A Segunda Morte

Ao estudarmos a obra Na Luz da Verdade, de Abdruschin, constatamos que a permanente boa vontade em todos os pensamentos e ações desencadeia um círculo virtuoso, trazendo completa libertação a quem estava acossado pelo mal, protegendo-o, com eficácia cada vez maior, de voltar a cair nos mesmos erros e pendores.

Essa é a única maneira de se libertar do mal aderido à alma. A chave da liberdade atende pelo nome de perseverança. Só quem persevera no caminho do bem, quem nele persiste a despeito das muitas tentações e das influências das centrais de maus pensamentos e de baixas intuições, poderá, pouco a pouco, lentamente, limpar sua alma de toda a sujeira nela aderida na atual vida e também em anteriores. É o próprio espírito humano, portanto, que deve proceder à limpeza de seu invólucro fino-material — a sua alma; é ele mesmo, portanto, que deve lavar as suas vestes.

Esse lavar-se da culpa é não apenas uma atividade desejável, mas mesmo imprescindível a quem deseja subsistir espiritualmente ao Juízo Final, que se encontra em plena efetivação. Não foi por outro motivo que o Filho de Deus disse: Em verdade, em verdade vos digo: se alguém guardar a minha Palavra, nunca verá a morte. (Jo8:51). Ele se referia aí à morte espiritual, ou a “segunda morte” mencionada no livro do Apocalipse (Ap2:11; 21:8).

Somente aquele que guardar a Palavra de Jesus não verá a morte, está escrito. Tal ser humano então não verá a morte eterna… Essa morte eterna, ou morte espiritual, é a desintegração do espírito humano, a total extinção de sua personalidade consciente, do seu “eu” individual adquirido em suas peregrinações no aquém e no além. É o que de mais terrível pode atingir um espírito humano que já tenha adquirido uma consciência pessoal.

A morte espiritual é a ruína eterna, a condenação, que significa estar permanentemente desligado da Luz primordial, de Deus, desprovido eternamente da consciência do existir, ficando para todo o sempre apartado do Senhor, conforme transparece nessa outra frase bíblica: Eles serão punidos com a ruína eterna, longe da face do Senhor (2Ts1:9). É este o horroroso fim reservado a todos os que se deleitam com o fruto da árvore do conhecimento, isto é, os que fazem do raciocínio sua mais sublime divindade. O livro do Apocalipse também diz que a esses nunca mais lhes será facultado comer do fruto da árvore da vida, reservado aos vencedores (Ap2:7).

A condenação eterna consiste na extinção definitiva da já angariada forma espiritual humana, que se decompõe, desaparecendo assim também, para sempre, a consciência do “eu” espiritual, visto que essa forma só pôde surgir com o paulatino desenvolvimento da consciência. Dessa possibilidade podemos nos distanciar cada vez mais na exata medida dos nossos esforços em viver em conformidade com as leis que governam a Criação.

A Bíblia fornece indicações muito claras, muito nítidas a respeito desse assunto. É até surpreendente que os muitos estudos de exegese e hermenêutica bíblicos não tenham encontrado o real significado dessas passagens. Surpreendente e lamentável também, porque se os pesquisadores e fiéis cristãos tivessem compreendido a real gravidade dessas frases, muitos certamente procurariam modificar com empenho sua errônea sintonização interior, buscando ajustar-se aos ditames prescritos pelas leis primordiais da Criação.

Os ditos “vencedores” mencionados no livro do Apocalipse são aqueles seres humanos que se desenvolveram de modo certo na Criação, ficando, portanto, livres da condenação, ou da segunda morte, passando bem longe dela: A segunda morte não tem poder sobre eles (Ap20:6); O vencedor não será atingido pela segunda morte (Ap2:11). São eles os que foram inscritos no Livro da Vida do Cordeiro (Ap21:27), e que por isso se tornaram capacitados a reingressar no Paraíso, onde poderão viver eternamente (Gn3:22).

