O que nos torna filósofos? A capacidade intelectiva, a sensibilidade ou a possibilidade de transcender o tempo e o espaço?
Considerando a origem da palavra ‘filosofia’, teremos encontrado o ponto de partida: o amor à sabedoria; a incansável busca da Verdade, do Conhecimento e da Iluminação. Esse amor ou dedicação não tem limites, como bem o demonstrou Sócrates; transcende o tempo e o espaço porque não se restringe a apenas um momento histórico; ultrapassa os séculos: pode ser a voz de um pregador solitário… [solitário, porém cônscio de sua missão…] … suave às vezes, outras, firme como a rocha.
Assim são os filósofos, os místicos, os profetas, os idealistas, os utópicos, os sonhadores; assim são todos os que ouvem a razão e a voz da natureza.
Assim foi Giordano Bruno, que, como homem, teve seus dias abreviados por uma condenação à morte na fogueira, mas como filósofo ultrapassou as barreiras do tempo e do espaço, possibilitando que outros estudos se realizassem a partir de Espinosa (1632-1677), que a exemplo de Bruno concebe o Criador como Totalidade; Leibiniz (1713-1784) que desenvolveu o estudo da monadologia; exerceu influência também sobre o pensamento iluminista, sobretudo em Diderot (1713-1784).
O tema Cosmologia e Liberdade nos remete ao século XVI: o século do Renascimento, da Reforma e da Contra-Reforma, dos movimentos camponeses; o século de Lutero, de Munzer, de Calvino e de Giordano Bruno.
Analisando a História a partir da concepção européia, podemos dizer que este século marca a passagem da organização feudal para o Estado moderno. Da descentralização política e administrativa passa-se à centralização e unificação dos estados, exigindo-se cada vez mais racionalidade e eficiência administrativa. Fato marcante, para esse período, é a expansão geográfica, ampliando significativamente o horizonte do homem europeu. Modificava-se a visão de mundo e com ela surgira uma nova economia (capitalismo), uma nova organização política (estados nacionais) que se organizaram em torno da religião cristã, da cultura européia e do poder real. Esses três segmentos passariam a estabelecer as relações sociais, com desdobramentos na economia e na política através da ação direta do rei, da burguesia e da Igreja Católica.
A Europa, a partir de então, articula-se entre o poder político e o comercial; a vida passa a ter um valor em si mesmo e não mais em função de um destino espiritual vindouro. Surge o humanismo, o método científico renova-se, com o desenvolvimento das ciências da natureza: Química, Física, e Matemática.
Essa renovação estabelece uma crise no pensamento escolástico, que fundamenta o ensino nas universidades. A invenção da imprensa favorece a divulgação de novas idéias, o homem torna-se mais confiante e ansioso por novos desafios, quer ser feliz aqui mesmo, neste mundo material.
Há uma relação entre conhecimento e poder. As universidades, fundamentadas na Escolástica e portanto ainda ligadas à Igreja Católica, controlavam o conhecimento. Ainda se consideravam, - Igreja e universidades – detentoras da Verdade. Quem ousava duvidar?
Segundo ZAGHENI (1999), “Ninguém duvidava daquilo que era dito: nem os que falavam, nem os que ouviam; o que brilhava no texto não era a verdade, mas a interpretação com credibilidade que ele oferecia” (1). Prossegue com a discussão sobre a arte de ensinar praticada nas universidades, dividindo-a em três fases: ratio, experientia e auctoritas. A ratio utiliza a lógica aristotélica, a experientia representa a tradição, e a auctoritas, o prestígio pessoal do mestre e da autoridade acadêmica.
Esta realidade não mudaria até o ano de 1600 quando começariam a surgir as academias, que objetivavam substituir a tradição aristotélica pelo método da ciência experimental. Entre as academias estão: Lincei, em Roma, a Royal Society, em Londres; a Academia del Cimento, em Florença, e a Académie Royale des Sciences, em Paris.
O ano de 1600 é o marco entre a vida e a morte de Giordano Bruno, sendo importante considerar que, em sua vida errante pela Europa, Bruno estava exatamente entre esses principais centros: Londres, Paris e Roma.
