Parte 2 – A Efetivação

As Mazelas Humanas

Economia – Eventos Econômicos Localizados

Venezuela

Em 1994 o maior banco da Venezuela em número de correntistas quebrou, em meio a um mar de falcatruas e operações duvidosas, arrastando consigo outras oito instituições financeiras. O acontecimento desencadeou a maior corrida bancária de que já se teve notícia na América Latina. Em apenas quinze dias houve saques da ordem de 5% do PIB, e 10% da população ficou sem dinheiro. O governo colocou o exército nas ruas e emitiu 6 bilhões de dólares para estatizar o sistema financeiro.

Em junho de 1995 uma manchete de jornal anunciava: “Venezuela atrasa dívida e assusta mercado.” A matéria dizia que o não pagamento de uma parcela da dívida externa havia provocado “um início de tumulto nos mercados internacionais”. O governo reagiu com o anúncio da criação do “Fundo de Estabilização Fiscal”, destinado ao pagamento das obrigações da dívida externa. Comentaristas internacionais estimavam, porém, que a Venezuela teria de destinar 40% do seu orçamento de 1996 para pagamento da dívida. Em outubro o país tinha disponível apenas US$367,6 milhões para fazer frente a uma dívida de US$ 3,594 bilhões.

Ainda no mês de junho, o governo propunha aos sindicatos de trabalhadores e empresas a criação de um pacto social, para que o país conseguisse superar a crise da escalada de preços e retomar o crescimento econômico. O governo prometia também reduzir o déficit fiscal para “níveis suportáveis”, já que este alcançara a marca de 9% do PIB. Em setembro foi divulgado o modo como essa redução do déficit seria obtida: com um aumento de 100% nos preços dos combustíveis. Um grande temor perpassou todo o país, pois ninguém ainda havia esquecido os sangrentos tumultos de 1989, os piores em 30 anos, ocasionados por uma majoração geral das tarifas públicas e que tinham causado a morte de 400 pessoas. Na época, fora decretado o estado de sítio no país.

A economia venezuelana é hoje tão frágil, que bastou as autoridades monetárias admitirem em outubro de 1995 a impossibilidade de saldar um compromisso de 2 bilhões de dólares, previsto para fins de daquele ano, para que a moeda nacional, o bolívar, fosse desvalorizado em 64,7% , depreciação maior até do que a ocorrida no México.

Em agosto de 95 o governo procedeu a uma intervenção em mais um banco considerado insolvente; já era o 19° a ter de submeter-se à “Junta de Emergência Financeira”, órgão que administra o sistema financeiro venezuelano.

Uma inédita tentativa do governo venezuelano de conseguir um empréstimo do FMI foi retratada desta forma por um jornal, em setembro de 1995:

“Esta é a primeira vez que o governo do presidente Rafael Caldera pede socorro ao FMI, em seu 20 meses de gestão, depois de ter descartado essa hipótese em diversas oportunidades. Segundo o Banco Central, apesar das restrições cambiais, as reservas do país chegaram ao limite mínimo. (…)

Fontes [do FMI] anteciparam que o acordo deverá prever também iniciativas para fortalecer o sistema financeiro do país que se encontra à beira do colapso.”

Em novembro de 1995 os membros da Junta de Administração Cambial renunciaram, alegando que não havia mais divisas. Em dezembro de 1995 os venezuelanos se cumprimentavam desejando “um feliz 1997”, querendo dizer com isso que preferiam não ter de passar pelo ano de 1996, o qual prometia trazer uma queda do poder aquisitivo da população como nunca ocorrera em nenhum outro período da história.

Uma retrospectiva sucinta do ano de 1996 mostra que esse receio tinha mesmo fundamento:

Em fevereiro, o Centro de Documentação e Análise para Trabalhadores divulgou um estudo informando que a pobreza já atingia 83 de cada 100 venezuelanos… Em março, um quinto dos trabalhadores do país estavam desempregados, e mais de 60% da população estava vivendo abaixo do limiar de pobreza. Ainda em março, o presidente da Confederação das Indústrias alertava que a economia venezuelana estava à beira de uma hiperinflação; em julho a inflação anualizada chegou a 108%, a primeira com três dígitos em toda a história econômica do país e a maior de toda a América Latina. De 1994 a1996, o salário dos trabalhadores venezuelanos do setor privado teve uma queda real de 57%.

Um artigo de jornal apresentava o paradoxo:

“País que já foi um oásis de prosperidade econômica e estabilidade democrática na região, a Venezuela é hoje o exemplo mais notável do fracasso econômico latino-americano. (…)

Como consequência do repentino empobrecimento, trabalhadores e estudantes têm entrado em choque com as forças de segurança.”

Não foi portanto nenhum acaso o fato de a bolsa de valores venezuelana ter apresentado a segunda maior valorização em todo mundo, com índice de 131,9%, perdendo apenas para a bolsa de Moscou. Quanto maior o caos econômico e o risco financeiro de um país, tanto mais atraentes precisam ser as taxas de remuneração do capital estrangeiro especulativo.

Em maio de 1997, um estudo do instituto Data Análisis indicava que pela primeira vez na história o consumo de alimentos caíra em 5,59% , no primeiro trimestre daquele ano.