Por terem sido vencedores do mal, foi-lhes assegurado que seus nomes permaneceriam registrados nesse chamado Livro da Vida: Os vencedores, vestidos de vestiduras brancas, jamais terão seus nomes apagados do Livro da Vida (Ap3:5). Essas “vestiduras brancas”, por sua vez, são as almas limpas desses vencedores, que foram lavadas por eles próprios. São eles, também, as ovelhas que assimilaram no íntimo a Palavra do pastor, e que por isso não morrerão espiritualmente: as ovelhas que ouvem a voz do pastor, e que jamais perecerão eternamente (Jo10:27,28). É, portanto, exclusivamente a todos esses fiéis vencedores que assiste o direito à árvore da vida, a coroa da vida eterna, pois eles lavaram as suas vestes de toda a culpa, ou seja, suas almas: Felizes os que lavam as suas vestes, para terem direito à árvore da vida (Ap22:14).

Observe-se, mais uma vez, que os espíritos humanos vencedores lavaram, eles mesmos, as suas vestes, isto é, eles próprios limparam suas almas da sujeira do pecado, pois a alma é propriamente a veste do espírito, assim como o corpo terreno é a veste da alma. Em latim, alma é anima, palavra que indica a vitalidade interna de uma pessoa, isto é, aquilo que “anima” e incandesce o ser humano terreno, ou, melhor dizendo, que vivifica seu corpo de matéria grosseira.

A concepção de “alma suja”, aliás, já era bem conhecida na Antiguidade. No Primeiro Livro de Macabeus, após a profanação do Templo de Jerusalém feita pelo rei sírio Antíoco IV Epífanes, está dito que ele ordenara que os filhos da terra se tornassem abomináveis (1Mc1:48). No original hebraico está literalmente: que manchassem as suas almas, algo muito mais grave para os hebreus do que uma simples impureza física, e que demandaria a necessidade de a própria pessoa depois lavar-se interiormente, isto é, purificar sua alma manchada.

No Novo Testamento, também vemos como alguns Coríntios que viviam em pecado igualmente se deram a esse trabalho indispensável de lavar suas próprias almas da imundície do pecado: Tais foram alguns de vós [pecadores], mas vós vos lavastes, (…) e fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo (1Co6:11), asseverou o apóstolo Paulo. Aqueles Coríntios, portanto, só puderam ser justificados porque eles mesmos lavaram suas almas do pecado. Em sua segunda carta a essa comunidade, Paulo os exorta a prosseguirem nesse trabalho de purificação: Caríssimos, purifiquemo-nos de toda mancha do corpo e do espírito (2Co7:1). Também o profeta Isaías já transmitira em sua época essa ordem clara do Senhor, para que cada pecador se lavasse, ele mesmo, de suas faltas: Lavai-vos, purificai-vos! Tirai da minha vista as vossas más ações! Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem! (Is1:16,17).

Tão somente os que passam a viver de acordo com a Palavra da Verdade são capazes de se limpar da sujeira do pecado, e desse modo portarem novamente vestiduras brancas (Ap7:13), isto é, trazerem novamente purificadas as vestimentas de seus espíritos, ou seja, suas almas. Pois com isso eles efetivamente as alvejaram no sangue do Cordeiro (Ap7:14), isto é, passaram a viver de acordo com os ensinamentos de Jesus e assim limparam suas almas da sujeira do pecado. Jesus foi o Verbo tornado carne (Jo1:14), que teve seu sangue derramado em prol da Verdade de sua Mensagem. Note-se, mais uma vez, que foram eles mesmos que se lavaram de seus próprios pecados ao viverem segundo a Palavra. Em outras palavras, pela obediência à Verdade, purificaram suas almas (1Pe1:22).

A obediência irrestrita à Verdade purifica a alma e livra o ser humano que se esforça em ascender de sucumbir nos horrores da morte espiritual.