O Altíssimo, está presente no tempo, no espaço e na matéria, já que tudo provém Dele. Sendo a Causa Primeira de todas as coisas, Ele não se confunde com elas, estando ao mesmo tempo fora do mundo, mas manifestado através das Emanações ou Atributos. Estes são identificados na tradição judaica como: Potência Divina, Sabedoria Infinita, Inteligência Divina, Misericórdia, Força, Beleza, Vitória sobre a morte, Glória e Repouso, Fecundação e Reino.
Sobre a manifestação do Criador no mundo através de Emanações ou Atributos, encontramos em Bruno uma atitude de prudência em relação a este princípio. Para ele, a noção que temos do Princípio e da Causa Primeira é apenas uma noção inferior ou vestígio de Deus, pois tudo se origina de sua Vontade e Bondade. Estas constituem o princípio de sua atuação, de onde provém o efeito universal, que identificamos como Criação. Tudo o que conhecemos da Divina Substância o fazemos por analogia ou por vestígios, tornando-se necessário “compreender a analogia sem comparar as proporções.(67)” Encontramos, aqui, influência de Nicolau de Cusa:
“Enquanto concebo um criador que cria, estou ainda para cá do muro do Paraíso. Do mesmo modo, enquanto concebo um criador criável, ainda não terei entrado, mas estou no muro. Quando, no entanto, te vejo como a infinidade absoluta à qual não convém nem nome de criador, que cria nem o de criador criável, começo então a ver-te mais claramente e entrar no Jardim das Delícias, porque nunca és nada de semelhante ao que pode ser dito ou concebido, mas absolutamente sobreexaltado ao infinito acima de tudo isso.” (68)
Ele tem forte significação para a Filosofia bruniana, porque se colocou além das discussões que marcavam o final da Idade Média e início da Idade Moderna, ao reafirmar a visão transcendente do Criador e proclamar também a sua imanência. Para tal, utilizou três conceitos básicos: “complicatio”; “explicatio” e contração.
A Essência das Essências, revela-se como “complicatio”, pelo fato de incluir em si mesma todas as coisas. Torna-se “explicatio” porque todas as coisas O revelam. É contração, porque o Universo, ao manifestá-Lo, o faz apenas em parte e não na totalidade. Identificar Giordano Bruno como um opositor da transcendência e um defensor exclusivo da imanência é negar a influência de Nicolau de Cusa, o que não pode ser feito, por dois motivos: o primeiro é que Bruno faz referência a Nicolau de Cusa no decorrer da Obra Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos; e o segundo, encontra-se nas explicações sobre a Divindade encontradas ao longo da obra, A Causa, o Princípio e o Uno. “Chama-se causa aquilo que concorre, a partir do exterior, para a produção da coisa e cujo ser acha-se fora da composição, como é o caso da causa eficiente e da causa final, às quais está subordinada a causa produzida.” (69)
Na discussão de Bruno acerca do Entendimento Universal , identificamos o Atributo da Inteligência Divina como faculdade primeira e principal da alma do mundo. Ela [a Inteligência Divina] tudo preenche; ilumina o Universo e dirige a natureza.
Diferentes interpretações foram dadas pelas várias escolas apontadas por Bruno, entre as quais citamos os pitagóricos, os platônicos, os magos (que nós entendemos tratarem-se dos cabalistas), Orfeu, Empédocles e Plotino.(70)
Para os platônicos, o Entendimento Universal é visto como o forjador do mundo. Este, procede do mundo superior (Uno) e encaminha-se para o mundo sensível (dividido em muitos). É Ele que tudo produz.
Para os magos, é o semeador, porque penetra e compõe a matéria com todas as suas formas, combinando-as com uma ordem tal que é impossível atribuí-las à causalidade.
