O PERIGO DAS ESTRADAS LARGAS
(23/06/2013)

Daniela Schmitz Wortmeyer

Uma estrada se bifurcava perto de um bosque, e eu –
Eu optei pela menos trilhada…
E isso fez toda a diferença.

(Robert Frost)

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Estradas largas são assim: amplas, seguras, confortáveis. Costuma haver muitas pessoas trafegando por elas, de modo que é improvável sentir-se solitário ou perdido no percurso. Animadas, movimentadas, tornam fácil seguir o fluxo sem grandes indagações. “Afinal” – conclui-se, sem muito analisar – “a maioria das pessoas deve estar no caminho certo”. Será mesmo?

Estradas e caminhos são frequentemente utilizados como metáforas da trajetória humana. Em nossa existência, diariamente nos deparamos com bifurcações diante das quais somos obrigados a fazer escolhas, que determinam nossos destinos. Robert Frost, em outro trecho do sensível poema “A Estrada Não Trilhada” (The Road Not Taken), se expressa como um viajante avaliando as alternativas do caminho:

“E naquela manhã as duas pareciam iguais
E nenhuma folha se havia projetado pelo caminhar.
Ah, então deixei a primeira para outro dia!
Sabendo, porém, que uma estrada leva a outras,
Senti dúvidas se algum dia voltaria a ela.”

Os percursos escolhidos não resultam apenas em marcas no caminho, mas em experiências que configuram o ser do caminhante.

Mas as estradas largas por vezes dificultam essas reflexões. A sensação agradável de estar abrigado pela coletividade, incluído em um movimento geral, gera uma distração quanto aos caminhos tomados e suas prováveis consequências. Nem sequer há espaço para esse questionamento. Todos parecem tão seguros de suas escolhas, reforçando-se mutuamente, repetindo as mesmas ideias, que parece “natural” seguir a massa. A tendência é que só se ouça, leia e pense sobre aquilo que confirma as posições já tomadas, de maneira que “tudo” parece atestar que aquele é o único caminho realmente viável. Caso surja alguma voz discordante, ela é imediatamente combatida, como ameaça à “felicidade geral”.

Evidentemente, os diversos manipuladores de plantão utilizam habilmente os meios disponíveis para formar esse senso comum. Não de forma ostensiva, é claro. As pessoas devem acreditar que estão exercendo seu “livre” direito de escolha, defendendo com propriedade as “suas” opiniões. A postura inflamada e combativa é uma armadilha na qual se prendem, pois ficam blindadas às visões divergentes, impedindo a constatação de lacunas ou contradições em suas ideias, ou mesmo da possibilidade de diferentes olhares e escolhas. Essa noção ilusória (e prepotente) de convicção pessoal atua como um mecanismo de auto-sabotagem, estreitando cada vez mais os limites da consciência.

O escritor Abdruschin instiga: “[…] levantemos o olhar, devemos pesquisar e analisar. Não é à toa que existe dentro de nós o impulso para isso.” E observa que: “Só pode progredir espiritualmente quem se movimenta por si. O tolo, que se serve das formas já prontas das concepções alheias, como meio de auxílio, segue seu caminho como que se apoiando em muletas, enquanto seus próprios membros sadios permanecem inativos.” Ou seja, assinar uma procuração para que outros definam os rumos de sua trajetória pessoal, sem analisar a fundo as motivações e consequências dessas escolhas, pode se revelar uma infeliz alternativa, como adverte novamente o autor: “[…] uma coisa não é para todos! O que é útil para um pode prejudicar a outrem.”

É importante considerar também o papel das emoções nos rumos que tomamos. As emoções são potentes motores do comportamento humano. Estão ligadas ao componente energético das ações, dando cor e brilho ao cotidiano. São também mensageiros do que se passa no íntimo do ser humano. Porém, é preciso interpretar essas mensagens com sabedoria. Às vezes elas são um tanto confusas, originadas de crenças distorcidas ou de necessidades não claramente compreendidas. Em função de sua alta carga energética, podem induzir a ações equivocadas e desproporcionais, caso não sejam amainadas e submetidas ao crivo de uma reflexão mais profunda. Emoções intensas podem cegar, gerando consequências nefastas para o próprio ser humano e para seus semelhantes.

No fluxo das estradas largas, há muitas emoções dispersas. Correntes energéticas que circulam, fortalecendo-se por similaridade. Alimentamos e somos alimentados por essas vibrações, portadoras de pensamentos e sentimentos que podem motivar ações, escolhas no caminho. Nem sempre temos consciência de nossa responsabilidade sobre o tipo de contribuição que depositamos nesse manancial – que pode vir a influenciar as escolhas de muitos – tampouco filtramos adequadamente o que dele captamos, permitindo que impulsione nossos movimentos.

Para o escritor Malba Tahan: “As conquistas feitas pela brandura são mais firmes do que as que alcançamos pela força ou pela violência. Nada resiste, nem poderá resistir, ao poder imenso da bondade.” Impulsos destrutivos sempre terão como fruto, mesmo que em longo prazo, a destruição, incluindo seu próprio gerador nesse processo. Uma semente má não pode produzir um fruto distinto de sua origem. Ódio, raiva, revolta, inveja, sede de vingança, desespero, indicam a necessidade de um redirecionamento interior para evitar a geração de amargos frutos para o indivíduo e para a coletividade. Em épocas turbulentas, é preciso redobrada vigilância para não se deixar tragar por essas correntes caóticas, à revelia da direção escolhida para a própria jornada.

Boas sementes podem requerer firmeza, perseverança e rigor para germinar: aspectos que se tornam virtudes quando associados a uma causa justa e nobre. Mas a qualidade da semente é medida principalmente pelas emoções e, mais ainda, pelas intuições profundas que motivam as ações, constituindo os reais motores das escolhas. Para além dos discursos, os ideais se expressam verdadeiramente em pequenos gestos, na configuração do agir. É preciso um exame rigoroso, um olhar atento, para reconhecer esses rastros. É sobre eles que as sementes germinarão.

“Também aqui e acolá, manifesta-se um sussurro, um murmúrio de expectativa crescente, de algo que está para vir. Inquieto está cada nervo, tenso de um anseio inconsciente. Palpita, borbulha e paira sobre tudo, de modo latente e sombrio, uma espécie de atordoamento. Gerando desgraça. Que há de nascer disso?”

(Abdruschin)