A CRISE FINANCEIRA GLOBAL E A ECONOMIA DE MERCADO
(04/11/2008)

Stephen Lampe — Tradução: Fernando Ribeiro

Adam Smith nunca supôs que os seres humanos seriam conduzidos unicamente pelo interesse pessoal no sentido material, mas presumiu que para a maioria de povos o “interesse pessoal” incluiria o “interesse espiritual”.

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Os leitores e ouvintes estão se acostumando com as más notícias e consternados com o que vêem na mídia mundial, no que diz respeito ao colapso das instituições financeiras, incluindo bancos comerciais, bancos de investimentos e companhias de seguros assim como a enorme queda das bolsas. Muitos perderam suas casas por causa da inabilidade em administrar as dívidas. Outros viram suas economias para fins de aposentadoria desaparecer, enquanto centenas de milhares estão perdendo seus trabalhos.

Virtualmente todos os países poderão eventualmente ser afetados e o número de vítimas desta crise global poderá finalmente estar na casa dos milhões, se não dos bilhões. O problema começou nos Estados Unidos da América onde, movidas pela avidez completa, as instituições financeiras fizeram empréstimos ao povo para comprar casas sem a consideração devida às circunstâncias financeiras de tais compradores.

As transações de empréstimo foram executadas através de sofisticado sistema, mas arranjos duvidosos envolveram bancos comerciais e de investimentos, instituições financeiras e grandes companhias de seguros. Milhões adquiriram moradias cujos custos estavam além da capacidade econômico-financeira de cada um. No começo aqueles que emprestaram e entraram nessa corrente fizeram lucros enormes, e o negócio imobiliário transformou-se rapidamente na maior indústria em crescimento como jamais existiu. As instituições financeiras da Europa pularam de cabeça no que pode somente ser chamado de “trem americano da avidez”.

Entretanto, após alguns anos, proprietários já não tinham mais recursos para pagar suas mensalidades. Desde que os pagamentos constituem a fundação dos sofisticados arranjos financeiros construídos, o sistema enfraqueceu-se e quando os reembolsos encolheram houve o desmoronamento. Finalmente as instituições na corrente do empréstimo tornaram-se insolventes e a engenharia financeira aplicada não pode preservá-las. Algumas foram à falência, outras foram compradas e os vários governos estão entrando com dinheiro para salvar a situação e evitar o colapso total da economia inteira.

O que nós estamos testemunhando é o preço da avidez financeira.

Algumas perguntas levantam-se: Onde estavam os vários governos quando a avidez floresceu e as transações financeiras insustentáveis foram promovidas agressivamente? Qual foi o papel apropriado dos governos no controle da economia? A crise global atual indica que a economia de mercado, o assim chamado “sistema capitalista”, falhou? Os princípios, que são a base na economia de mercado, são seguros?

O problema não é com a economia de mercado, é com o fato que a economia de mercado tem operado por muito tempo em um vácuo moral e ético.

A crise global atual levantou-se primeiramente porque a fundação moral e ética da economia de mercado foi minada. Restaure-se a fundação ética na economia de mercado e teremos uma economia próspera e sustentável. Adam Smith em seu livro de 1776, intitulado “A riqueza das nações” definiu um papel limitado para o governo, deixando tudo a cargo dos cidadãos e dos grupos individuais de cidadãos. Especificamente, identificou três deveres do governo: primeiramente, o governo tem a responsabilidade defender a integridade territorial da sociedade; em segundo, o governo deve assegurar a liberdade para tudo, e manter a lei e a ordem dentro da sociedade; e o terceiro, o governo deve fornecer a infra-estrutura que não pode ser rentável e deve ser erigida e mantida por um indivíduo ou um grupo pequeno de indivíduos. Em suma, governos não têm nenhum negócio a fazer no negócio!

Certamente, a experiência ensinou-nos isto; pense sobre o que ocorreu com a NITEL e a MTEL na Nigéria, com relação às companhias de telecomunicações de propriedade privada, as novas GSM. O princípio da economia de mercado é simples e eminentemente apreciável. É a idéia que se uma troca entre duas partes é voluntária, somente ocorrerá se ambos realmente tirarem proveito dela. Nenhuma troca ocorrerá se uma ou ambas as partes entrarem para perder. Assim, se todas as atividades econômicas são baseadas em trocas voluntárias, todos os participantes na economia devem beneficiar-se, ou não haverá nenhuma troca.