Citando Orfeu, Bruno designa o entendimento universal como olho do mundo, porque vê o interior e o exterior de todas as coisas naturais, mantendo assim a proporção adequada a todas as formas. Lembramos aqui outra aproximação com Nicolau de Cusa, que faz uma reflexão em torno de olhar do Criador sobre o mundo; ao mesmo tempo em que vê o mundo, também é visto por ele, embora em proporções diferentes:
“Mas o teu olhar, sendo olhos ou espelhos vivos, vê em si todas as coisas. Ele é antes a causa de tudo o que é visível. Por isso abraça e vê todas as coisas na causa e razão de tudo, isto é, em si próprio. Os teus olhos voltam-se Senhor, para tudo sem se desviarem. E porque os nossos olhos se voltam para o objeto, decorre daí que o nosso olhar vê sob um ângulo quantitativo. Porém, o ângulo dos teus olhos, ó Deus, não é quantitativo, mas é infinito, ele é círculo e, mais ainda, esfera infinita, porque o teu olhar é o olho da esfericidade e da perfeição infinita.” (71)
Para Empédocles, o Entendimento Universal é identificado como o princípio da diferenciação, porque a geração de uma coisa sucede da corrupção de outra.
Em Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos, Bruno considera que sendo o Universo Infinito e todas os seus corpos passíveis de modificação, estes mesmo corpos transmitem partes de si e recebem outras partes, mudando de lugar, de organização e de forma. (72) Conclui que os corpos mudam e se renovam, sendo tal argumento válido para todos os seres viventes (natureza, animais e seres humanos).
Em Plotino, temos que o Entendimento Universal é o pai e genitor, já que distribui as sementes no campo da natureza e dá origem às formas. De forma específica, Bruno O denomina artista interior, como aquele que dá forma e figura à matéria a partir de dentro, “como de dentro da semente ou da raiz faz brotar e desenvolver-se o tronco, do tronco saem os primeiros ramos, do interior dos primeiros ramos derivam-se os outros ramos e, destes, os renovos (…) De igual modo estende sua ação para os animais, primeiro a partir do germe, depois do centro do coração para os membros exteriores, e, em seguida, faz refluir para o coração as funções que tinha dispersado, e com o que enrola, (…) os fios que havia esticado.” (73)
Identificamos nesta passagem a mesma concepção atribuída a Plotino. O sentido da afirmação “Distribuindo de igual modo a sua ação ao animais” reflete o mesmo Amor, a mesma Sabedoria e o mesmo Poder agindo no mundo (natureza, animais e seres humanos). Bruno identifica, ainda, três tipos de entendimento: o Divino (que é tudo), o do mundo (que tudo faz) e o particular (que se torna tudo). De acordo com a Cabala Judaica, a Trindade expressa a lei universal da existência, sendo esta dividida em 3 planos: o Mundo Superior, o Mundo Mediano e o Mundo Inferior.
Estes três planos, por sua vez, recebem nomenclaturas diferentes conforme o objeto a ser observado:
No ser humano, o mundo superior é o Espírito; o mundo mediano é a própria vida, considerada um princípio animador, a partir do sistema nervoso simpático e vasos sangüíneos; o mundo inferior é o corpo com suas funções digestivas. O corpo, por sua vez, divide-se em três membros: cabeça, peito e ventre.
No Plano Divino, de onde provêm as Emanações ou Atributos do Criador, encontramos: o Mundo da Criação que reflete o movimento e revela não individualidades, mas coletividades (mundo dos anjos); o Mundo da formação ou mundo dos entes espirituais invisíveis (espírito) e o mundo da produção, representado pelo Universo ou pelo mundo no qual nos movemos. A percepção que temos deste mundo restringe-se às coisas mais inferiores e materializadas.
Para Bruno, o entendimento é uma faculdade da alma do mundo e esta é a inteligência que dirige o Universo. Podemos defini-la, ainda, como a Vontade Divina que atua sobre toda a Criação, dando-lhe não apenas forma mas também movimento, que se identifica com a vida.
À inteligência que dirige o Universo Bruno designava “mente por sobre as coisas”, que nós traduzimos pelo termo Altíssimo e Onipotente Senhor.
Continuando a análise da Visão Cosmológica, de Giordano Bruno, recorremos à obra “O homem diante do Universo”, de Dadeus Grings (1995), que apresenta o pensamento moderno como uma mudança de paradigma ou “subversão” da ordem estabelecida, que se expressa na posição do sol como “centro universal” (74). Aponta a Teoria Copernicana como uma nova visão da realidade material. Como pretender que a descoberta de Copérnico se refira apenas à realidade material?
