von Sass em O Livro do Juízo Final, a resposta do guia espiritual de Abraão ao seu rogo para servir a Deus, foi informá-lo das severas condições prévias exigidas: “Aquele que quiser servir ao Deus onipotente não deve deixar que nada o impeça; nem filhos, filhas, mulheres, pais, ou nenhum outro…” A ordem divina foi clara: “Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai” (Gn12:1)”, e Abraão “partiu como o Senhor lhe tinha ordenado” (Gn12:4). Ele não titubeou nem cismou a respeito de sua missão: “Abraão, ao ser chamado, obedeceu e partiu para um lugar que havia de receber como herança, e partiu sem saber para onde ia” (Hb11:8).

O rígido conceito de família é um perigo enorme para o espírito humano, um perigo muito pouco reconhecido. Quem se acomoda confortavelmente nas aconchegantes amarras familiares fica estagnado em seu desenvolvimento espiritual, e devido a isso incapacitado de pôr em prática os ensinamentos de Jesus, os quais invariavelmente exortam o espírito humano ao aperfeiçoamento pessoal, mediante contínua e própria movimentação. O trecho a seguir é ainda mais incisivo que o anterior:

“Não penseis que vim trazer paz à Terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai, entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim os inimigos do homem serão os da sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim.”

(Mt10:34-37)

Jesus, a Palavra encarnada, tinha, pois, de causar divisões no seio das famílias, já que essa Palavra exige do ser humano a mais aguçada vigilância espiritual, contínua movimentação interior, resolução e responsabilidade pessoais, justamente o contrário do que as mornas massas familiares ensinam a seus membros submissos.

Essa atuação abafadora das famílias sobre a livre movimentação do espírito humano individual é tão nociva, que para uma pessoa que deseja se movimentar espiritualmente os parentes acabam se tornando seus maiores inimigos: “os inimigos do homem são os da sua própria casa.” Os parentes se tornam, pois, inimigos do espírito vivo, que anseia por movimento independente… São justamente os familiares, os malfadados parentes, que impedem na maior parte dos casos o vôo livre do espírito de um jovem que se esforça em ascender às alturas luminosas. Os parentes não têm nenhum direito de ditar quaisquer diretivas de conduta a um membro da família no que tange à sua vida espiritual. Em relação a Jesus, eles tampouco tinham o direito de tentar neutralizar sua atuação em nome da normalidade e tranqüilidade familiares, conforme consta dessa passagem:

“Então ele foi para casa. Não obstante, a multidão afluiu de novo, de tal modo que nem podiam comer. E quando os parentes de Jesus ouviram isso, saíram para o prender, porque diziam: Está fora de si.”

(Mc3:20,21)

Para o espírito humano é imprescindível se libertar espiritualmente dos grilhões familiares, se quiser progredir. Quando Pedro diz a Jesus: “Eis que nós deixamos as nossas casas e te seguimos” (Lc18:28), ele lhe tranqüiliza:

“Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou mulher, ou irmãos, ou pais, ou filhos, por causa do Reino de Deus, que não receba no presente muitas vezes mais, e no mundo por vir a vida eterna.”

(Lc18:29,30)

O espírito não tolhido por conceitos errados, que se movimenta livre na Criação, age no sentido da Vontade do Criador, recebendo por conseguinte múltiplas bênçãos através da Lei da Reciprocidade e, por fim, a própria vida eterna no Paraíso. Quando, numa ocasião, Jesus falava ao povo e alguém lhe avisou que sua mãe e irmãos estavam presentes, ele respondeu:

“Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E estendendo a mão para os discípulos, disse: Eis a minha mãe e meus irmãos. Porque qualquer um que fizer a Vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe.”

(Mt12:48,50)

No Evangelho segundo Lucas, o final desse trecho é expresso de forma ainda mais contundente:

“Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a praticam.”

(Lc8:21)

Aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a praticam!… Somente estes podem alegar ter um parentesco com Jesus, a Palavra encarnada. Um parentesco no sentido de uma similitude íntima com a Palavra de Deus, de movimentação do espírito, que se evidencia no modo de ser renovado da criatura humana e não em conceitos meramente terrenais de laços de sangue e coisas do gênero.

Graus de parentesco terreno não têm, por si mesmos, nenhum significado para o espírito humano, cujo alvo máximo só pode ser espiritual. Só aquele que se movimenta para atingir esse alvo sublime cumpre realmente a Vontade do Pai celeste, podendo então ser chamado de um “filho” de Deus no sentido espiritual, pois “não são os filhos da carne que são filhos de Deus” (Rm9:8). Os que atingem plenamente esse alvo espiritual também poderão então tratar a si mesmos de “irmãos e irmãs no espírito”, visto terem todos atingido uma elevada igual espécie comum. Não antes. Os que procuram estabelecer uma igualdade impossível entre os seres humanos são pessoas danosas, porque tentam implantar na Terra algo insano e sem harmonia, semelhante a querer montar uma orquestra com um único instrumento ou um jardim com um único tipo de flor.

A necessidade de se libertar dos grilhões familiares aparece também de forma clara nesse diálogo de Jesus com um homem que queria segui-lo:

“Outro lhe disse: Seguir-te-ei, Senhor, mas deixa-me primeiro despedir-me dos de casa. Mas Jesus lhe replicou: Ninguém que tendo posto a mão no arado olha para trás, é apto para o Reino de Deus.”

(Lc9:61,62)

Mais uma vez o mesmo ensinamento: quem permanece preso a conceitos rígidos, como é o espinheiral familiar, não pode ascender espiritualmente. Também se reconhece nessa passagem que para muitas pessoas as preocupações terrenas vinham em primeiro lugar, tal como acontece na época presente. A exortação de Paulo, pronunciada a quase dois milênios, permaneceu inaproveitada: “Aspirai às coisas do Alto, não às terrenas (Cl3:2). Quando, hoje em dia, alguém eventualmente ainda se dispõe a ocupar-se de assuntos espirituais, também logo surgem desejos outros, que o desviam do alvo principal. Um provérbio árabe diz: “Quem quer fazer alguma coisa encontra um meio, quem não quer fazer nada encontra uma desculpa.” Ninguém fica livre da reciprocidade por deixar de fazer algo necessário, porque isso já é uma contravenção à lei universal da movimentação. A responsabilidade pessoal não se restringe ao que é feito, mas também inclui o que se deixa de fazer.

Jesus foi tão incisivo sobre a necessidade de se desvincular das garras familiares, que é de causar espanto que o sentido de suas palavras não tenha sido reconhecido. Certa feita uma mulher, também presa ao falso conceito de família, querendo expressar sua admiração pelas palavras de Jesus, exclamou para ele:

“Bem-aventurada aquela que te concebeu e os seios que te amamentaram!”

