Após tecer suas conjecturas a respeito da trajetória de Jesus, vitimado das maquinações perpetradas pela humanidade afastada da Luz, o escritor Holger Kersten, autor do livro Jesus Viveu na Índia – Edit. Best Seller – faz, nas “Considerações finais”, (abaixo reproduzida) uma coerente análise das consequências do afastamento do saber do processo das reencarnações, ao qual todos os seres humanos estão submetidos para alcançarem o desenvolvimento espiritual pleno e integral, independentemente da crença religiosa que abraçaram.
A crença numa vida só aumentou ainda mais a indolência dos seres humanos, que deveriam estar despertos, atentos e vigilantes na busca da compreensão do sentido da vida, conforme Jesus tanto recomendou, como premissa do desenvolvimento da humanidade.
Um livro interessante porque tenta esclarecer em que ponto houve a ruptura com o conhecimento das reencarnações, mas comete alguns equívocos, pois o que restou dos escritos surgidos após o tempo de Jesus sofreu muitas alterações e mutilações e não sabemos distinguir o que Paulo escreveu originalmente, daquilo que nos é apresentado como se fossem os escritos dele. Kersten reconhece as incoerências do dogmatismo, mas diferentemente de Abdruschin, autor da Mensagem do Graal – Na Luz da Verdade, não consegue se libertar do emaranhado dos conceitos obscuros que se opõem à naturalidade das leis da Criação.
Jesus não tinha apego aos bens terrenos, mas isso não significa que desprezasse a riqueza, pois sempre viveu num ambiente de conforto na casa de José, um bem sucedido empresário de artigos de marcenaria. Kersten tenta esclarecer o enigma da encarnação de João Batista, filho de Zacharias, e fala também do Filho do Homem, deixando entrever que se trata de pessoa distinta de Jesus e que, na sua vinda, encontraria a mesma rigidez da parte da humanidade, uma pena que não tenha se aprofundado nessa questão.
Considerações Finais.
A sobrevivência do Ocidente depende da reintrodução do conceito de carma na consciência dos povos. (Paul Brunton)
Nossa exposição termina aqui, sem termos dito aos nossos leitores como manipular os conhecimentos que adquiriram.
Quando publiquei o livro em alemão recebi inúmeras críticas dizendo que eu estava eliminando a consolação final da fé cristã, ou seja, a crença na redenção dos pecados pela cruz. No entanto, quero dizer que essa doutrina tradicional é a doutrina de Paulo e não aquela de Jesus.
Foi Paulo quem centralizou a atividade de Jesus em sua morte, mostrando que é por ela que o homem de fé se liberta de seus pecados, das misérias do mundo e do poder de satanás.
Em suas cartas, Paulo não escreveu uma única palavra sobre o entusiasmo atual de Jesus, nem menciona qualquer de suas parábolas; o que ele faz é apresentar sua própria filosofia e suas próprias ideias.
Paulo tende a apresentar todas as pessoas como filhos da ira, isto é, como sujeitas à ira de Deus (ver Efésios 2:3). Tudo, sem exceção, está perdido (ex. Romanos 5:18; 1 Coríntios 15:18), sem esperança em seu Deus (Efésios 2:12), pois satanás subjuga a todos sem exceção (ex. Romanos 3:9; Gálatas 3:22; Colossenses 2:14). A sentença de condenação paira sobre o povo como uma espada de Dâmocles (ex. Romanos 5:16). Assim Paulo transformou as “boas novas” em “novas terríveis, dando a entender que somente ele” podia mostrar o caminho da salvação. Claro que, diante dessa postura, é muito difícil chegar a uma concepção natural da morte, pois a morte passou a representar uma solução para os pecados.
Em nenhuma outra religião, além do cristianismo de Paulo nos deparamos com esse culto do medo. Com Paulo, os cristãos dominados pelo medo, docilmente se curvam ao peso de ameaças. A religião perdeu o conceito do Deus amoroso, todo bondade e todo perdão anunciado por Jesus, retrocedendo às crueldades do Deus vingativo do Antigo Testamento, ressuscitado nas palavras de Paulo.
Paulo diz claramente que o homem não pode, por si mesmo, alcançar a salvação (cf. Romanos 3:24; 3:28; 9:11; 9:16; 1 Coríntios 1:29; Gálatas 2:16), pois a salvação depende, única e exclusivamente, da graça de Deus (Efésios 2,8-9).
Assim a doutrina da salvação de Paulo torna-se um ato unilateral diante da qual a humanidade se encontra de mãos atadas (cf. Romanos 3:24; 4:16; Efésios 2:5; 2:8-9; 2 Timóteo 1:9; Tito 3:5-7). Essa mensagem de Paulo é pouco atraente, pois não traz conforto. Quem faz parte do rebanho está automaticamente salvo. Não há necessidade de um esforço individual para se atingir o principal objetivo da vida, pois todo cristão é salvo pela morte de Jesus, na cruz, no Gólgota.
Em outras palavras, o cristão deve apenas “associar-se”, tornar-se um membro da “instituição”, pagar a “taxa de sócio”, e eis que lhe está garantido um lugar eterno no paraíso. Essa doutrina, pela facilidade apresentada, conquistou muitos adeptos e se difundiu rapidamente. É, sem dúvida, muito prático acreditar que, por um simples ato de conversão, um pecador é redimido, transformado em filho de Deus e em um novo ser. De acordo com essa doutrina; qualquer tentativa que o indivíduo faz isoladamente, em prol de sua própria salvação, representa uma afronta a Jesus, constituindo, pois, pecado mortal. Assim, por mais exemplar que tenha sido a vida de uma pessoa, se ela não acreditar nos ensinamentos de Paulo, de que sua salvação está diretamente ligada ao sacrifício do Gólgota, é condenada por essa mesma doutrina.