Nos estudos de YATES (1964), encontramos referências que apontam para o significado esotérico do Sol. Cita Pitágoras e Filolau; indica ainda a Tradição Hermética que identifica o Sol a um demiurgo ou “segundo deus”. Essa indicação é retirada do Asclépio:
“O sol ilumina as demais estrelas, não tanto pelo poder da sua luz, como pela sua divindade e santidade, e deves considerá-lo ò Asclépio, como o segundo Deus, governando todas as coisas e espalhando a sua luz por todos os seres vivos do mundo, tanto para os que possuem alma, como para os que não a possuem.” (74)
Seguindo a indicação de YATES (1964), encontramos no Corpus Hermeticum referências à divindade solar: “O sol, deus supremo entre os deuses do céu, a quem todos os deuses celestes cedem passagem como a seu rei i dinastia, sim, o sol com seu talhe imenso, ele que é maior que a terra e o mar, suporta ter acima de si cumprindo duas revoluções os astros menores que ele.” (75)
Ainda como referência à função sagrada do Sol, citamos o Hino ao Deus Áton: (76)
“Tu surges belo no horizonte do céu
Ó Aton vivo, que deste início ao viver.
Quando te ergues no horizonte oriental todas as terras enches de tua beleza.
Tu és belo, grande, resplandecente, excelso sobre todo país;
Os teus raios iluminam as terras
Até o limite de tudo o que criaste.
Tu és Rá e conquistas até o seu limite.
Tu as unes para o teu filho amado.
Tu está longe, mas os teus raios encontram-se sobre a terra,
Tu está diante (da gente),
mas eles não vêem o teu caminho.
Quando tu vais em paz ao horizonte ocidental,
A terra fica na escuridão como morta
Os que dormem encontram-se em suas camas,
As cabeças cobertas com mantas,
Um olho não vê o outro.
Se roubassem seus bens que se acham debaixo de suas cabeças,
Eles nem perceberiam.
Todos os leões saem de suas cavernas;
Todas as serpentes, elas mordem,
A escuridão é (para eles) claro.
Jaz a terra em silêncio.
Seu criador repousa no horizonte. (…)
A terra inteira se põe a trabalhar.
Todo animal goza de sua pastagem.
Árvores e relvas verdejam
Os pássaros voam de seus ninhos,
Com as asas (em forma de) de adoração a tua essência (ka)
Os animais selvagens pulam em seus pés.
Aqueles que vão embora, aqueles que pousam,
Eles vivem quando tu te levantes para eles.
As barcas sobem e descem a corrente
Porque todos os caminhos se abrem quando tu surges.
Os peixes dos rios movem-se deslizando em tua direção
Os teus raios chegam ao fundo do mar.
Tu que procuras que o germe seja fecundo nas mulheres,
Tu que fazes a descendência nos homens,
Tu que fazer viver o filho no seio de sua mãe,
Que o acalentes para que não chore,
Tu nutriz de quem ainda está no colo,
Que dás o ar para fazer viver tudo o que crias.
Quando cai do colo para a terra o dia do nascimento,
Tu lhes abres a boca para falar
E provês as suas necessidades. (…)
Quão numerosas são as tuas obras!
Elas são irreconhecíveis aos olhos (dos homens)
Tu, Deus Único, afora de ti nenhum outro existe.
Tu criaste a terra ao teu desejo,
Quando tu estavas só,
Com os homens, o gado, e todos os animais selvagens.
E tudo o que há sobre a terra – e anda sobre seus pés –
E tudo aquilo que está no espaço – e voa sobre suas asas.” (77)
Voltamos ao Corpus Hermeticum (78) e encontramos uma referência ao Sol como demiurgo, aquele que dá tudo a todos e que espalha a luz e cujos raios envolvem o mundo inteiro com o seu brilho (o que está embaixo e o que está em cima). Está no meio do mundo e expande a sua luz sem cessar; é o conservador e a nutriz de toda espécie de seres, envolve tudo o que está no mundo, dá seu volume a todos os seres que nascem e os fortifica, ainda que os absorva em si mesmo quando estes morrem.