(Lc11:27)

Jesus retrucou-lhe imediatamente:

“Antes bem-aventurados são os que ouvem a Palavra de Deus e a guardam!”

(Lc11:28)

Esse episódio fala por si. Jesus, novamente, aponta para a necessidade imperiosa de se cumprir a Palavra de Deus, como pré-requisito indispensável para se alcançar a bem-aventurança, descartando de pronto, como algo totalmente despropositado, a pieguice maternal daquela mulher deslumbrada.

Mas, infelizmente, esses seus ensinamentos não impediram que nos séculos subseqüentes o amor materno, principalmente, fosse decantado como o mais nobre dos sentimentos da mulher, como se a missão suprema da feminilidade fosse gerar filhos para fazer jus a esse sentimento. Com isso, também o casamento foi rebaixado. O casamento passou a ser visto como um objetivo profissional, uma conquista terrena que todas as moças tinham de alcançar para se sentir realizadas, a ponto de a mulher de hoje não se envergonhar de tomar o matrimônio por patrimônio… Casar e ter filhos emergiu como única meta de vida de muitas jovens, freqüentemente instigadas pelos próprios pais. Para elas, ser uma consorte na vida é ter uma vida com sorte.

Ninguém se lembrou aí de que o ser humano é essencialmente um ser espiritual, e como tal tem de atuar em primeira linha. A procriação não é a principal função do casal humano; considerá-la como tal é promover um rebaixamento do verdadeiro papel do espírito humano dentro da Criação. É uma abjeção indesculpável, indigna da espécie humana, decorrente também da crônica indolência espiritual, a qual descarta de pronto a intuição em qualquer deliberação e suprime toda tentativa de reflexão mais aprofundada, fazendo com que as mulheres continuem a gritar em seu íntimo até os dias de hoje: “Dá-me filhos, senão eu morro!” (Gn30:1). Não por outro motivo, aliás, a exortação “Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a Terra” (Gn1:28) foi recebida como uma revelação toda especial, e posta em prática com espantoso afinco desde então. A respeito dessa frase, Roselis von Sass concede a seguinte explicação em sua obra O Livro do Juízo Final: “As palavras ‘crescei e multiplicai-vos e enchei a Terra’ foram pronunciadas, todavia, na época em que as encarnações dos espíritos na Terra começaram… E isto foi há milhões de anos…”

As odes seculares erguidas em louvor ao amor materno, como se a mulher não fosse mais do que uma graciosa espécie reprodutora bípede, transformaram-no num fardo doentio que solapa o livre desenvolvimento espiritual, tanto da mãe quanto dos filhos. Àquela faz crer que possui direitos absolutos e permanentes sobre a prole, enquanto que a estes últimos impõe o peso da gratidão eterna, mesmo que sob o manto da hipocrisia. Isso, sem falar do asqueroso mercantilismo desse “amor” filial. (2)

Outro aspecto que também ajudou a degradar o conceito de família foi a interpretação errônea do quarto Mandamento. O sentido original é honrarás pai e mãe, e não “honrarás teu pai e tua mãe” (Mc10:19; Lc18:20). O mandamento trata de algo muito mais amplo, a honra devida à paternidade e à maternidade em sentido geral, e não uma obrigação pessoal de honrar os próprios pais em toda e qualquer situação, os quais podem, sim, agir eventualmente de uma maneira não merecedora de honra. É novamente apenas hipocrisia demonstrar uma honra fingida, forçada, a um pai ou a uma mãe não honoráveis. É oportuno mencionar que algumas traduções mais criteriosas dos Evangelhos trazem acertadamente o tópico correspondente no Evangelho de Mateus sem os pronomes possessivos em relação a pai e mãe: “Honra pai e mãe, ama teu próximo como a ti mesmo” (Mt19:19); “Deus ordenou: honra pai e mãe” (Mt15:4).

Também o papel sobrenatural que se atribui a Maria, na geração de Jesus, tem origem no torcido conceito de família. Segundo essa idéia, como ela foi a mãe terrena de Jesus, o Filho de Deus, a concepção corpórea de seu filho teria de ter ocorrido de uma maneira muito acima do padrão humano normal, tão inadequadamente natural… No caso, tratou-se então de uma “equalização familiar divina”.

A idéia do nascimento virginal de uma divindade era muito disseminada na Antiguidade, em vários povos, e simplesmente transplantou-se para a tradição cristã, a qual não podia ficar atrás dos pagãos em algo assim tão palpitante. Vários mitos sumerianos falam de deuses que desceram à Terra para engravidar suas escolhidas e voltaram para as estrelas. Uma antiga lenda afirma que a mãe de Buda permaneceu virgem depois de lhe dar à luz no palácio Kapilavastu. Uma outra lenda, egípcia, diz a mesma coisa em relação à mãe de um de seus reis, que no Antigo Egito tinham o status de divindades, por serem filhos de Amon-Rá com a rainha da respectiva dinastia. O principal deus dos Astecas também nascera de uma virgem. O deus Tamuz mencionado pelo profeta Ezequiel (cf. Ez8:14), que morria e ressuscitava todo ano, era tido como nascido da virgem Myrrha. Até Platão, imagina, teria vindo ao mundo de um parto virginal…

Qualquer cristão de hoje não terá nenhuma dificuldade em designar todas essas estórias como mitos, que são realmente, mas em relação à sua própria religião adotam uma postura distinta. E, no entanto, os antigos egípcios pareciam ser até mais sensatos do que os cristãos de hoje em relação a esse tema candente. O escritor grego Plutarco (50 – 125 d.C.) escreveu o seguinte em suas notas biográficas sobre o rei-sacerdote etrusco Nema: “Os egípcios dizem não ser possível que o espírito de um deus se aproxime de uma mulher para lhe outorgar princípios de fecundidade, e que nenhum ser humano jamais poderá ter nenhuma relação, nenhuma união, com uma divindade.”

Um dos pontos-chave em que se apóiam as doutrinas cristãs que ensinam o dogma da concepção antinatural de Jesus é o final de sua genealogia, contida no Evangelho de Mateus: “E Jacó gerou a José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo.” (Mt1:16). Segundo os doutos especialistas bíblicos, as palavras “da qual” que aparecem nesse versículo constituem “uma das mais fortes evidências para o nascimento virginal de Jesus.” Sei… Então porque o evangelista não cita o nome do pai terreno de Jesus, essa é a prova de que ele não teve pai nenhum. Claro que para daí surgir a idéia de uma concepção antinatural e um parto milagroso foi quase que uma conseqüência imediata, e os fiéis cristãos passaram a aceitar irrefletidamente esse excêntrico conceito de uma partenogênese divina. É preciso, porém, deixar registrado que alguns teólogos e exegetas mais esclarecidos consideram a idéia de “nascimento virginal” de Jesus como um caso típico de teologúmeno, expressão indicativa de uma narrativa teológica sem a correspondente representatividade histórica. Em termos mais simples... uma mentira.

