“Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão entrar e não poderão. Quando o dono da casa se tiver levantado e fechado a porta, e vós do lado de fora começardes a bater, dizendo: Senhor, abre-nos a porta, ele vos responderá: Não sei de onde sois. Então direis: Comíamos e bebíamos na tua presença, e ensinavas em nossas ruas. Mas ele vos dirá: Não sei de onde sois, apartai-vos de mim vós todos que praticais iniqüidades. Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes no Reino de Deus Abraão, Isaque, Jacó e todos os profetas, mas vós lançados fora. Muitos virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e tomarão lugares à mesa do Reino de Deus. Contudo, há últimos que virão a ser primeiros e primeiros que serão últimos.”
(Lc13:24-30)
Essa parábola complementa a indicação anterior de Jesus sobre as diferenças existentes entre o caminho que conduz à vida eterna e o que leva à perdição:
“Entrai pela porta estreita; larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e são muitos os que entram por ela; porque estreita é a porta e apertado o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela.”
(Mt7:13,14)
Observe-se que são muitos os que entram pela porta larga… Se são muitos, isso indica a maior parte dos seres humanos. Dessa imensa maioria fazem parte principalmente todos os fiéis das múltiplas religiões, cuja fé se resume no apego a uma crença cega e à submissão a dogmas rígidos. Todos eles juntos são esses muitos! Aproximadamente um terço da população mundial – cerca de dois bilhões de pessoas – é cristã. O leitor supõe que toda essa massa gigantesca está entrando pela porta estreita e seguindo pelo apertado caminho para cima?...
Na parábola, Jesus também diz que haverá muitos que procurarão entrar pela porta estreita mas não poderão. Só aquele que vive de acordo com a Verdade, que efetivamente cumpre sua Palavra, estará apto a transpor a porta estreita e seguir pelo caminho ascendente, apertado, que conduz à vida eterna. Os outros não, mesmo que estejam convencidos do contrário.
Os que estão do lado de fora da porta estreita fechada não se conformam com sua situação, a seu ver injusta. O argumento que eles apresentam, de que comiam e bebiam na presença do Senhor, ou de que este ensinava nas ruas deles, mostra que se julgam aptos a passar pela porta porque sempre cumpriram os preceitos de suas crenças religiosas, e que, portanto, segundo sua concepção, estavam ao mesmo tempo cumprindo a Vontade de Deus. Contudo, do outro lado o Senhor lhes responde secamente: “Não sei de onde sois!”
Mais uma vez fica claro que não são as exterioridades humanas que contam, mas tão-somente o íntimo de cada um. Em que medida a pessoa realmente põe em prática, em toda a sua vida, os ensinamentos contidos nas Mensagens provenientes do Alto, e não apenas dentro dos recintos de seus templos. Os preceitos de Deus não foram dados aos seres humanos para serem cumpridos apenas no domingo, no sábado ou na sexta-feira, mas sim durante todos os dias de sua vida: “Amarás o Senhor teu Deus e guardarás Suas observâncias, Suas leis, Seus costumes e Seus Mandamentos, todos os dias” (Dt11:1). Só quem observa os Mandamentos de Deus durante todos os momentos da sua vida pode dizer que O ama de fato, “pois amar a Deus consiste nisto: que observemos os Seus Mandamentos” (1Jo5:3), os quais, na reciprocidade, nos guardarão: “Se quiseres observar os Mandamentos, eles te guardarão” (Eclo15:16). João repete a exortação do Deuteronômio em sua segunda epístola, e ainda reitera que “viver conforme Seus Mandamentos é o mandamento que ouvistes desde o princípio, para que o pratiqueis” (2Jo6).
Quem pratica os Mandamentos com todo o seu ser angaria de modo natural a coroa da vida eterna, o resto é ilusão. De que adianta a uma pessoa seguir rigorosamente os rígidos preceitos de sua religião se seu coração está cheio de iniqüidade? De que valem as belas aparências se o que move suas intuições e pensamentos são o ódio, a inveja e a cobiça? Pensa ela que pode cometer todas essas abominações e depois entrar calmamente na Casa do Senhor, para exclamar em conjunto com os de sua igual espécie: “Estamos salvos!” (Jr7:10)? Imagina ela que poderá, com um sentimento de bem-aventurança, clamar em coro com seus pares: “O Senhor está no meio de nós, nada de mau nos poderá acontecer!” (Mq3:11)? Será, pois, apartada e lançada ao abismo onde só existem choro e ranger de dentes, a condenação eterna.