Desta forma, consideramos que os antigos atribuíam um significado místico e mágico ao Sol. Místico por admitirem a sua divindade; mágico porque ligado à Tradição Hermética ou ao esoterismo antigo (pitagóricos e platônicos).
Daí o “Sol de Copérnico” estar no centro do mundo, irradiando luz e espargindo a vida em todos os seus quadrantes; que anuncia um novo dia, o movimento das horas e das estações. O Sol de Copérnico, que provocou uma revolução na ciência e no comportamento da humanidade. Sendo ele o centro, a dimensão do homem deveria ser medida em relação ao Sol, pois que este, daquele dependia. Ele representa a luz de um novo dia, e a terra, a partir de seu movimento, se nutre do Sol. Giordano Bruno o considerou tão importante que ele não poderia ser único. Há inúmeros mundos que por sua vez dependem de incontáveis sóis. (79)
Retomamos agora a discussão iniciada por dom Dadeus Grings, indicando que na verdade é incontestável o fato de que, tanto para os antigos quanto para Copérnico e Bruno, o Sol representava mais que uma realidade material.
A contemporaneidade, ao apropriar-se das descobertas científicas modernas e colocando-as a serviço da “razão instrumental”, desconsidera essa interpretação. A humanidade contemporânea encontra-se desligada da realidade espiritual que a cerca, desde a natureza, passando pelos inumeráveis mundos, até a percepção do Universo, como parte da Criação. Não seria esse reconhecimento que levou Giordano Bruno a considerar que a Terra é um organismo vivo, animado pela luz do Sol e pela Verdade Divina? Diferentemente da maioria do seu tempo, Bruno considerou não somente a interpretação material do sistema de Copérnico, mas a sua realidade sutil.
“Quem , então, haveria de tratar esse homem (Copérnico) e sua labuta como tão ignóbil descortesia que se esquecesse de suas realizações e do seu aparecimento divinamente ordenado, como a alvorada que precede o pleno nascer do sol da antiga e verdadeira filosofia, depois de ela ter estado durante séculos enterrada nas sombrias cavernas da cega e invejosa ignorância; e quem o julgaria, em razão de algumas omissões na sua obra, como um pensador de igual nível ao do rebanho vulgar, que oscila de um lado para outro conduzido pela brutal superstição? Não deveria ele ser contado entre aqueles cujo grande espírito lhes permitiu elevarem-se, sob a fiel orientação do olho da inteligência divina?” (80)
Para Bruno, Copérnico foi guiado pela Inteligência Divina; o seu sistema estava envolto por um “selo” que deveria ser aberto e um mistério a ser desvendado. Sua grande esperança era de que novos sóis e novas terras pudessem ser gradativamente descobertos, descortinando os mistérios e os “segredos” do Universo, os quais passariam à categoria de realidade incontestável. Independentemente de serem explicadas ou provadas pelos doutores e autoridades acadêmicas, era necessário “ouvir a voz da natureza”, ou seja, compreender o mundo aos olhos do espírito, pois somente este pode chegar à Verdade, por tratar-se de uma realidade que está além dos sentidos. Por isso, Bruno considerava:
“Não são os sentidos que percebem o infinito; não é pelos sentidos que chegamos a esta conclusão, porque o infinito não pode ser objeto dos sentidos. Por isso aquele que procura esclarecer tudo isto através dos sentidos se parece com aquele que procura enxergar com os olhos a substância e a essência; e aquele que as negasse, por não serem sensíveis ou visíveis, negaria a própria substância e o próprio ser. Mas deve haver cautela em recorrer aos testemunho dos sentidos, os quais admitimos só no campo das coisas sensíveis, mesmo aceitando-os com certa suspeita, se não emitirem um julgamento de acordo com a razão. É conveniente para o intelecto julgar e dar razão das coisas ausentes e divididas por espaço de tempo e de lugar. Nisto temos suficiente testemunho no campo dos sentidos pelo fato de não poderem nos contradizer e, ainda mais, por tornarem evidente e confessarem sua incapacidade e insuficiência na aparência da finitude causada pelos limites de seu horizonte, tornando evidente como são inconstantes. Ora, se conhecemos por experiência que eles nos enganam com respeito à superfície do globo no qual nos encontramos, muito mais devemos suspeitar deles quando querem referir-se ao côncavo céu estrelado.” (81)
Na verdade essas palavras não foram inspiradas, mas proferidas por Jesus Cristo: “Se não acreditais quando vos falo das coisas do mundo, não acontecerá o mesmo em relação às coisas celestes?” É necessário dar ouvidos à intuição e deixar falar o espírito.
