Poderosas ideias permearam as reflexões filosóficas no século 18 e início do século 19, como se fossem a antessala de grandes acontecimentos que estariam por vir na história da evolução da humanidade. Segundo o economista e filósofo austríaco Ludwig von Mises (1881 – 1973), era consenso que, numa nação, todos os cidadãos honestos tivessem a mesma meta final, ou seja, que todos os homens decentes se empenhassem no bem-estar da própria nação, assim como no das demais.
Isso me fez recordar o filme “Sua excelência a embaixatriz”. O enredo é sobre um pequeno país que estava com déficit em suas contas, e cujo primeiro ministro se encanta pela embaixatriz dos Estados Unidos. Ele recusa a ajuda financeira porque não queria misturar negócios de Estado com a sua vida pessoal. Mesmo assim, a embaixatriz recomendou um empréstimo, o que deixou o ministro indignado e, em um comunicado aos senadores americanos, recusou a oferta alegando que seu país tinha de se organizar melhor e evitar desperdícios e ostentação, pois aquela nação não estava à venda. O que ele queria era desenvolvimento sem ter de ficar restringido por um vultoso empréstimo externo.
Assim eram os estadistas do passado. No entanto, no século 19 ocorreu uma grande guinada nos objetivos desses governantes, o que levaria à deflagração, nos anos posteriores, de duas guerras mundiais e à decadência e fragmentação da humanidade e de seus mais nobres ideais.
Os governos se tornaram fortes e intervencionistas, mas na medida em que as grandes corporações passaram a operar globalmente acumulando grande volume de capitais, os políticos se fragilizaram; seus objetivos se tornaram mais imediatistas, sempre com o olhar voltado para as próximas eleições no enfrentamento das ferrenhas lutas partidárias pelas disputas do poder.
Não há dúvida que as corporações promovem progresso, empregos, disponibilização de bens, mas elas têm projetos próprios globais que nem sempre coincidem com os objetivos dos governos e das populações regionais, surgindo não raro conflitos de interesses que são difíceis de enfrentar, dado o grande poder que essas empresas possuem de influir e interferir nas decisões políticas.
Os governos agem localmente. As corporações atuam de forma globalizada sem comprometimentos, sem ter subordinação claramente definida. Basta pensar na tecnologia dos satélites aplicados às comunicações. Imagens podendo ser captadas em TVs em qualquer região levando um conteúdo dirigido que tanto pode aprimorar como degradar. Um conteúdo corruptor de baixo nível, com violência e pornografia, sem controle, facilmente disponível às novas gerações em suas próprias casas.
Atualmente algumas corporações alcançaram uma posição privilegiada com potencial superior ao de muitos estados, por terem muito dinheiro em caixa e serem detentoras da moderna tecnologia cujos avanços provocam mudanças aceleradas. Teremos de encontrar formas para lidar com um futuro que se aproxima, em que haverá poucos empregos, com aumento das desigualdades, subempregos e redução das oportunidades.
A vida, que já está bem difícil, vai piorar ainda mais se nada for feito. Mas quem tem tempo para refletir sobre isso buscando um olhar intuitivo sobre a realidade esmagadora? Diante do pipocar de acontecimentos, sobra pouco espaço para uma tomada de posição coerente. Quem tem capacitação para examinar a situação atual com raciocínio lúcido? As pessoas mal conseguem perceber o que se passa em seu corpo, em seu organismo e em sua mente. Como vão perceber as transformações em processo?
Estamos diante da formação de um cenário ameaçador de mudanças dramáticas, pois além das transformações econômicas e sociais surgem também as ameaças das alterações climáticas, causando pânico e desorganização, escassez de água e de alimentos. A população precisa estar consciente para ajustar-se. Os problemas são apontados, mas e daí? Tudo vai continuar do mesmo jeito? Deveríamos estar fazendo tudo que estivesse ao nosso alcance: impedir a destruição de florestas, ampliar as áreas florestadas, impedir a poluição geral - dos rios, oceanos, solo, ar. Educar para uma forma de viver sustentável.
Quando governo e corporações entram em atrito por conflitos de interesses, quem leva a pior é a população. A busca de soluções deveria ser tarefa conjunta desses dois pilares da sociedade, visando o bem comum, pois só temos este planeta. Já passou a hora de o mercado mostrar a sua eficiência e sua responsabilidade ética, pois a vida no planeta não pode continuar degringolando no imediatismo, de século em século, como vem ocorrendo até agora. O governo já demonstrou sua falta de eficiência para intervir e controlar tudo. O mercado, porém, precisa buscar e praticar uma nova forma ética de alcançar seus objetivos, cooperando para o beneficiamento geral das condições de vida.