Condenação eterna!... O destino final dos que se perderam na vida, dos que perderam a vida. Esses condenados constituem uma espécie de criaturas que durante milênios e milênios atuaram sistematicamente contra as determinações de seu Criador, a despeito de todas as advertências que receberam e dos próprios efeitos retroativos que continuamente as atingiram. Em virtude dessa hostilidade permanente a Deus, elas chegaram a um ponto em que se desligaram totalmente do reino do espírito. As fracas ligações que ainda possuíam com o plano espiritual da Criação acabaram se dissolvendo, todas. Para elas nunca mais será possível um retorno ao Paraíso, visto terem-se apartado totalmente de lá. São elas “mortos no Hades, cujo espírito foi retirado de suas entranhas” (Br2:17), e “cuja memória caiu no esquecimento” (Ecl19:5).
Sobre esses mortos espirituais, Jesus já instruíra a deixar que se aniquilassem mutuamente em sua má vontade:
“Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos.”
(Mt8:22)
Não são preceitos religiosos que podem livrar o ser humano de um destino assim tão pavoroso, mas unicamente a mudança de sintonia interior, o redirecionamento espiritual, enquanto isso ainda for possível.
Que somente aquilo que vive no íntimo do ser humano tem real valor, e não a religião moldada por outros membros da mesma espécie humana, fica ainda ratificado no trecho seguinte dessa parábola, onde é dito que “muitos do Oriente e do Ocidente tomarão lugar à mesa do Reino de Deus.” Não importa, portanto, o lugar em que a pessoa vive nem a religião que professa; entrará no reino dos céus quem cumprir o que dela é exigido pelo Criador. Posteriormente, o apóstolo Pedro ainda reiterou essa contingência, ao afirmar que “Deus não faz acepção de pessoas, pelo contrário, em qualquer nação aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável” (At10:34,35).
Essa declaração de Pedro, aliás, também mostra que ele próprio não se considerava, de maneira alguma, alguém especialmente distinguido entre os demais apóstolos. Jamais lhe passou pela cabeça que poderia ser um “papa” primordial. Inclusive, quando o centurião Cornélio quis prostrar-se aos seus pés, ele imediatamente o ergueu e disse: “Levanta-te, eu também sou apenas um homem” (At10:26).
Lutero, por sua vez, quando começou a se inteirar melhor dos decretos pontifícios, só ficou em dúvida se o papa era o próprio Anticristo ou apenas seu apóstolo. Dúvida que lhe deve ter sido sanada quando o cardeal Cajetano, cognominado “lâmpada da Igreja” por Clemente VII, fez o obséquio de lhe esclarecer que o papa estava acima das Escrituras. Lutero, que não era diplomata, denominou os papas e cardeais de “ralé da Sodoma romana”. Lutero falava de papas sem papas na língua, para quem quisesse ouvir, com uma coragem assombrosa num tempo em que a Igreja fazia e acontecia no mundo todo.
É importante esclarecer aqui que as palavras de Jesus dirigidas a Pedro referentes a “rochedo” e “chaves do Reino” (cf. Mt16:18,19) não têm, absolutamente, o significado que a Igreja Católica lhes emprestou, querendo ver nisso a fundação de uma comunidade religiosa por parte de Jesus e a instituição do papado. (1) Pedro teria ficado estarrecido se soubesse que no futuro seria tido como primeiro guardião do “ministério das chaves”, incumbido disso pelo próprio Cristo, que seria considerado o primeiro papa de uma Igreja poderosa e que um dia seus alegados sucessores seriam até infalíveis. Pedro teria ficado mesmo petrificado com essas idéias…
Jesus não disse nada parecido com “Sobre ti, Pedro,…”. Ele, pois, não aludia de maneira alguma à pessoa de Pedro, como se este fosse uma pedra fundamental, mas sim à sua convicção pétrea, da qual dera mostras ao expressar seu reconhecimento perante o Filho de Deus: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!” (Mt16:16). Esta convicção, que Pedro expressou textualmente por primeiro, era “petra”, um rochedo inabalável, e não a pessoa de Pedro, o “Petros” (Kephas em aramaico). Jesus não se enganou na qualificação que deu à confissão de Pedro, pois em sua época havia até uma cidade ao sul do Mar Morto chamada “Petra”, nome devido justamente do fato de ter sido edificada num vale formado por penhascos de arenito avermelhado.