Segundo Grings (1995), a Cosmologia lança uma ponte entre a visão humanista e científica do mundo. Para ele, o objeto de estudo da Cosmologia é o mundo.(82)
Mas o que é o mundo? É o nosso planeta? E por que apenas ele? Não seria o mundo algo maior? Por que dizemos “mundo” e não “mundos”?
Considerarmos que a Cosmologia de Giordano Bruno visava expandir a concepção científica ao se referir ao inumeráveis mundos. O que Bruno procurou ampliar, a razão científica exacerbada – hoje designada “razão instrumental” -, reduziu. E apesar de todo o progresso material o homem contemporâneo ainda age como se a terra fosse o centro do Universo. Em seu aspecto material, o progresso científico expandiu as possibilidades humanas; porém reduziu significativamente a abertura do espírito para outras realidades: as que estão além da razão, mas que poder ser reconhecidas na atuação da natureza.
Por que falamos do nosso mundo, do sol, das estrelas e da nossa galáxia como se fossem únicos? Por que nos condenamos a uma “solidão cósmica” quando na verdade sabemos que há outros mundos e que estes bem devem servir como morada a outras humanidades?
Por isso reafirmamos que Giordano Bruno nos tira da solidão cósmica em que vivíamos, ao demonstrar que os inumeráveis mundos desse Universo Infinito são habitados. Não sendo, portanto, a Terra o centro do Universo, nem a natureza e os seus habitantes, as únicas obras da Criação. Ela é uma só e dela faz parte não apenas a Terra na qual habitamos, mas também os inumeráveis mundos que se movem pelo Universo!
Onde se encontra a nossa compreensão, senão movida unicamente pela razão instrumental e por uma ciência que age através do princípio de autoridade e do dogmatismo? A humanidade contemporânea teima em aceitar como verdade apenas o que pode ser quantificado, enumerado, medido pela ciência, que, desprovida de sentimento e de uma espiritualidade verdadeira, sufoca a intuição e a voz do espírito; essa ciência, tal qual as religiões dogmáticas, se apega à letra e esquece o que vivifica. Esquecemos dos valores do Ser como Bondade, Beleza, Unidade e Verdade, que são considerados pela Cabala como Atributos do Ser Criador. (83)
Admitia que “assim como seria um mal que este espaço não fosse pleno, isto é, que este mundo não existisse; não o seria menos (…) que todo o espaço não fosse pleno; e, por conseqüência, o Universo será de dimensão infinita e os mundo serão inumeráveis.” (84)
A existência do nosso mundo é concebida como um bem, pois, se assim não fosse, onde estaríamos? Da mesma forma, a Bondade Divina se faz presente em outros mundos. Temos certeza da existência de outros mundos e boa parte da humanidade considera ser o Universo uma Criação Divina. Por que então a Bondade por excelência se expressaria apenas em uma parte da sua Criação, no caso o nosso planeta? Se assim fosse, onde estaria a Perfeição? E se esta lhe faltasse, como poderia dar nascimento a todas as coisas?
Não podendo negar a Perfeição, porque esta é perceptível através das leis presentes na natureza e já codificadas pela nossa ciência, não podemos fugir da Verdade: existe um Criador que é Bom e por sua bondade criou todas as coisas, todos os mundos e neles semeou a vida!
É incorpóreo e está muito acima da nossa compreensão; contudo, podemos senti-Lo através de seus atributos. Revelar-se, fazer-se presente, fazer-se sentir; é atuar, dar movimento. É preencher todo o espaço e não estar submetido ao tempo; é estar acima das determinações físicas que regem o nosso mundo material.