A palavra hebraica almāh, que aparece nas Bíblias cristãs como “virgem” para designar Maria, mãe de Jesus, significa literalmente: “mulher jovem em idade de casar”. É nesse sentido de juventude feminina que o termo é usado no Antigo Testamento, como indicam esses exemplos: “Pois bem, a jovem que sair para tirar água do poço...” (Gn24:43); “Partiu, pois, a moça e chamou a mãe da criança” (Ex2:8); “...o caminho de um homem junto a uma jovem” (Pv30:19); “Os cantores à frente, atrás os músicos, no meio as jovens soando tamborins” (Sl68:26). A palavra que em hebraico indica o conceito de virgem propriamente é outra completamente diferente: betûlāh, tal como usada na designação da moça Rebeca, no Gênesis: “A moça era mui formosa de aparência, virgem, a quem nenhum homem havia possuído” (Gn24:16), e também na história das moças da localidade de Jabes, no livro de Juízes: “Entre os habitantes de Jabes de Galaad acharam quatrocentas virgens, que não se tinham deitado com homem, e as trouxeram ao acampamento” (Jz21:12).

Quando a Bíblia foi vertida do hebraico para o grego da versão Septuaginta, a palavra almāh foi traduzida por parthenos, que rigorosamente indica qualquer moço ou moça não casados, e por isso considerados virgens. No grego antigo, parthenos tinha propriamente o sentido de “menina” ou “jovem”, que normalmente seriam virgens, mas não obrigatoriamente. Na posterior tradução da Bíblia para o latim a partir do grego do Antigo Testamento essa nuance foi desconsiderada e o termo hebraico original almāh, indicativo de jovem núbil, passou a ser traduzido diretamente em algumas passagens como “virgem” (virgo em latim), porque os cristãos já acreditavam no nascimento misterioso de Cristo. Assim, na versão oficial da Bíblia em latim, a Vulgata da Igreja, o conceito principal de jovem senhora foi definitivamente afastado e almāh deliberadamente traduzido como virgo. Essa falha, naturalmente, passou depois para as Bíblias em línguas modernas.

O efeito mais grave dessa mistificação se encontra no trecho em que Isaías anuncia o nascimento de Imanuel, citado por Mateus em seu Evangelho. A profecia original de Isaías diz textualmente o seguinte: “Pois bem, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a jovem está grávida e dá à luz um filho, e lhe dará o nome de Imanuel” (Is7:14). Já o mesmo trecho citado por Mateus aparece dessa forma: “Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a ‘virgem’ conceberá e dará à luz um filho [ecce virgo concipiert et pariet filium], e lhe chamará Imanuel” (Mt1:23). A citação de Mateus faz a jovem grávida de Isaías voltar à condição de virgem, o que comprovaria a suposição de um nascimento virginal de Jesus. Conforme veremos mais à frente, a virgem aí interpolada sequer se referia a Maria, mãe terrena de Jesus.

Aliás, também não nos passa despercebido que Mateus, em sua genealogia, faça menção específica a três mulheres além de Maria: Raabe, Tamar e Rute (cf. Mt1:2), todas elas com uma situação matrimonial algo desregrada ou pelo menos incomum nos textos do Antigo Testamento, como uma tentativa subliminar de justificar a gravidez de Maria antes do casamento.

Maria era seguramente uma almāh, uma “mulher jovem em idade de casar”, ou uma “mulher jovem enquanto não deu à luz” nas palavras muito acertadas do teólogo holandês Rochus Zuurmond. O pesquisador católico John P. Meier também diz com acerto que a palavra almāh era aplicada a uma mulher até que ela tivesse tido seu primeiro filho. Mas essa contingência não indica, absolutamente, que a concepção e o nascimento de seu filho Jesus tenham sido “virginais”, algo completamente impossível segundo as leis naturais. A virgindade de Maria designava simplesmente sua condição antes de dar à luz seu primeiro filho, isto é, uma mulher cujos órgãos reprodutores ainda não haviam funcionado, que estavam virgens portanto, apenas isso. Esses órgãos deixaram de ser virgens quando da concepção, gestação e parto de seu primeiro filho, Jesus: “Ela deu à luz o seu filho primogênito, envolveu-o com faixas e reclinou-o numa manjedoura” (Lc2:7).

No trecho da anunciação do anjo a Maria, Lucas – ao contrário de Mateus (cf. Mt1:18), não interpreta que Maria tenha sido terrenalmente “concebida” pelo Espírito Santo:

“Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus.”

(Lc1:35)

Muito lógico. A atuação do Espírito Santo, cuja forma espiritual visível é a de uma Pomba, é aqui descrita como o “poder do Altíssimo que envolve Maria com a sua sombra”. Essa analogia de uma sombra envolvente para indicar a sujeição aos desígnios do Todo-Poderoso já era conhecida em várias passagens do Saltério, no Antigo Testamento: “Guarda-me como a pupila do olho, esconde-me à sombra das Tuas asas” (Sl17:8); “Como é preciosa a Tua graça, ó Deus! Os homens se refulgiam à sombra das Tuas asas” (Sl36:8); “Tu que estás sob a proteção do Altíssimo e moras à sombra do Onipotente” (Sl91:1); “O Senhor é o teu guarda, o Senhor é como a sombra que te cobre” (Sl121:5).

O “por isso” que aparece na frase final da anunciação em Lucas é uma locução adverbial grega – dioti, a qual indica “conseqüência evidente”. A conseqüência evidente da atuação do poder do Altíssimo, que envolve Maria com sua sombra, é que lhe seria possível dar à luz Jesus, o Filho de Deus, encarnado em corpo terreno.

O Espírito Santo é a Vontade de Deus, e essa Vontade estabeleceu que uma parte do Todo-Poderoso desceria até essa Terra, a fim de auxiliar os espíritos humanos pela Palavra. Daí se realizou então uma imaculada concepção espiritual, (3) a encarnação de Jesus no corpo infantil em gestação. Essa encarnação, como não podia deixar de ser, pautou-se pelas leis naturais do mundo material e se deu no meio do período de gravidez, assim como acontece com todas as encarnações de seres humanos terrenos. O autor de Eclesiastes diz que “o sopro vital entra nos ossos, dentro do ventre da mulher grávida” (cf. Ecl11:5).