Ainda em ZAGHENI (1999) encontramos: “Cada ciência tem seu próprio caminho, seu próprio método científico. Todas as pessoas ajudam na busca da verdade. Desse modo, as academias apresentam-se também como “modelo” de vida civil e social.” (2)
A busca de um caminho próprio para alcançar a Verdade, o questionamento da ratio (método de ensino baseado no pensamento aristotélico), da experientia (tradição) e da auctoritas (prestígio pessoal), marca a trajetória de Giordano Bruno, interrompida pela sua condenação à fogueira.
Identificado como filósofo pela história oficial, Bruno é considerado pelas correntes heterodoxas de pensamento como um alquimista e mago intimamente ligado à religião egípcia.
Nascido em Nola (Itália) em 1548, recebeu o nome de Filipo Bruno. Aos 17 anos ingressou no Convento de São Domingos, onde teve o nome mudado para Giordano. Em 1565 ingressou na ordem dos Dominicanos e em 1575 tornou-se Doutor em Teologia. Personalidade instigante, nutria grande paixão pelo saber e pelo conhecimento. Amava a sabedoria e acreditava que ela libertaria o homem dos dogmas, das crendices e das superstições. Tornou-se um estudioso da Filosofia Grega, da Cabala Judaica, do Hermetismo Religioso, além da influência de Raimundo Lúlio (1473-1543) e Nicolau de Cusa (1401-1464).
Passou a questionar a Filosofia Aristotélica e a defender a Teoria Heliocêntrica, de Nicolau Copérnico (1473-1543). Condenou as guerras de religião e questionou os dogmas da Igreja Católica. Defendia também a inumerabilidade dos mundos, os quais, segundo ele, também deveriam ser habitados. Considerava que o Criador se manifestava ao mundo através da natureza, mas não se confundia com ela. Criticava as religiões institucionalizadas e negava a necessidade de uma hierarquia, indicando o caminho para uma religião sem nome, sem hierarquia e ligada à natureza. Defendeu ainda a liberdade de pensamento e de expressão. Por causa de suas idéias, viveu como um fugitivo por toda a Europa. Foi perseguido pela Igreja Católica, pelos calvinistas e combatido pelos filósofos da época. (3)
Dentre as inúmeras obras que escreveu, citamos inicialmente as que “se perderam no tempo”: A Arca de Noé, dedicada ao Papa Pio V; Dei signi dei tempi” (Sobre os Sinais dos Tempos, 1578); Clavis Magna (A Grande Chave do Segredo da Ciência – entre 1578 e 1581); e Arbor Philosophorum (Árvore dos Filósofos, 1585).
Das que se conservaram temos em 1582: De umbris idearum (As sombras das Idéias); Cantus Circaeus (O canto da feiticeira Circe); De architecthura et commento artis Lulli (Arquitetura e Comentário da Arte Combinatória de Raimundo Lúlio); em 1583 publica: Ars reminiscendi (A Arte de Recordar); Triginti sigillorum explicatio (A explicação dos Trinta Selos); Sigillus sigillorum (Selo dos Selos); em 1584 publica os seguintes diálogos: Cena de la ceneri (Ceia das Cinzas); De la causa principio e uno (Da Causa, Princípio e Um); De l’ Infinito, Universo e Mondi (Do Infinito, do Universo e dos Mundos); Spaccio della bestia trionfante (O Despacho da besta triunfante); em 1585: Cabala do cavalo Pégaso; O asno cilênico e Degli eroici furori (Dos heróicos furores); em 1586: Dialogi duo de Mordentis propre divina adinventione (exaltação da obra de seu compatriotra Fabrício Mordente sobre algumas descobertas matemáticas). Em junho de 1586, seu discípulo João Henequin apresenta algumas de suas teorias sobre os peripatéticos, como uma forma de desafiar os doutores da Universidade de Paris, intituladas Centum et viginti articuli de natura et mundo adversus peripateticos (Cento e vinte teses sobre a natureza e o mundo, contra os peripatéticos). A partir desses desafios, Bruno é alvo de muitas ameaças que o compelem a sair da França e peregrinar pela Alemanha. Em agosto de 1586, consegue uma cátedra na Universidade de Wittenberg, podendo, em 1588, reeditar os mesmos diálogos contra os peripatéticos, sob o título de Acrostimus camoeracensis.
