Certa noite na selva africana, todos os animais da savana e outros de diversas partes do mundo, resolveram reunirem-se em grande assembleia. Queriam entender o que havia acontecido. Desejavam saber, o que pretendia fazer de fato com todos e com a natureza, uma outra espécie de animal, que era bípede e apreciava máquinas estranhas.
A dona girafa, que com seu pescoço longo longe poderia ver, afirmou ter observado grandes focos de incêndio se aproximando dali. O hipopótamo, apreciador assíduo das águas, comentou que num dos lagos, onde gostava especialmente de permanecer em seu território, estes tais bípedes encontravam-se escavando loucamente à procura duma tal pedrinha que brilha como o sol.
A grande águia africana, que dentre todas as aves presentes na assembléia, estava entre as que voavam mais alto, dizia haver visto lá, bem no alto mesmo, a azulada camada protetora da terra contra os raios solares, dilacerada.
Os carcarás e urubus diziam já estarem preguiçosos de tanto comer, pois nos últimos dias haviam tantos animais mortos apodrecendo, que não estavam dando conta de comer todos, a fim de deixar a terra limpa de seus restos.
Alguns peixes mais resistentes vieram de seus rios, transpassaram os brejos das margens e também compareceram à assembléia dizendo:
A nossa água está cada vez mais escassa e pobre em propriedades vitais. Já não “respiramos” a mesma água que nossos antepassados há milênios atrás. Se continuar assim, nós morreremos primeiro, depois todos morrerão também, pois ninguém vive sem água.
Eu vivo, interrompeu um camelo gracejando.
Sim, senhor camelo, lhe respondeu o peixe, alguns meses apenas, não mais que isso. E continuou dizendo sem abalo, mais não posso falar, pois devo voltar à minha água, pois, ainda que poluída, devo permanecer lá e de lá aguardar os acontecimentos, até mesmo porque esse ar aqui fora me parece mais tenebrosamente poluído ainda.
Uma belíssima arara que havia sido contrabandeada do Brasil pelos tais bípedes e levada até aquelas terras distantes, teve a sorte de escapar, porém, não sem uma asa quebrada e um tanto depenada. Ela disse o seguinte:
Ouçam-me, ouçam-me todos! Lá no meu país ainda temos muitas árvores, águas e animais, eu queria ter ficado lá! Porém não me perguntaram por isso. Pegaram-me do meu ninho, separando-me dos pequeninos filhotes que eu tinha e, incompreensivelmente, me botaram num recipiente fechado, juntamente com outros colegas que morreram quase todos, nos trazendo, a seguir, para cá. Por sorte escapei e pude estar aqui com vocês para participar da assembléia. Encontrei já aqui, em vosso país, um macaquinho que também veio de lá; ele me disse que enquanto os seus pulavam de galho em galho a procura de alimentos para o seu sustento, esses tais bípedes, derrubavam árvore após árvore, devastando a floresta. Disse estar envergonhado por aparentar levemente com eles.
Enquanto a arara falava alguém em meio à assembléia parecia querer interrompe-la:
Hei, hei, estou aqui! Gritava, estou aqui no meio! Como a quantidade de animais era muito grande, a arara e os outros não puderam ver, no começo, quem gritava; então, numa de suas “macacadas”, o macaquinho travesso pôs-se, de um salto só, por sobre as costas dum elefante e, visivelmente orgulhoso pela façanha que acabara de fazer, continuou dizendo:
Passei penúrias para chegar até aqui. Sede, fome e solidão foram meus companheiros de viagem. Lembro-me durante o vôo, terem feito escala num país chamado Portugal e pude ver, lá do alto, que em pouco tempo, derrubaram, lá onde moro, um pedaço de floresta maior que esse país. Meu avô, macaco velho e experimentado que é, descobriu, em seus longos anos de pesquisas, que esse animal, destruidor de tudo, chama-se homem.
Todos os animais presentes na assembléia soltaram sons de surpresa com a revelação do macaquinho. O leão, o rei das selvas, disse estarrecido:
Então são esses mesmo os homens? Há milhões de anos atrás, quando eles surgiram na terra diziam nossos ancestrais que eram muito bons, belos, inteligentes e que traziam muitas alegrias a todos os entes do planeta. A mãe natureza os amava e sua vida era rodeada de reconhecimentos e permanente júbilo. Procurávamos ainda hoje pelo tal homem, achando se tratar de outro. Não sabemos como se pôde modificar tanto o mesmo ser, como se pôde produzir abismal distância, tornando tudo quase insubsistente?
Eu sei. Interrompeu uma velha tartaruga – pouca mudança havia entre ela e seus ancestrais desde que os homens surgiram na terra.