O corpo terreno de Jesus foi gerado como qualquer outro corpo humano tem de ser gerado aqui na Terra, em obediência às inflexíveis leis da natureza para a matéria, guardiãs perenes da absoluta perfeição da Vontade divina. No início da era cristã era do conhecimento geral que o pai de Jesus havia sido um romano. Não é sem razão, aliás, que uma das primeiras imagens de Jesus que chegaram até nós, uma gravura do século II encontrada nas catacumbas de Roma e reproduzida posteriormente na estatueta O Bom Pastor do século III, é a de um jovem pastor trazendo uma ovelha nos ombros (cf. Lc15:5). (4) Um pastor altivo, vigoroso, imberbe e com fisionomia romana. (5) Os primeiros cristãos teriam ficado perplexos se lhes fosse contada a versão de uma “concepção divina” e de um “nascimento virginal” do Mestre… O lúcido teólogo Cerinto, que de acordo com o bispo Irineu do século II havia sido contemporâneo do apóstolo João, afirmou que o corpo de Cristo fora “originado de sêmen viril”. Não se tem conhecimento de nenhum escrito de João refutando Cerinto. Registre-se que Cerinto também afirmava que a redenção não podia ser obtida através do sofrimento de Jesus. Duas verdades submersas pelos vagalhões dogmáticos dos séculos seguintes...

A idéia de uma concepção virginal de Jesus é fruto do incurável misticismo humano, bem como do desconhecimento das leis que governam a natureza. Nada mais do que isso. O mesmo se dá em relação à idéia de uma concepção especial para Maria. Em 1854, o papa Pio IX afirmou que Maria fora concebida sem pecado em atenção aos méritos de Cristo Jesus. O Salvador só poderia ser concebido virginalmente de uma criatura previamente concebida sem pecado. Essa afirmação de uma imaculada concepção, única e especial para a mãe terrena de Jesus, implica necessariamente que desde Adão todos os seres humanos foram sempre concebidos com mácula, mesmo quando se esforçaram em obedecer a determinação divina para que “se multiplicassem e enchessem a Terra” (cf. Gn1:28). Dessa maneira, o Senhor teria ordenado às Suas criaturas que pecassem com disposição, para poderem povoar a Terra… Onde está a lógica nisso?

Certamente é muito significativo que não haja a mais remota alusão a qualquer idéia de uma concepção e de um nascimento “virginais” de Jesus nas epístolas do grande apóstolo Paulo, as quais foram escritas muito antes dos Evangelhos, pelo menos uma geração antes. O próprio Evangelho de Marcos, o mais antigo dos quatro, também não faz nenhuma menção a isso, indicando que um tal conceito era completamente desconhecido no início do Cristianismo. E o Evangelho de João, com seus profundos conceitos teológicos, igualmente passa ao largo dessa estória.

Aliás, é interessante observar que no Evangelho de Marcos alguns judeus na sinagoga comentavam sobre Jesus da seguinte forma: “Não é ele o carpinteiro, filho de Maria,…? (Mc6:3). Referir-se a um homem como filho de sua mãe, e não de seu pai, era algo absolutamente incomum no Judaísmo daquela época e também no Antigo Testamento. Era um sinal de que alguns ali sabiam que Jesus não era filho do marido de Maria, e sim de um outro homem. Claro que nenhum daqueles judeus iria admitir a hipótese de que o pai de Jesus seria o Espírito Santo, já que o consideravam apenas como um impostor. Como reforço, temos também o ataque maldoso de um grupo de judeus dirigido a Jesus: “Nós não somos bastardos!” (Jo8:41), querendo indicar com isso, com o intuito de ofender, que sabiam ser Jesus um filho ilegítimo. Ilegítimo segundo a lei dos homens, é bom que se diga, e não segundo a onisciência divina, que não leva em conta a visão restrita de seres humanos de raciocínio. Também é digno de registro a preocupação de alguns copistas em substituir as palavras originais encontradas em manuscritos mais antigos “o pai e a mãe do menino”, referindo-se a Jesus no Evangelho de Lucas (cf. Lc2:33), por “José e sua mãe”. À medida que crescia a importância de Maria na Igreja, os devotos copistas se sentiram no dever de eliminar qualquer possibilidade de dúvida em relação ao nascimento virginal de Jesus.

Mas aqui e ali ainda vemos alguns que conseguem sobrepujar a muralha do raciocínio e enxergar um pouco mais além, como é o caso do exegeta católico Gerhard Lohfink, que afirma com todas as letras para quem quiser ouvir: “A concepção virginal com certeza não faz parte do conteúdo da fé e da confissão cristãs primitivas e, conseqüentemente, da mensagem de salvação bíblica.” O também católico Karl Rahner acredita que “o trabalho pastoral faria melhor em não incomodar um crente sincero que não queira aceitar essa doutrina.” A teóloga Jane Schaberg diz que “a doutrina da concepção virginal é uma distorção e uma máscara, por trás da qual se encontra a tradição da ilegitimidade.” E o escritor e padre católico John P. Meier admite por sua vez que “as exatas origens da tradição da concepção virginal continuam obscuras, do ponto de vista histórico.” Origens obscuras, não é padre John? Quem sabe não houve interesse em deixar registrado como tudo começou… Roselis von Sass traz o seguinte esclarecimento sobre o tema em O Livro do Juízo Final:

“Outra invenção da Igreja é a da “concepção antinatural” de Jesus. Jesus foi gerado do mesmo modo que qualquer outra criança na Terra. (…) Naquela época todos os conhecidos de Maria sabiam que o pai de seu filho – Jesus – era um romano… Somente muitos séculos mais tarde, um dos conselheiros da Igreja inventou a lenda de que Jesus não fora gerado por um pai terreno. Pensou introduzir, com isso, algo de místico na doutrina de fé…”

Quem estabeleceu o dogma propriamente da virgindade de Maria foi o papa Martinho I, quando durante o Concílio de Latrão, no longínquo ano 649, declarou a “perpétua virgindade de Nossa Senhora ante partum, in partum, post partum”, em clara contradição com várias passagens do Novo Testamento que falam sobre os irmãos de Jesus (cf. Mt12:46;13:55; Mc3:31,32;6:3; Lc8:19,20; Jo2:12;7:3,5,10; At1:14; 1Co9:5; Gl1:19). É de se perguntar se os irmãos de Jesus também foram agraciados com concepção e nascimento antinaturais…

E que Jesus teve irmãos de sangue é atestado não somente pelas Escrituras, mas também pelo próprio bispo Eusébio de Cesaréia (280 – 340), que em sua obra História Eclesiástica informa: “Da família do Senhor ainda viviam os netos de Judá, que deve ter sido um irmão consangüíneo do Senhor.” Também Hegesipo, escritor cristão do segundo século, e os pais da Igreja: Tertuliano, Irineu, Helvídio e Epifâneo afirmaram que Maria teve outros filhos com José.