Ainda no mesmo ano deixa Wittenberg, por causa da presença do Calvinismo, já que anteriormente em Genebra havia sido vítima da intolerância religiosa desse grupo. Mudou-se então para Praga, onde apresentou um tratado acerca da arte luliana intitulado De specierum scrutinio (Sobre a pesquisa das espécies) e o folheto Articuli 160 adversus huius temporis mathematicos et philosophos (Contra os matemáticos e filósofos do nosso tempo). Por causa de seu espírito investigador e renovador, permanece em Praga por pouco tempo, mudando-se para Helmstädt, sendo recebido cordialmente pelo Duque Henrique Júlio.
A partir desse período, passa a referir-se de maneira mais direta aos temas que tratam da magia, despertando grande interesse na mentalidade renascentista, escreve De imaginum signorum et idearum compositione (Sobre a associação de imagens, os signos e as idéias); De magia; Theses de Magia; De magia mathematica; De rerum principiis; Medicina luliana. Sobre metafísica, produz o tratado Summa terminorum methaphysixorum (Suma dos termos de metafísica) e três poemas considerados os mais importantes desse período: De triplici minimo et mensura (Sobre o tríplice mínimo e a tríplice figura); De monade, numero et figura (A mônada, o número e a figura); De immenso et innumerabilis, de universo et mundis (Sobre o imenso e os inumeráveis ou o Universo e os Mundos).
Em junho de 1591 aceita o insistente convite de Giovani Mocenigo e resolve voltar a Veneza, na esperança de que a Igreja Católica finalmente aceitasse as suas teorias. Antes de regressar a Veneza, encontra-se em Pádua com seu discípulo Bessler e deixa duas obras: De vinculis in genere (Sobre as forças atrativas em geral) e De sigillis Hermetis et Ptolomaei (Sobre os selos de Hermes e Ptolomeu).
Em 21 de maio de 1592, a Igreja consegue aprisionar Giordano Bruno, a partir de uma denúncia de Mocenigo e apodera-se também de suas últimas obras: De predicamenti di Dio (Sobre os atributos de Deus) e Libretto di congiurazioni (Pequeno livro de conjurações). Antes de ser denunciado ao Santo Ofício, pretendia entregar ao Papa a obra Le sette arti liberali e inventive (As sete artes liberais e inventivas).
Tendo sido iniciadas as acusações e instaurado o processo, Bruno conseguiu se retratar junto ao tribunal veneziano. Porém, as forças políticas que atuavam entre os cardeais consideraram este tribunal muito brando e pouco decidido a condenar os hereges. Por isto, conseguiram levá-lo a Roma no ano seguinte, submetendo-o a um novo processo, que o fez passar sete anos preso, submetido a interrogatórios e torturas. Decidido a não mais abjurar, mas reafirmar todo o seu ideal religioso e filosófico, Giordano Bruno é julgado e considerado herege, sendo condenado à fogueira em 17 de fevereiro de 1600, no Campo das Flores, como “frade apóstata, herético impenitente, pertinaz e obstinado”.
Tendo ouvido a sentença, com a serenidade e calma encontrada somente naqueles que têm a sensação do dever cumprido, surpreende os juízes ao afirmar que eles tinham mais medo de pronunciar a sentença do que ele de recebê-la.
Na obra Dos heróicos furores, Bruno cita um trecho do poeta Tansillo, evidenciando ter consciência do perigo que corria ao defender uma filosofia que fugia aos padrões da ortodoxia religiosa e acadêmica: “Compreendo muito bem que cairei por terra morto; mas que vida se pode igualar a esta minha morte?” (4)
Embora tenha sido um tempo de esperança, criação e descobertas, a Idade Moderna registrou também tragédias humanas, como o massacre das tribos indígenas da América, as guerras de religião, os tribunais da inquisição e a perseguição sofrida não só por Bruno como também por Galileu, Miguel Servet, Tomás Campanella, entre outros.