Na Criação e nesse atuar encontram-se a Bondade a Grandeza. Para Bruno, “a grandeza de Deus não consiste de modo algum na dimensão corporal (ressalvo que o mundo não lhe acrescenta coisa alguma), assim não devemos pensar que a grandeza do seu simulacro consista na maior ou menor grandeza de suas dimensões.” (85)
Encontramos no Corpus Hermeticum: “… a amplitude do Bem é tão grande quanto a realidade de todos os seres e dos corpos e dos incorpóreos e dos sensíveis e dos inteligíveis. Eis o que é o Bem, eis o que é Deus”. Nenhuma outra coisa pode ser chamada de boa; todos pronunciam a palavra Bem, mas não percebem o que ela pode ser; por isso não podem compreender o Criador; o Bem é inseparável Dele. A designação do Criador como o Bem, não é um título honorífico, mas é parte Dele, pois “o ser bom é aquele que tudo dá e nada recebe”. Nada recebe, porque de nada carece. É Pleno, é a Verdade, é o Bem. (86)
Ao tratarmos da Cosmologia, nos referimos não só ao mundo, mas também ao ser humano e ao Criador dos Mundos. Poderíamos dizer que a Cosmologia nos liga com a Ontologia? Na verdade, entre todas as coisas e todos os seres que compõem o Universo, há uma ligação, em alguns momentos física e material, em outros, uma ligação profundamente espiritual, porque transcende a nossa compreensão meramente formal e racional. Está além da “razão instrumental”. Talvez aí esteja um dos caminhos da liberdade: superar a razão instrumental e compreender a Unidade, a Verdade, a Bondade, a Beleza, a Justiça e todos os Atributos que revelam o Criador.
Falar da Unidade é falar do Criador. Porém, como falar d´Ele ou defini-Lo, a partir da ‘razão instrumental’ , que tudo pretende colocar em seus limites, para julgar se é verdadeiro ou falso?
Faríamos apenas um exercício vão e não chegaríamos a nenhuma conclusão, porque Ele está além das medidas humanas. Podemos compreendê-Lo através dos seus atributos e da sua manifestação no mundo:
“Se quiseres ver Deus, considera o sol, considera o curso da luz, considera a ordem dos astros. Quem é que os mantém em ordem? Toda ordem supõe, de fato, uma delimitação quanto ao número e ao lugar. O sol, deus supremo entre os deuses do céu, a quem todos os deuses celestes cedem passagem como a seu rei e dinastia, sim, o sol com seu talhe imenso, ele que é maior que a terra e o mar, suporta ter acima de si cumprindo suas revoluções, os astros menores que ele. (…) Quem é que encerrou o mar em seus limites? Que estabeleceu a terra em seus fundamentos? Pois existe alguém, Ó Tat, que é o criador e o mestre das coisas.” (88)
Compreendermos a criação, como uma expressão da Vontade Divina. Sem pretender extenuar a nossa razão, nem encerrá-la numa discussão estéril, devemos expressar, ainda que de forma aproximada, a idéia do Ser Criador: Ele é o Ser por excelência. O Ser do qual tudo decorre; a Perfeição Total e Absoluta. Ou como Ele se revelou a Moisés: “Eu sou aquele que sou”.
Ou ainda como nos diz Anselmo: “um ser do qual não se pode dizer nada maior”, porque não poderíamos alcançá-Lo pela nossa razão instrumental. Apesar de tantas obras escritas pelos séculos adentro e do avançar de nossa ciência, não há em nossa linguagem termo que possa defini-Lo. Se nos é impossível uma definição, o reconhecimento é plenamente possível. Podemos reconhecê-Lo em suas obras, em nós mesmos, na natureza que nos cerca, nos inumeráveis mundos criados e no Universo. Referimo-nos àquela parte da Criação que designamos como material e que pode ser captada pelos sentidos. Mesmo somente a partir da nossa visão restrita não podemos deixar de reconhecer a sua Magnitude. Se prosseguirmos em nossas reflexões e nos apoiarmos em Platão, que indica ser esse mundo uma cópia do mundo verdadeiro, – que não se encontra no plano material –, poderemos reconhecer que a Criação Divina está além do que podemos ver.