A estória apregoada de Maria ter permanecido virgem mesmo depois do nascimento de Jesus (virginitas post partum), foi demais até para o bom monge Joviano, que achava tudo isso francamente exagerado. Aliás, como também já admitia Tertuliano – o pai do Cristianismo latino – que ao menos descartava a idéia de uma virgindade mariana durante e após o parto. No século II da nossa era, Tertuliano já advertia os cristãos para não seguirem o raciocínio (razão) na definição de suas convicções...

O primeiro documento a “atestar” o nascimento virginal de Jesus é um texto moldado no ano 190 d.C. chamado Proto-evangelho de Tiago, que naturalmente nada tem a ver com o verdadeiro Tiago, irmão de Jesus e autor da preciosa epístola que leva seu nome. Nesse texto de soberba fantasia, o tempo literalmente pára quando Maria está prestes a dar à luz. José olha para cima e vê pássaros parados em pleno ar, pessoas estáticas levando comida à boca, cabritinhos petrificados no momento de beber água do rio, etc. Diz o texto: “Em uma palavra, todas as coisas estavam afastadas, por uns instantes, de seu curso normal.” Logo depois do nascimento de Jesus, a parteira sai gritando maravilhada que Maria continuava virgem. Uma amiga sua não acredita e exclama: “Pelo Senhor, meus Deus, não acreditarei em tal coisa, se não me for dado tocar com os dedos e examinar sua natureza!” O texto conta que a mulher coloca o dedo na natureza de Maria e imediatamente solta um grito de dor: “Ai de mim! Minha maldade e minha incredulidade é que têm a culpa! Por descrer do Deus vivo, desprende-se de meu corpo minha mão carbonizada.”

Joviano, um monge pensante da época, não podia mesmo compactuar com essa estorinha e acabou sendo excomungado pela Igreja por contestar a “virgindade do parto”.

Ao contrário da idéia antinatural de uma concepção virginal através do Espírito Santo, há registros palpáveis indicando uma paternidade normal para Jesus. Um antigo documento apócrifo, naturalmente repudiado pela Igreja, afirma que Maria estava grávida de seis meses quando se uniu a José, de modo que este sabia muito bem de sua condição quando decidiu se casar com ela. O teólogo Orígenes, (6) do século III, cita especialmente o filósofo Celso que, numa obra intitulada O Verdadeiro Discurso, de 178 d.C., diz ter obtido de um judeu a informação de que a mãe de Jesus aparecera grávida de um soldado romano de nome Pandera (ou Panthera). Essa história também aparece registrada em alguns escritos rabínicos do final do século I e início do século II, denominados Baraitas. Também o Talmude, o mais importante livro pós-bíblico do povo judeu, coletânea das tradições rabínicas desde o século II d.C. e considerado pelo Judaísmo tradicionalista com autoridade equivalente a das Escrituras, informa que o pai de Jesus foi um estrangeiro, um legionário romano de nome Pandera.

Nessas narrativas históricas sobre a paternidade de Jesus há, contudo, uma incorreção de nomenclatura, porque seu pai biológico foi um comandante romano chamado Kreolus (7) (e não Pandera ou Panthera), a quem Maria conheceu antes de se unir a José. O nome “Pantheras”, de fato, era bastante comum entre os soldados romanos, mas nesse caso o erro adveio provavelmente da expressão grego-hebraica ben-parthenou – “filho da virgem”, utilizada mais tarde pelos cristãos em relação a Jesus.

A imaculada concepção de Jesus foi uma concepção realizada dentro do mais puro amor, protegida por este como que numa redoma de pureza. Uma concepção que não se originou de mero instinto, na qual, portanto, não aderiu nenhuma mácula, caracterizando-a realmente como imaculada. O corpo terreno de Jesus só poderia ser concebido como fruto do mais puro e profundo amor entre duas pessoas, como foi o ocorrido entre Maria e Kreolus. O amor puro tinha de ser a base sobre a qual poderia se encarnar uma parte do Amor de Deus. Esse tipo de amor, porém, praticamente não existe mais na Terra.

Sem contar os desregramentos sexuais a que tanta gente se entrega em nossos dias, o próprio ato de geração decorre quase sempre apenas do instinto inferior, onde o amor ou algum resquício dele desempenha um papel secundário ou terciário, quando não desempenha papel nenhum. Deveria ser o contrário. Isso é mais um sinal da profundidade da decadência humana, pois só mesmo quem não tem mais nada de valor dentro de si pode direcionar sua vida apenas na busca de prazeres sensuais e paixões. Unicamente aquele que consegue ascender espiritualmente adquire a força necessária para deixar de lado essas e tantas outras coisas baixas, como aconteceu com o próprio Paulo e seus conhecidos: “Também nós antigamente éramos escravos de toda sorte de paixões e de prazeres” (Tt3:3).

Voltando à paternidade de Jesus, vemos num texto apócrifo que o casal Maria e José compareceu a um tribunal religioso porque Maria havia engravidado sem ainda estar coabitando com José. Na realidade, não se tratou de um tribunal propriamente, mas sim de uma declaração pessoal de paternidade feita por José, sozinho, junto ao superior do Templo, de modo a garantir a primogenitura de Jesus, com todos os direitos a isso ligados.

José foi, sem dúvida nenhuma, o pai de fato de Jesus, visto sempre ter sido seu melhor amigo terreno. Ao contrário de Maria, ele nunca o importunou com errôneos conceitos familiares, e por essa razão também não colocou em seu caminho nenhum empecilho para o cumprimento de sua missão. Quando Jesus deu início ao seu ministério José já havia morrido, de modo que nessa época ele não podia mais contar com as longas conversas que tinha com seu pai adotivo, de que tanto gostava e que lhe foram tão úteis na juventude. Em Maria, o rígido e deletério conceito de família estava muito arraigado, de modo que, mesmo sem querer, acabou dificultando a missão do Filho de Deus na Terra. O Evangelho de Marcos, por exemplo, informa que ela (respeitosamente sem citar seu nome), juntamente com seus outros filhos, acharam até que Jesus “estava ficando louco e quiseram detê-lo” (cf. Mc3:21), logo depois de este ter convocado os doze apóstolos.

Sobre o papel da mãe terrena de Jesus registrado na Bíblia, uma enciclopédia de catolicismo admite que “o leitor dos Evangelhos, antes de tudo, se surpreende por encontrar tão pouca informação sobre Maria.” Na verdade, o que surpreende mesmo é a Igreja ter ignorado esse sinal silencioso das Escrituras, onde Maria de Nazaré é citada até menos do que Maria Madalena, e criado um culto à sua personalidade que nem ela, nem Jesus, jamais quiseram. O Filho de Deus nunca, mas nunca proferiu uma única palavra sequer que pudesse justificar a existência de semelhante culto. Nem mesmo em suas aparições depois da morte. Aliás, os Evangelhos narram onze aparições de Jesus ressuscitado, não apenas às pessoas que lhe eram caras, como os apóstolos e seu irmão Tiago (cf. 1Co15:7), mas também a agrupamentos e multidões, e no entanto, significativamente, não registram uma única visita pós-morte à sua mãe terrena… Ela não fazia parte das “testemunhas anteriormente designadas por Deus” (At10:41) para poder ver Jesus depois de sua morte.