Em meio a tragédias e descobertas, dores e alegrias, o tempo se esvai entre nossos dedos e às nossas vistas. Tudo se move: os sóis, as estrelas, os planetas, o que está no céu e na terra. Não importa a direção: para o alto, para baixo. Não importa o tempo: breve ou longo. Não importam as dimensões do corpo: seja pesado ou leve. O movimento se dá dentro e fora das coisas. No tempo que passa; no homem que nasce, envelhece e morre; na natureza que também segue a sua trajetória; na história que marca a relação dos homens entre si e com a natureza; na expansão geográfica e a chegada a outras terras; no desenvolvimento das ciências e das artes; no surgimento da imprensa; no surgimento das academias visando a renovar o ensino acadêmico e na Teoria Heliocêntrica.
Podemos perceber, com clareza, esse movimento constante na poesia de Giordano Bruno:
“Não está parado, mas se move e gira
Tudo quanto no céu e sob o céu podemos ver.
Cada coisa se move, às vezes para o alto, às vezes
para baixo, em tempo longo ou breve,
seja ele pesado, seja leve.
E pode ser que tudo se movimente com o mesmo passo
para o mesmo lugar.
E tudo se movimenta até chegar ao ponto que lhe compete.
Tanto gira na água uma bóia
que uma mesma parte
se vê ora virada para cima ora virada para baixo,
e a mesma agitação
o mesmo destino impõe a tudo.” (5)
Haverá um destino para o homem? Há uma hierarquia a ser obedecida? O ser humano é livre ou deve obediência a alguma autoridade? Como pensar uma nova sociedade se a interpretação religiosa do mundo impõe a conformação? O Criador se encontra no mundo ou fora dele?
Estas questões estavam presentes no cotidiano do homem renascentista. Não de todos os homens, logicamente, mas daqueles que faziam da filosofia, artes, literatura e ciência, um instrumento para o conhecimento da Verdade. Daqueles que estavam interessados na “cultura do espírito e na atividade do intelecto”; dos que não pretendiam agradar a todos, mas alcançar a Verdade. Daqueles que sentiam-se fascinados por ela, a ponto de sentirem-se “livres na sujeição, contentes no sofrimento, ricos na indigência e vivos na morte”.
O Renascimento possibilita o desabrochar dos tempos modernos, rejeita de todas as formas qualquer idéia que venha a se chocar com o anseio de liberdade, negando sobretudo, a Escolástica e todo o pensamento que reforce o período medieval.
O ser humano considera-se livre e com direito à felicidade. Agora prevalece o desenvolvimento pessoal, a individualidade e a idéia de História, levando-se em consideração o passado, o presente e o futuro das sociedades humanas. De acordo com Agnes Heller, nesse período, “surge um conceito dinâmico de homem. O indivíduo passa a ter a sua própria história de desenvolvimento pessoal, tal como a sociedade adquire também a sua história de desenvolvimento.” (6)
Para ela, o Renascimento tem forte ligação com o capitalismo; é mesmo a sua aurora. Essa ligação é tão forte e nítida, fazendo-se presente na relação com a natureza, a família e o grupo social. Rompe os fortes elos medievais e estabelece a fluidez nas relações sociais. Desta forma, a idéia de homem que se estabelece a partir do Renascimento não pode estar separada da visão de mundo burguesa, que busca a superação dos seus limites e a realização de suas potencialidades. Com a burguesia, desenvolve-se a idéia de que o homem é um ser histórico.
A fluidez nas relações sociais deu origem à inquietação e a um espírito de busca constante. Essa inquietação possibilitou as descobertas científicas, o desenvolvimento e a divulgação de novas idéias. Aos espíritos realizadores, apresentava-se uma tarefa e muitos desafios: buscar novos horizontes, novas perspectivas.