Em Giordano Bruno, encontramos uma indicação desse reconhecimento, ao afirmar que os sentidos não podem perceber o Infinito, pois ele é imaterial. Cabe aos sentidos a percepção daquilo que é material e está submetido ao tempo e ao espaço. Essa reflexão pode ser encontrada na seguinte passagem; “… aquele que procura esclarecer tudo isto através dos sentidos se parece com aquele que procura enxergar com os olhos a substância e a essência; e aquele que as negasse por não serem sensíveis ou visíveis, negaria a própria substância e o próprio ser.” (89)
Considerando que a Criação está acima e é anterior ao mundo material, pois este é apenas uma cópia, se afigura em nosso íntimo a idéia de o Ser Criador não pode ser definido ou compreendido, mas reconhecido, como o artista o é, por suas obras. Ele é, portanto, incompreensível à nossa razão e aos nossos sentidos. Não é aquilo que pensamos, mas o que não conseguimos pensar; não é o que vemos, embora tais fenômenos nos possam dar uma idéia de quem nos criou. Não é o que sentimos, pois os sentimentos decorrem de experiências humanas restritas ao tempo e ao espaço.
Quando afirmamos que Ele é Amor, O colocamos acima das qualidades humanas. O amor não é um sentimento, nem decorre das experiências humanas. É diferente de nós e se encontra acima das contingências materiais. Veio do Alto, daí ser identificado como um dos Atributos Divinos e não como um sentimento humano.
Devemos, portanto, libertar o nosso pensamento dos conceitos humanos acerca do Criador e deixar fluir a voz do espírito, ou, como diz Bruno: “É necessário procurar sempre, uma razão verdadeira e necessária (…) e ouvir a voz da natureza.” (90)
Procurar uma razão verdadeira e necessária. Qual o sentido dessa afirmação?
Continuando a nossa discussão acerca da impossibilidade de reconhecermos a grandeza e magnitude divinas a partir da razão instrumental, concluímos que a razão verdadeira e necessária relaciona-se às expressões do espírito ou intuição. As razões verdadeiras e necessárias estão presentes na natureza e nas leis que a regem: Equilíbrio, Perfeição, Justiça e Amor.
A natureza reflete o Equilíbrio, a Perfeição e a Justiça através das leis físicas – lei da gravidade, da queda e do equilíbrio dos corpos e da atuação das forças físicas. E o amor? Este se reflete nas dádivas que a natureza oferece a toda a humanidade, em todos os tempos: seus frutos e flores, a germinação, a colheita, a ação da água, do vento e do fogo. Tudo vibra, tudo se movimenta, para cima, para baixo, não importa a direção.
Chegamos a um ponto que consideramos fundamental para a nossa argumentação: o movimento como lei básica de toda a Criação. As estrelas, os planetas, os inumeráveis mundos, o nosso corpo, as células, tudo está em movimento. Desta forma, podemos dizer que, a partir do movimento, as coisas foram criadas. Pelo movimento tudo se forma; ele é portanto, contínuo e mantém todas as coisas criadas. Como nos indica o Apóstolo Paulo: “por Ele nos movemos e n´Ele nos mantemos.”
“No princípio era o Verbo. O Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele. Sem Ele nada se fez. Nele estava a Vida e a Vida era a Luz. A Luz, porém, era Deus. O Verbo, a Vida e a Luz eram três emanações do Eterno. A Luz de deus resplandeceu nas trevas, mas as trevas não o compreenderam.” (91)
Sendo uma lei básica da Criação, o movimento se faz presente nas leis naturais, mais tarde codificadas pela nossa ciência (Física, Astronomia, Química, História, Filosofia).
Reportamo-nos a Giordano Bruno, para quem o movimento expressava a Inteligência Divina. Tendo encontrado essa mesma indicação no Hermetismo, Bruno se deixa guiar pela intuição e abre o seu entendimento à sabedoria dos antigos. Sobre o movimento o Corpus Hermeticum afirma:
“Todo móvel é movido em qualquer coisa e por qualquer coisa; Aquilo no que o móvel se move é maior; desta forma o motor é mais forte que o móvel. O mundo é um corpo que é movido.” (92)
Em Bruno, encontramos: se tudo se movimenta, o que nos dá a sensação de estarmos parados? Somente a ilusão, a pura ilusão, nos dá a sensação de que a nossa terra é o centro do Universo e que parece imóvel. Nada está parado, mas tudo se movimenta, no espaço incomensurável e magnifico!