Com seus rompantes recorrentes, Pedro teria sido uma pedra muito instável para se poder edificar qualquer coisa sobre si. Seu temperamento estava mais para um sismo ambulante do que para uma rocha serenamente imperturbável. Os Evangelhos registram dele mais declarações impetuosas e atos intempestivos do que de qualquer outro apóstolo, culminando com a atitude atabalhoada de se vestir para lançar-se ao mar quando viu Jesus ao longe, na praia (cf. Jo21:7). Como era o mais falante e impetuoso do grupo, Pedro sempre foi também o mais repreendido, advertido e censurado.
Segundo o teólogo católico Giuseppe Barbaglio, a concepção de uma prioridade petrina junto aos demais apóstolos não passa de uma criação teológica da Igreja primitiva, interessada na posição de Pedro no seio da comunidade cristã. O teólogo tem razão, claro, porém mesmo nos primórdios da Igreja essa posição nunca foi a predominante. Mais de três quartos dos primeiros Padres da Igreja que comentaram esse trecho de Mateus rejeitaram, já naquela época antiga, a futura falácia vaticana do estabelecimento de uma linhagem papal através de Pedro. Um desses escritores mais famosos, o teólogo grego Orígenes, do século III, afirmou com propriedade: “Se nós dissermos também: ‘Tu és o Cristo, Filho de Deus Vivo’, então tornamo-nos também Pedro, porque quem quer que seja que se una a Cristo torna-se pedra.” Jesus Cristo era a Palavra de Deus encarnada, a verdadeira rocha espiritual para apoio da humanidade: “essa rocha era o Cristo” (1Co10:4).
Bem fez o apóstolo Paulo, ao deixar claro que sua investidura não viera “da parte de homens, nem por intermédio de homem algum” (Gl1:1). Aliás, é sintomático que nas saudações que Paulo envia a 26 pessoas na sua Epístola aos Romanos (cf. Rm16:3-16), não apareça nenhuma menção ao “papa Pedro”, que naquela altura já deveria estar em pleno exercício de seu pontificado inaugural em Roma… Uma falta de consideração inexplicável.
Sobre a concepção da fundação de uma Igreja por Cristo, cabe notar que dos quatro Evangelhos canônicos, a palavra traduzida como Igreja – ekklêsia em grego – só aparece em duas passagens do Evangelho de Mateus (cf. Mt16:18;18:17), que é o evangelista que mais procura interpretar, a seu modo, as palavras de Jesus, de modo a adequá-las às 29 citações que faz, de maneira bem livre, do Antigo Testamento, de onde retirou também outras 79 alusões indiretas. Conforme atesta corretamente a Tradução Ecumênica da Bíblia, “Mateus pouco se importa em reproduzir ao pé da letra a linguagem do tempo de Jesus.” De fato, Mateus se preocupa o tempo todo em mostrar várias passagens da vida de Jesus como previstas em todas as nuances no Antigo Testamento, mesmo tendo de dar um “jeitinho” para as coisas se encaixarem. Exemplo disso é a conhecida passagem do livro do profeta Zacarias sobre a entrada de Jesus em Jerusalém, montado num jumento: “Eis que o teu rei vem a ti: ele é justo e vitorioso, humilde, montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho da jumenta” (Zc9:9). Marcos, Lucas e João entendem corretamente que há apenas um animal na cena, e nos seus Evangelhos Jesus aparece solicitando apenas um jumentinho aos discípulos (cf. Mc11:2; Lc19:30; Jo12:14). Mateus, porém, faz questão do cumprimento integral da profecia, a qual ele cita na seqüência (cf Mt21:5), antecedida do seu bordão recorrente: “para que se cumprisse”, e põe na boca de Jesus a solicitação de uma jumenta e de um jumentinho (cf. Mt21:2).
Outro exemplo é a matança de meninos de até dois anos, que teria sido ordenada por Herodes “em Belém e todo seu território” (Mt2:16). Mateus faz uso aqui de tradições rabínicas sobre a vida de Moisés, segundo as quais tão logo o nascimento da criança foi anunciado por meio de visões e anúncios dos magos, o faraó teria mandado chacinar crianças recém-nascidas do sexo masculino. (2) Também se observa um paralelo com o livro do Êxodo, quando o rei do Egito manda as parteiras assistentes do povo hebreu assassinar todo recém-nascido menino e poupar a vida das meninas. Vimos no início deste volume que Jesus nasceu em 12 a.C. Nessa época, Herodes não estava preocupado com o nascimento de nenhum Messias, mas sim com dois de seus filhos que, segundo imaginava, tramavam a sua morte. Nesse ano ele foi com os filhos até Roma para que o imperador Augusto decidisse a questão, o qual não viu indícios de nenhuma rebelião e reconciliou pai e filhos. Ainda nesse ano de 12 a.C., Herodes presidiu a edição dos Jogos Olímpicos e até deu dinheiro do próprio bolso para garantir o sucesso do empreendimento. De preocupações com o Messias nascido, nem sinal.