Entre estes estava Giordano Bruno, que não admitia fugir, “nem cruzar os braços” diante de uma obra a ser realizada. Tornava-se necessário destruir os princípios que marcavam, pela rigidez, a vida social e política; os princípios que impossibilitavam a liberdade de pensamento e a tolerância. Formula, então, a crítica ao princípio da autoridade e à ortodoxia filosófica, reafirma a inumerabilidade dos mundos (7) e fortalece a discussão acerca da transcendência e da imanência, que abordaremos nesse trabalho.
No primeiro capítulo, analisamos a Cosmologia, tema central da filosofia bruniana. A partir dela, podemos compreender a sua crítica à ortodoxia e ao princípio de autoridade. A visão cosmológica possibilita uma discussão acerca da inumerabilidade dos mundos e da transcendência e imanência. Identificamos o Sol como representação da Luz e da Verdade, a partir dos antigos, chegando a Copérnico e Bruno.
Objetivando compreender o pensamento bruniano que está inserido no Século XVI, identificamos princípios que nortearam a sua trajetória histórica e as correntes filosóficas que o influenciaram. Além de Nicolau de Cusa e de Raimundo Lúlio, Bruno absorveu princípios do Hermetismo Religioso, do Pitagorismo e da Cabala Judaica. (8)
Buscava encontrar em todos esses pensamentos a Verdade. Em consonância com YATES (1964), reafirmamos: “A verdade de Bruno não é a católica ortodoxa, nem a protestante ortodoxa.” E qual é a verdade de Bruno? Para Yates, é a verdade egípcia, mágica. (9) Poderíamos afirmar também que é a Totalidade, o Infinito, em essência, o Criador.
Perceber o Infinito era abandonar a idéia de um Ser Criador que se comprazia em julgar os homens pelos seus pecados e concebê-Lo como todo o Bem, Amoroso, que está fora do mundo, mas a ele se revela através de Atributos. Um Ser que não pode ser compreendido pelas limitadas concepções humanas, mas intuído e sentido através do Espírito, ao colocar-se de acordo com a Vontade Divina. Um Ser Supremo, que se revela àqueles que buscam além dos limites permitidos pela Filosofia e Teologia; que é todo Bem e toda Verdade, Onipotente e que está acima de todas as coisas.
Pensar assim era retomar o caminho inicial do Cristianismo, há séculos perdido pela religião que se ligou ao Império Romano, se hierarquizou, transformando-se num centro de poder. Bruno teria pensado numa reforma religiosa, a ponto de propor um retorno à verdade evangélica, a exemplo de Erasmo de Roterdã?
O Segundo Capítulo trata da Liberdade. Partimos da análise da sentença imposta a Bruno pelo Santo Ofício e abordamos os temas: apostasia, heresia, intolerância e negação da liberdade. Utilizamos o Mito de Prometeu para analisar a trajetória histórica do filósofo.
No Terceiro Capítulo, ligamos Giordano Bruno ao mito de ifigênia, fazendo uma breve análise dos “sacrifícios” na História da Humanidade. Utilizamos como referência a obra “Sacrifícios humanos e a sociedade ocidental: Lúcifer e a Besta” de Franz J. Hinkelammert. Analisamos as condenações impostas a Bruno, relacionando-o com Ifigênia, bem como o papel da Igreja Católica e do pensamento burguês no momento em que as fogueiras da Inquisição voltaram a ser erguidas.
Na Conclusão, procuramos demonstrar que muito dos males que afligem a humanidade nos dias atuais decorrem da utilização da razão instrumental. O termo designa a razão utilizada como um fim em si mesma; a racionalidade exacerbada que despreza a intuição, que utiliza a ciência e a técnica como forma de poder e manipulação, sem qualquer preocupação de caráter moral. Utilizada como um fim em si mesmo, a razão instrumental desconsidera as explicações sobre o lugar do ser humano no Universo e a sua integração às Leis da Criação, reforça a intolerância, as guerras e a separação do homem em relação à natureza, gerando a violência. Sacrifica a vida em função das exigências do sistema econômico. Discutimos o papel das religiões institucionalizadas e apontamos a ética bruniana como fator de superação dos problemas religiosos da atualidade.