Maria teve a sublime incumbência de dar à luz o Filho de Deus em seu invólucro terreno, mas nem por isso subiu do patamar de espírito humano. Ela era, sem dúvida, “altamente favorecida” (Lc1:28), um espírito humano muito agraciado e preparado, não obstante continuou sendo ainda e sempre um simples espírito humano, conforme, aliás, era considerada nos primórdios do Cristianismo. Maria foi um ser humano como qualquer outro, inclusive com erros aderidos a si, os quais ela permitiu que se evidenciassem durante seu tempo de convivência com Jesus.

O apóstolo Paulo, sempre cioso de tudo que é relacionado a Jesus, só faz uma referência indireta e superficial a Maria, para dizer que o Filho de Deus “nasceu de uma mulher” (Gl4:4) (8). Os Evangelhos mostram Jesus se referindo a ela apenas como “mulher” (cf. Jo2:4;19:26), não como mãe, e muito menos ainda como “mãe de Deus” (coisa que também nenhum discípulo fez), fato esse que prova o contrário daquilo que o culto de Maria estipula. O evangelista João sequer a chama pelo nome, mas apenas de “mãe de Jesus” e “sua mãe” (cf. Jo2:1,3,5,12;19:25,26). Jesus, como Filho de Deus, até deixou claro que nada tinha a ver com aquele espírito humano: “Mulher, que tenho eu contigo?” (Jo2:4), replicou.

O título de matriarca divina foi instituído muito tempo depois da morte de Maria. Nota-se aí claramente a influência de conceitos pagãos, particularmente oriundos do Antigo Egito, onde a deusa Ísis, chamada pelos egípcios de “Mãe de Deus” e “Senhora do Céu”, aparecia freqüentemente retratada com o menino Hórus no colo. Uma estátua da deusa Ísis com seu filho Hórus chegou a ser venerada por engano por católicos que desconheciam sua origem... Essas imagens são deturpações de visões espirituais que alguns agraciados tiveram da Rainha Primordial, que habita num mundo situado muito acima do Paraíso. Nessas antigas visões, ela normalmente aparecia acompanhada de um menino, o futuro “Senhor do Juízo”. Abdruschin diz o seguinte sobre essa Rainha Primordial em Na Luz da Verdade, dissertação “Culto”:

“Certamente existe uma Rainha do céu que, segundo a conceituação terrestre, também se poderia chamar Mãe primordial e que, não obstante, possui a mais pura virgindade. Ela, porém, está desde toda a eternidade nos páramos mais elevados e nunca teve encarnação terrestre!

Trata-se, pois, de sua imagem irradiante e não dela em realidade, o que uma vez ou outra certas pessoas, devido a uma profunda emoção, podem ‘ver’ ou ‘intuir’. Através dela vêm também muitas vezes auxílios mais rápidos, chamados milagres.

Essas elevadas características da Rainha Primordial foram inconscientemente comprimidas em conceitos materiais restritos, e com o tempo acabaram associadas à mãe terrena de Jesus. Outras divindades pagãs também contribuíram para a sedimentação do culto a Maria. A Cibele frígia era conhecida como “Grande Mãe” e “Mãe de Todos os Benditos”. Na cidade fenícia de Biblos e em Beirute, Astarte era venerada como a “Deusa-mãe”. Na Babilônia, Astarte era chamada de “Rainha do Céu” e portava um manto azul... Como “Rainha do Céu” Astarte aparece até na Bíblia, inclusive com esse mesmo título, recebendo libações e oferendas dos seus fiéis, algo que por sinal desagrada profundamente o profeta Jeremias e o próprio Senhor (cf. Jr7:18-20;44:17-23, 25). Nesse caso, tratou-se da deturpação da imagem de uma grande enteal feminina que vive no Olimpo, Astarte, mediadora das irradiações da pureza.

Contudo, a idéia megalônoma de ser uma mãe divina jamais passou pela cabeça da própria Maria, que como simples serva do Senhor reconhecia sua necessidade de salvação como qualquer outro ser humano, conforme se depreende de suas palavras por ocasião da anunciação: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador, porque contemplou na humildade da Sua serva.” (Lc1:46-48). Ora, uma mãe de Deus não poderia ser serva e muito menos ainda precisaria ser salva… (9)

A designação “mãe de Deus” (Theotokos em grego) só começou a ser utilizada a partir do ano 431, quando foi estabelecida no Concílio de Éfeso. Os bispos reunidos nesse Concílio proclamaram ser um dever de todos os crentes atribuir a Maria o título de Theotokos, ameaçando com anátema a quem a isso se negasse. Em honra dessa proclamação, o papa Sixto III mandou construir imediatamente a Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, que se tornou o principal santuário dedicado à Virgem.

Esse título oficial criado pela Igreja se contrapunha à acepção estabelecida pelo corajoso patriarca de Constantinopla, Nestório (380 – 451?), segundo o qual havia em Jesus duas pessoas distintas, a humana e a divina, e que portanto Maria não poderia ser considerada mãe de Deus. Nestório afirmava que Maria era mãe de um ser humano, enquanto que o Messias que atuou entre as pessoas era a incorporação do Amor – ligação de Deus com Seu Filho. Essa sua ousadia lhe custou a excomunhão, deportação e exílio, com a agravante de que ele já tinha abolido em Constantinopla o ofício de “penitenciário”, que consistia em distribuir penitências aos fiéis da época. Tal punição, no entanto, não impediu que seus seguidores, os nestorianos, fundassem igrejas na Pérsia, Índia, Arábia e até na China. Na seqüência do embate, no ano 553, o Concílio Constantinopla II acrescentou à “Mãe de Deus” o epíteto de “Virgem Eterna”. No ano 680 o Concílio Constantinopla III sufocou de vez a impertinência herética de Nestório ao ratificar o título de matriarca divina para Maria, com a declaração de que “ela foi verdadeiramente a mãe de Deus”. O marianismo triunfara.

Foram séculos de luta renhida até o culto de Maria se instalar soberano e inconteste no seio da Igreja. Sua tímida aparição no início da era cristã, aparentemente inócua, parecia apenas um justo louvor por ela ter dado à luz o corpo terreno do Messias. Mas em meados do século II o bispo de Lyon na Gália, Irineu, cujo nome significa “pacificador”, já começava a declarar hereges os que se recusavam a aceitar o cada vez mais condensado e místico culto a Maria, bem como a florescente crença em sua virgindade. Podemos concluir então que o pacífico Irineu classificava de herege o próprio Jesus, a quem julgava servir, pois este exortou severamente: “Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a Ele prestarás culto” (Mt4:10; Lc4:8).