A grande maioria dos cristãos acredita que a grandeza incomparável do cristianismo reside na verdade desses ensinamentos; porém, quando examinados mais de perto, revelam-se bem distantes da verdadeira doutrina ensinada por Jesus. Não encontraremos nos evangelhos o menor vestígio da assim chamada doutrina cristã da salvação; nem mesmo no Sermão da Montanha – a quintessência da mensagem de Jesus – ou no Pai Nosso ou nas parábolas! Se fosse realmente tão importante, Jesus deixaria algum indício de que sua morte na cruz devia ser entendida como o meio de salvação da humanidade. Desconhecer essa postura de Jesus é ir contra sua ética vivencial.
Jesus não teorizou sobre sua missão e sobre sua mensagem, a fim de servirem de substrato a curiosidades acadêmicas, Ele viveu a doutrina que pregou, uma doutrina de tolerância, amor ao próximo, doação e partilha, a capacidade de carregar nos próprios ombros o peso dos outros; em outras palavras, um amor e uma ação ilimitados para com o ser humano. Esse o caminho de salvação que nos mostrou!
Pessoalmente, considero Jesus o exemplo ideal de um Bodhisattva, com todos os predicados de um Buda, em busca da plena realização, da Iluminação e plenamente consciente da realidade divina; livre de laços individuais e completamente destituído de ambição egoísta. Via “o mundo real” como a raiz de todo o sofrimento e pregava aos seus discípulos a renúncia da vida e dos bens terrenos.
Dentro dos moldes desse ideal budista, no seio dos incontáveis cicIos de reencarnação, o que importa é aperfeiçoar constantemente o Carma por meio de ações corretas, para que, finalmente, se possa atingir o plano divino. Quando abordei o tema da “Reencarnação no Novo Testamento” (pág. 128), tentei demonstrar que Jesus – e depois dele todas as comunidades cristãs primitivas – aceitava sem problemas a ideia de metempsicose, tal como exposta pelas crenças orientais da reencarnação. Aqui é interessante esclarecer como foi que o princípio da reencarnação se converteu em um tremendo erro histórico em algum momento do século 4.
Até agora, quase todos os historiadores da igreja acreditaram que a doutrina da reencarnação foi declarada herética durante o Concílio de Constantinopla em 553. No entanto, a condenação da doutrina se deve a uma ferrenha oposição pessoal do imperador Justiniano, que nunca esteve ligado aos protocolos do Concílio. Segundo Procópio, a ambiciosa esposa de Justiniano que, na realidade, era quem manejava o poder, era filha de um guardador de ursos do anfiteatro de Bizâncio. Ela iniciou sua rápida ascensão ao poder como cortesã. Para se libertar de um passado que a envergonhava, ordenou, mais tarde, a morte de quinhentas antigas “colegas” e, para não sofrer as consequências dessa ordem cruel em uma outra vida como preconizava a lei do carma, empenhou-se em abolir toda a magnífica doutrina da reencarnação. Estava confiante no sucesso dessa anulação, decretada por “ordem divina”!
Em 543 d.C. o imperador Justiniano, sem levar em conta o ponto de vista papal, declarou guerra frontal aos ensinamentos de Orígenes, condenando-os através de um sínodo especial. Em suas obras De Principiis e Contra Celsum, Orígenes (185-235 d.C.), o grande Padre da Igreja tinha reconhecido, abertamente, a existência da alma antes do nascimento e sua dependência de ações passadas. Ele pensava que certas passagens do Novo Testamento poderiam ser explicadas somente à luz da reencarnação.
Do Concílio convocado pelo imperador Justiniano só participaram bispos do Oriente (ortodoxos). Nenhum de Roma. E o próprio papa, que estava em Constantinopla naquela ocasião, deixou isso bem claro.
O Concílio de Constantinopla, o quinto dos Concílios, não passou de um encontro, mais ou menos em caráter privado, organizado por Justiniano que, mancomunado com alguns vassalos, excomungou e maldisse a doutrina da preexistência da alma, apesar dos protestos do papa Virgílio, com a publicação de seus Anathemata.
A conclusão oficial a que o Concílio chegou após uma discussão de quatro semanas teve de ser submetida ao papa para ratificação. Na verdade, os documentos que lhe foram apresentados (os assim chamados “Três Capítulos”) versavam apenas sobre a disputa a respeito de três eruditos que Justiniano, fazia quatro anos, havia por um edito declarado heréticos. Nada continham sobre Orígenes. Os papas seguintes, Pelágio I (556-561), Pelágio II (579-590) e Gregório (590-604), quando se referiram ao quinto Concílio, nunca tocaram no nome de Orígenes.
A Igreja aceitou o edito de Justiniano – “Todo aquele que ensinar esta fantástica preexistência da alma e sua monstruosa renovação será condenado” – como parte das conclusões do Concílio. Portanto, a proibição da doutrina da reencarnação não passa de um erro histórico, sem nenhuma validade eclesiástica.
Se nos reaproximarmos da doutrina da reencarnação, afastando a crença na ascensão do corpo físico de Jesus crucificado, crescerá no coração de cada um, e mesmo no coração daqueles que se educaram dentro do cristianismo tradicional, a fé nas verdades puras, ensinadas pelo próprio Cristo. (Holger Kersten – Freiburg, setembro de 1986)