Ao tratarmos a Cosmologia e a Liberdade como tema central de nossa pesquisa, nos deparamos com uma discussão sobre a Transcendência e a Imanência, bem como sobre a ciência e a religião. Em seguida, tratamos das temáticas: ortodoxia e dogmatismo.
No decorrer do trabalho, verificamos a amplitude dessa discussão, já que o pensamento de Giordano Bruno nos remete às seguintes escolas filosóficas: Cabala, Hermetismo, Pitagorismo, Neoplatonismo e nos coloca em frente ao pensamento católico da Idade Moderna.
Para tal fim, iniciamos nossos estudos com duas obras de Giordano Bruno: “O Infinito, o Universo e os Mundos” e “A Causa, o Princípio e o Uno” , publicadas em 1585. Através delas, vislumbramos as preocupações de Giordano Bruno com a reafirmação da Verdade e a luta contra a rigidez acadêmica e religiosa. Nestas obras, principalmente na primeira, compreendemos a sua relação com a Teoria Heliocêntrica, a luta contra a Filosofia Aristotélica e a reafirmação da liberdade de pensamento.
Recorremos a Frances Yates, na obra “Giordano Bruno e a tradição hermética”, para comprovarmos a ligação de Giordano Bruno com o Hermetismo e a Cabala Judaica. Pesquisadora de História da Renascença da Universidade de Londres, Yates dedicou grande parte de sua pesquisa ao estudo do Hermetismo e sua ligação com a Renascença Italiana. Inevitavelmente, chegou até Giordano Bruno.
Devemos considerar, o fato de que pesquisas relacionadas com o esoterismo e a magia fogem da tradição acadêmica, - principalmente no Brasil - , mas, de acordo com a discussão feita pela autora, compreendemos que estes temas são considerados relevantes nas universidades européias. Desta forma, a obra de Frances Yates foi de fundamental importância para que pudéssemos compreender a extensão do pensamento de Giordano Bruno.
A pesquisa de Yates nos remete ao estudo do Hermetismo e da Cabala. Para tanto, utilizamos as obras “Corpus Hermeticum” atribuída a Hermes Trismegistos; “A Cabala Mística”, de Dion Fortune, e “CABALA - a Tradição Esotérica do Ocidente”, de Francisco Valdomiro Lorenz. Buscamos, ainda, apoio nas obras: “Guerrilheiros da Intolerância” de Hermínio Correia de Miranda; “O Livro de Jesus, o Amor de Deus” e “Na Luz da Verdade”, sendo estes dois últimos editados pela Ordem do Graal na Terra.
É certo que tais obras, em sua grande maioria, não encontram ressonância em nossas academias, mas isso não retira a sua importância, ao contrário, demonstram apenas que precisamos ampliar a nossa área de pesquisa, a fim de melhor compreendermos a relatividade de nossas idéias e abandonarmos conceitos anteriormente atribuídos à Religião, Filosofia e Teologia. É importante considerar que o estudo da Filosofia Bruniana nos coloca para além da ortodoxia e do dogmatismo, tornando-se quase uma exigência a busca de outras fontes e referências. Precisamos mesmo ir além da ortodoxia, como fez Giordano Bruno.
Recorremos, ainda, a Rodolfo Mondolfo – Figuras e Idéias da Renascença –, a Héléne Vedrine em “Filosofias da Renascença”, Agnes Heller em “O Homem do Renascimento”, Nicolau de Cusa, em “A Visão de Deus”.
A partir dos autores e obras citadas, a nossa pesquisa segue com o objetivo de identificar a visão de mundo, a concepção de Liberdade e Verdade no pensamento de Giordano Bruno. No decorrer da pesquisa, compreendermos que não encontramos tais conceitos de forma que possam ser enquadrados no formalismo acadêmico, embora possam ser explicados e encerrem uma visão de mundo fundada no heliocentrismo de Nicolau Copérnico, nos escritos herméticos e cabalísticos.
Sem negar o formalismo acadêmico, precisamos, entretanto, recorrer ao pensamento heterodoxo, a fim de vermos concluída a nossa discussão sobre Cosmologia e Liberdade…