O culto à Maria de Nazaré cresceu sobremaneira na Idade Média, quando ela passou a receber vários outros títulos em cadência, como “co-redentora”, “rainha dos céus”, “rainha dos anjos”, “dama regente do mundo”, “mediadora de todas as graças”, “mãe da verdade”, “mãe da paz”, “porta dos céus”, “janela do paraíso”, etc. Esse crescimento contínuo do culto à sua pessoa também pode ser observado nas pinturas que retratam a anunciação. Nas primeiras delas, o anjo Gabriel é a figura dominante, elevando-se majestosamente sobre uma submissa Maria; com o tempo, ambos passam a ser representados com o mesmo tamanho e destaque; já nas últimas gravuras é o anjo Gabriel que aparece ajoelhado reverentemente diante de Maria… Da Idade Média até o Renascimento, Maria é a figura central nos quadros que representam os apóstolos, particularmente nos que retratam a descida do Espírito Santo no Pentecostes. (10) No século VIII surgiram afrescos mostrando o papa recebendo insígnias da Virgem Maria, vestida e coroada como imperatriz.

Segundo o pesquisador Jaroslav Pelikan, quem naquela época apelasse a Maria como “porta dos céus e janela do paraíso” receberia completa absolvição dos pecados. Havia festas eclesiásticas em honra do seu nascimento e acreditava-se que sua natividade também fora anunciada à sua mãe por meio de um anjo, tal como se deu depois com seu filho Jesus. Seu túmulo também teria sido encontrado vazio pelos discípulos… Sua casa foi transportada da Palestina para a Itália por anjos, passando a ser conhecida e venerada como “Santa Casa de Loreto”. Jaroslav diz que Maria “foi colocada no mais ilustre lugar entre todas as hostes celestiais, humanas ou angélicas, ocupando o segundo lugar apenas em relação a Deus.”

Hoje em dia, além das gravuras, há incontáveis estátuas da Virgem veneradas sob mais de mil títulos diferentes em todo o mundo. Isso, apesar das inúmeras advertências bíblicas contra tal prática. Essa prática é tão grave, que aparece na Bíblia como uma proibição específica, complementar ao primeiro Mandamento: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de Mim. Não farás para ti imagem de escultura” (Dt5:6-8). O rei Asa, de Judá, de quem a Bíblia afirma que “fez o que era reto diante do Senhor” (1Rs15:11), entendeu muito bem essa proibição e não titubeou em retirar da própria mãe, Maaca, a dignidade de rainha-mãe quando viu que ela venerava uma escultura de ídolo. Logo depois de apear sua progenitora, “Asa destruiu essa imagem e a queimou no vale de Cedron” (1Rs15:13).

A idolatria é um dos pecados que a Bíblia indica ser especialmente repugnante ao Senhor. É designada pelo termo hebraico to‘evah, que significa “coisa abominável, detestável, ofensiva”. Algumas passagens bíblicas deixam reconhecer muito bem essa repugnância: “A madeira cortada da floresta, trabalhada pelo cinzel do artista, ornamentada com ouro e prata, é fixada com pregos e martelo para não vacilar. Esses ídolos são como um espantalho num campo de pepinos; não falam, e é necessário carregá-los, pois não andam. (…) Todo ourives é envergonhado pela imagem que esculpiu: suas estátuas são mentira, não há espírito nelas; são absurdidades, produtos ridículos: perecerão na hora do ajuste de contas” (Jr10:3-5,14,15). Cada uma dessas estátuas idolatradas clama a maldição que recai sobre os escultores e, não por último, sobre os incentivadores de tão grande abominação: “Maldito o homem que fizer imagem de escultura ou de fundição, abominação ao Senhor, obra da mão do artífice” (Dt27:15). Todos eles “trocaram a glória do Deus incorruptível por figuras representativas do homem corruptível” (Rm1:23).

O clamor do profeta Habacuc ecoa pelos séculos: “Que proveito traz uma imagem de barro? É só para o artista ter o gosto de fazê-la? E a imagem de metal fundido, oráculo mentiroso, é para que seu criador nela confie e continue fabricando ídolos mudos?” (Hab2:18). O salmista brada em severa advertência: “Os que fabricam ídolos ou neles confiam se tornarão como eles” (cf. Sl115:8, 135:18), isto é, sem vida, espiritualmente mortos. O destino que os aguarda é o mesmo de seus ídolos – a aniquilação, garante Oséias: “Da sua prata e do seu ouro fizeram ídolos para si, para sua própria perdição” (Os8:4). E qual o número desses que se tornaram mortos como seus ídolos?... É só olhar em redor, diz Isaías: “O país está cheio de ídolos, adoram o produto de suas mãos, coisas que seus dedos fabricaram” (Is2:8).

O idólatra – qualquer que seja o objeto de sua devoção – se prostra diante de seu ídolo e… “não se envergonha de dirigir-se a esse objeto sem vida: invoca saúde a quem está sem força, implora vida a quem está morto, suplica proteção a quem não tem valia nenhuma, confia suas viagens a quem não é capaz de dar um passo, (…) pede ajuda vigorosa a mãos sem vigor” (Sb13:17-19). “Esses deuses de prata, ouro e madeira são trajados de roupas, como homens, mas não estão protegidos da ferrugem e da decomposição. (…) Como a louça quebrada se torna imprestável, assim são os seus deuses, depois de instalados nos templos; seus olhos cobrem-se com a poeira levantada pelos passos do povo que entra. (…) São comparáveis a alguma viga do templo, cujo cerne, ao que dizem está carcomido; os vermes que saem da terra os devoram, a eles e a seus mantos: eles nem o sentem! (…) Esses objetos, que não têm o menor alento, compram-se por qualquer preço. Como não têm pés, carregam-nos nos ombros. Se alguma vez caem em terra, não se levantam por si mesmos; se alguém os põe de pé, não se podem mover; se inclinados, não se podem endireitar, e recebem como mortos as oferendas que lhes são presenteadas. (…) Se alguém lhes faz bem ou mal, são incapazes de retribuir. (…) Assim, pois, mais vale um homem justo que não tem ídolos: ele estará a salvo da vergonha.” (Br6:10,11,15,16,19,24-26, 33,72).