Sim, continuou a tartaruga, os antigos falavam dos homens com tamanha alegria, que seus olhos brilhavam com o reflexo do amor que recebiam todos os animais que os cercavam; longo, longo período de paz e amor mútuo reinou, alegria e gratidão eram os puros sentimentos emanados deste harmonioso convívio, até que um dia, algo trágico aconteceu!
Uma das mulheres foi presenteada por seu companheiro com belas penas vermelhas de ave que fulguravam esplendidamente. As outras todas se alegraram especialmente pelo belíssimo presente que a amiga recebeu. Uma dentre elas porém, teve desejo de ter para si aquele objeto, com tal intensidade, que exigiu que seu companheiro também lhe desse uma igual. Mas como? Refletia o homem. Achar um animal daqueles morto a exemplo do outro homem que o encontrou em lugar distante seria muito difícil. Receou de ir, até que, pela insistência descontrolada de sua esposa, resolveu seguir, mesmo que inseguro, para o distante e perigoso pântano.
No caminho refletia: o que fazer se não encontrasse um animal morto? Bem sabia que a mãe natureza somente permitia que se abatessem animais para sua alimentação e todos sabiam que aquela espécie de ave não servia para tal. Não, isso não poderia fazer. Contudo não ouviu sua voz interior, que o advertia a não seguir e, após dias, ao deparar-se com uma dessas aves, posicionou-se para o arremesso. O dardo atingiu o animal ferindo uma de suas asas. Jamais errara um tiro de tão perto, sempre os animais eram abatidos de tal forma que não se causasse sofrimento, porém, agora o animal ferido iria sofrer sem amparo por culpa sua e de sua esposa, a protetora dos animais se revoltaria, jamais alguém praticara tal ato. Tudo isso lhe sobreveio rapidamente.
O pior para ele veio logo em seguida. A flecha que atingira a ave continuou seu percurso, cravando-se finalmente num ninho de vespas que vieram qual uma nuvem ao seu encontro, e foi tão fortemente picado por elas que ficou todo deformado, somente sobrevivendo e podendo suportar as dores, após passar dias dentro dum rio, sabendo ser justo seu sofrimento.
E foi assim, devido à inveja e ganância, que se feriu o primeiro animal sobre esta Terra. A partir desse momento, começou a haver um desligamento entre os homens e todas as forças da natureza.
Um desligamento, como assim? Inquiriu uma grande aranha que tanto se acostumara a ligar fios uns aos outros, que nem mesmo compreendia o que seria um desligamento.
Sim, um desligamento, disse o grande leão, que prestara especial atenção às palavras da velha tartaruga. Agora compreendo. Se esse erro tivesse sido único e os homens tivessem refletido nisso, não voltando mais a errar, tudo seria diferente. Poderíamos então ter conhecido os homens belos e amáveis de que falavam nossos ancestrais.
Um guepardo, o mais rápido dentre os animais, disse que numa velocidade incomparavelmente maior que a sua, viria agora o retorno ao homem de tudo que semeou nesses milênios. Bradou tão alto ao dizer isto que até os animais mais distantes, presentes no grande circulo da assembléia, puderam ouvi-lo.
Vejam como já há tempos se destroem mutuamente em guerras ferozes, o que, juntando-se às catástrofes naturais, preconizam um final terrível. Disseram-nos que ainda existem bons entre eles, a minoria. Achamos melhor contudo, por precaução, manter-nos distantes ainda e esperar que o círculo dos acontecimentos se feche, assim saberemos finalmente em quem poderemos confiar.
Ao final da assembléia todos se sentiam felizes por saber que nem tudo estava perdido, que isso terá um desfecho, que todo o mal está se combatendo por si próprio.
Deram por encerrada a assembléia. Cumprimentaram-se uns aos outros e combinaram que cada um contaria o que viram e ouviram aos que não estavam presentes. Por fim, produziram tão fortemente seus sons, cada um a sua maneira, que isso, por si só, parecia já ter forças suficientes para atravessar os continentes e avisar a todos sobre os novos conhecimentos que puderam partilhar; isso se deu espontaneamente, sem que precisassem combinar.
Dirigiram então para diferentes cantos: uns voando, outros pulando, outros rastejando, outros nadando, outros correndo, outros apenas andando, o macaquinho, por sua vez, dando cambalhotas.
Devido à grande quantidade de animais, passaram horas até que a paisagem estivesse solitária novamente. Já era o início do anoitecer. O sol ainda era avistado no horizonte. O vento “urrava” prazerosamente espalhando seu frescor. Todos, todos mesmo, sentiam que não mais esqueceriam aquele dia. Partiam agora felizes para novamente cumprirem sua tarefa. Isso, aliás, sempre fizeram, nisso, jamais falharam.
O relato da tartaruga foi baseado no tópico “A Grinalda de Penas” constante da obra O Livro do Juízo Final, de Roselis von Sass, publicada pela editora Ordem do Graal na Terra.