Na concepção de Adam Smith, a economia de mercado opera-se em uma sociedade livre, a sociedade “da liberdade perfeita” (suas palavras) onde cada pessoa está livre para trabalhar pelo seu interesse pessoal na forma como os percebe. O comportamento natural de povos livres é a melhor maneira de se assegurar de que os produtos e serviços estejam sendo produzidos nas quantidades e com a qualidade adequada e distribuídos da maneira a mais eficiente.

O que está faltando invariavelmente quando se examina a atualidade, é a falta da aplicação da concepção de Adam Smith na economia de mercado. Uma condição óbvia é que o comprador e o vendedor devem ter várias alternativas. Se há somente um produtor de alimento na cidade, a pessoa que precisa do alimento deve comprar ao preço ditado pelo produtor ou morrer de fome. Assim, Adam Smith consideraria insensato falar de forças do mercado ou “da mão invisível” onde a competição genuína está faltando. É relacionada esta necessidade, para que o comprador e o vendedor tenham um terreno de jogo justo para a negociação. Segue que a economia de mercado verdadeira tem que ter um mecanismo regulador no qual se assegure de que os artigos que estão sendo trocados sejam os que deveriam ser e que todos podem receber, a um valor justo, na quantidade e qualidade oferecidas, não menos e não mais.

A economia de mercado, além disso, pressupõe uma sociedade “de liberdade perfeita”, em que os povos devem estar livres em levar adiante o seu interesse pessoal legítimo e assim fazer de forma a não interferir com o direito de outro em levar adiante o seu próprio interesse pessoal. Deve, consequentemente, haver mecanismos adequados para assegurar-se de que os indivíduos, enquanto exercitam seu livre arbítrio, não interfiram com o direito de um outro em exercitar seu próprio livre arbítrio. Isto quer dizer que há um papel definitivo para o governo na economia de mercado; o legislativo e os poderes executivos fazem leis para proteger a integridade do sistema (concorrência, liberdade individual de ação, recompensas justas, operações transparentes que incluem contabilidade honesta, etc.) e a instituição judicial adjudica.

Consequentemente, a economia de mercado deve ser caracterizada mais pelo regulamento correto do que pela desregulamentação. Os países capitalistas, tais como os Estados Unidos têm enfatizado demasiadamente até aqui a desregulamentação às expensas do regulamento correto. A maioria dos governos tornou-se culpado em não instituir regulamentos apropriados e não reforçar eficazmente essa exigência por várias razões, frequentemente políticas. O que praticaram não pode ser descrito como economia de mercado! É a economia anárquica, que teria que arruinar, e está arruinando tudo.

Uma outra suposição implícita de Adam que Smith, está em procurar incutir nos povos o interesse pessoal com comportamento ético e com a máxima consciência disso. No que diz respeito ao fator ético, deve-se anotar que Adam Smith era um professor da filosofia moral na Universidade de Glasgow. Naqueles dias, e por muito tempo, o assunto da economia foi considerado algo como uma extensão da ética.

Ele publicou uma versão revisada de seu famoso livro intitulado “A teoria dos sentimentos morais”, em 1790, aproximadamente 14 anos após seu tratado que foi o marco da “economia de mercado”. Adam Smith nunca supôs que os seres humanos seriam conduzidos unicamente pelo interesse pessoal no sentido material, mas presumiu que para a maioria de povos o “interesse pessoal” incluiria o “interesse espiritual.”

Presumiu que contariam com a lei natural onde “qualquer homem colhe exatamente o que semeia”. Ou seja, Adam Smith tomou como certo que os povos exibiriam os valores e as virtudes da cristandade, a religião predominante e a influência cultural de seu lugar e de seu tempo.

A importância de valores mais elevados e de virtudes na economia de mercado permanece como máxima exigência. O professor Amartya Sen ganhador do prêmio Nobel de 1998 para a economia, apresenta em seu trabalho considerações éticas na análise econômica. Afirma que uma deficiência principal da teoria econômica contemporânea ocorre em interpretar erroneamente a opinião de Adam Smith, onde atribui aos seres humanos, indivíduos exclusivamente interesseiros em sentido exclusivamente material. Esta deficiência teórica por sua vez induz os economistas atuais a fazerem recomendações de políticas erradas e perniciosas desembocando na atual má fama da tão decantada “economia de mercado”.