Somente as Bíblias católicas contêm as passagens do parágrafo acima. No entanto, o Concílio de Nicéia II, no ano 787, definiu como lícita a pia veneração das relíquias e das santas imagens. Assim, também de nada adiantou o profeta Isaías e o salmista terem, séculos antes, acrescentado na mesma linha: “Eis os que desembolsam seu ouro, e pesam a prata na balança; contratam um ourives para que ele faça um deus, diante do qual se prostram em adoração; eles o carregam nos ombros e o transportam, depois o colocam em seu posto, onde se mantém, sem mais poder mover-se. Por mais que o invoquem, nunca responde, e não salva do infortúnio” (Is46:6,7); “Os ídolos deles são de prata e de ouro, feitos por mão de homem: têm boca mas não falam; têm olhos mas não vêem; têm ouvidos mas não ouvem; têm nariz mas não cheiram; têm mãos mas não apalpam; têm pés mas não andam; nem som algum sai da sua garganta. Que seus autores se assemelhem a eles, e todos os que neles confiam!” (Sl115:4-8).

Apesar desses avisos tão incisivos, tão contundentes, parece que nenhum clérigo ou leigo venerador de estátuas se conscientizou até hoje dessa prática abominável, que não é nada pia não, mas sim ím-pia, nem tampouco tomou para si mais essas outras graves advertências bíblicas: “Não façais para vós ídolos, nem levanteis entre vós imagens de madeira, estelas ou pedras esculpidas. Não as coloqueis na vossa terra, para vos prostrardes diante delas, porque Eu sou o Senhor, vosso Deus” (Lv26:1). “Não vos corrompais fabricando um ídolo, uma forma qualquer de divindade” (Dt4:16). “Não vos afasteis do Senhor, mas servi-O de todo o coração. E não vos desvieis para entregar-vos a ídolos de nada, sem utilidade e incapazes de salvar, pois nada são” (1Sm12:20,21).

  1. Alguns teólogos adeptos da teoria da “virgindade perpétua” de Maria ficam incomodados com essa menção explícita aos irmãos de Jesus, e sustentam a tese de que a palavra irmãos significa “primos”, ou então de que se trata de filhos de José, anteriores à sua união com Maria. Essa opinião não é compartilhada por estudiosos mais realistas. Segundo o padre John P. Meier, a palavra grega adelphos foi usada aqui e em outros trechos com o sentido de “irmão”. De fato, os irmãos de Jesus sempre são citados nos Evangelhos como adelphos. No Novo Testamento esse termo aparece 343 vezes, sempre com o sentido literal ou metafórico de “irmão”. O apóstolo Paulo, cujas cartas são anteriores aos Evangelhos, usa adelphos para se referir a “Tiago, irmão do Senhor (Gl1:19), ao passo que na sentença: “Marcos, primo de Barnabé” (Cl4:10), ele utiliza a palavra grega anepsios, que significa realmente “primo”. Contudo, como nos primeiros quatro séculos da Igreja nenhum dos seus dignitários conhecia essas diferenças, não faltaram excomunhões para quem ousava dizer que Jesus tivera irmãos de sangue. Retornar
  2. A americana Anna Jarvis, que no início do século XX inadvertidamente criou o “dia das mães”, e que ainda se empenhou pessoalmente para que essa comemoração fosse adotada em outros 43 países, chegou ao fim da vida, no ano de 1948, completamente amargurada com a sua “invenção”. Morreu reclusa, remoída de desgosto e sofrimento, tendo de presenciar como o seu propósito inicial, aparentemente inócuo e bem-intencionado, se transformara numa aberração comercial de alcance global. Retornar
  3. Ver, a respeito, a dissertação “A Imaculada Concepção e o Nascimento do Filho de Deus”, no segundo volume da obra Na Luz da Verdade, de Abdruschin. Retornar
  4. Foi dessa imagem que surgiu o costume de marcar a posse de um papa com uma estola de lã de carneiro, chamada pálio, querendo significar que ele é o pastor universal. Os arcebispos metropolitanos também usam pálios (algo menores), confeccionados com a lã de ovelhas abençoadas. Retornar
  5. Mesmo na idade adulta Jesus não portava barba, nem tampouco a longa cabeleira com que aparece nas representações iconográficas. Ao contrário do hábito dos judeus de então, era costume romano raspar a barba. Nos afrescos da Roma antiga, feitos pelos primeiros cristãos, Jesus aparece invariavelmente sem a barba. Quanto ao cabelo, Paulo diz que não era bonito o homem usar cabelo comprido (cf. 1Co11:14). Já as imagens de Jesus que o mostram com olhos azuis estão certas. Apesar de isso não ter a menor importância, trata-se de uma característica física do Mestre corretamente preservada ao longo do tempo. Retornar
  6. Orígenes tinha suas próprias idéias a respeito do conceito de “nascimento virginal” de Cristo. Segundo ele, isso não devia ser entendido literalmente, mas sim como sendo o nascimento da Sabedoria divina na alma. Aliás, ele considerava um despautério que a Bíblia não pudesse ser interpretada de maneira espiritual. Dizia que a Bíblia contém um sentido mais profundo do que aquele permitido pelo texto em si. Nas suas palavras, o sentido literal é valioso, mas às vezes obscurece o sentido primário, que é espiritual. Como seria de se esperar, acabou sendo taxado de herege, mas só postumamente, cerca de 300 anos depois de sua morte. Retornar
  7. Ver, a respeito, a obra Jesus, o Amor de Deus, publicada pela Editora Ordem do Graal na Terra. Retornar
  8. A expressão “nascer de mulher” é o termo bíblico usual para nascimentos comuns, normais. Em Mt11:11 e Lc7:28, por exemplo, podemos ler: “Entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista.” E em Jó14:1 está: “O homem, nascido de mulher, vive breve tempo, cheio de inquietação.” Retornar
  9. Alguns manuscritos da tradição latina procuraram mitigar esse desconforto simplesmente substituindo Maria por Isabel nesse trecho, o que demonstra a que ponto podem chegar os adeptos da fé cega no afã de defender seus dogmas. Isabel é uma variação do nome Elisabeth, que significa “consagrada a Deus”. Retornar
  10. Pentecostes era o nome que se dava à “Festa das Semanas” ou “Festa da Colheita” (cf. Ex23:16), celebrada sete semanas depois do começo da colheita do trigo. Sete semanas correspondem a 50 dias, daí o nome de Pentecostes (do grego pentekostes – qüinquagésimo). As festas da Páscoa (do hebraico pessah – passagem) e dos Ázimos (pães sem fermento) foram fundidas e fixadas no 14º dia do mês de Nisã, e a partir daí a Festa das Semanas recebeu uma data regular no calendário judaico: sete semanas (50 dias) após a Páscoa, que atualmente comemora a saída dos hebreus do Egito. No Judaísmo, o Pentecostes passou a lembrar a outorga da Lei a Moisés. No Cristianismo, o Pentecostes celebra a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos reunidos no cenáculo, que teria ocorrido 50 dias após a Páscoa cristã. A data da Páscoa cristã foi fixada no século II pelo papa Vitor I. Retornar