Voltando ao termo ekklêsia, observa-se seu uso já desde o século V a.C., sempre apenas com o sentido de “assembléia”, tal como aparece por exemplo nos escritos de gregos famosos, como Heródoto, Platão, Eurípedes e Xenofontes. A palavra era usada na Grécia para indicar a reunião dos cidadãos livres, particularmente em Atenas. O sentido é, portanto, o de uma assembléia, e não o de uma Igreja fundada como instituição religiosa. É nesse sentido de “assembléia” que o termo aparece nos textos do Antigo Testamento (qahal em hebraico). Também é com esse significado que o evangelista Lucas designa, em Atos dos Apóstolos, a reunião dos cidadãos no teatro de Éfeso (cf. At19:32) e a “assembléia regular” que delibera sobre questões públicas (cf. At19:39). Em sua epístola, Tiago usa esse mesmo termo com o sentido de “sinagoga”, para designar a reunião da comunidade a que se dirige (cf. Tg2:2).
Jesus, portanto, não fundou nenhuma Igreja. De vez em quando, é verdade, ainda aparece pelos tempos algum clérigo corajoso para dizer isso com todas as letras, como fez o Padre da Igreja, Basílio de Cesaréia, no longínquo século IV. Em seu tratado Sobre o Espírito, São Basílio deixou registrado o seguinte: “Quem ensinou por escrito a fazer o sinal da cruz àqueles que acreditavam em nosso Senhor Jesus Cristo? Qual dos santos nos deixou por escrito as palavras da invocação ao erguer o pão da eucaristia e o cálice da bênção? Abençoamos a água do batismo e o óleo da crisma… Com base em que autoridade escrita fazemos isso? Por meio de qual palavra escrita a própria unção com óleo foi ensinada?” Mais recentemente, em 1903, o destemido abade Allain deu o seguinte depoimento no jornal católico L’Univers, vendido nas portas das igrejas francesas aos domingos: “Quando se nos descreve a Igreja unicamente segundo o Evangelho, não nos é dada toda a verdade; não merece crédito nem confiança. Onde estão, no Evangelho, as instruções que Nosso Senhor, que fundava uma nova religião, seguramente teve que dar, vez ou outra, a seus apóstolos sobre os sacramentos, a liturgia, o culto aos santos e à sua Santíssima Mãe?” Não se sabe que fim teve o bom abade Allain, mas não deve ter sido muito tranqüilo. Talvez ele não soubesse, mas seu inconformismo intuitivo é respaldado por uma sentença atribuída a Jesus no apócrifo Evangelho de Maria Madalena: “Eu não deixei nenhuma ordem senão o que eu lhe ordenei.”
Também a declaração de Jesus aos seus discípulos: “A quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados” (Jo20:23), não se referia, absolutamente, a um direito de perdão geral e arbitrário a ser concedido por futuros prelados. Com isso ele apenas queria salientar que uma pessoa pode perdoar a uma outra aquilo que de mal lhe tenha sido feito por ela pessoalmente. Só isso. Nada diferente! Nada a ver com a concepção eclesiástica de que “o poder de perdoar pecados é confiado aos membros do colégio apostólico”, como imaginam e propalam as tradições católica e ortodoxa.
Retornando finalmente à parábola, a passagem sobre “tomar lugar à mesa do reino” tem íntima relação com aquele trecho da parábola das bodas, onde se diz que “a sala do banquete ficou repleta de convidados” depois de o convite ter sido recusado pelos primeiros que o receberam, isto é, aqueles que tiveram a graça de ouvir a Palavra do Senhor. Daí então a indicação final de que “há últimos que virão a ser primeiros e primeiros que serão últimos.” Uma profecia que começou a se cumprir já no tempo dos apóstolos, conforme se constata nessa reposta de Paulo e Barnabé aos judeus que, tomados de inveja, blasfemavam e contradiziam o que Paulo dizia: “Cumpria que a vós outros em primeiro lugar fosse pregada a Palavra de Deus, mas posto que a rejeitais e a vós mesmos vos julgais indignos da vida eterna, eis aí que nos volvemos para os gentios” (At13:46). Observamos nessa frase, mais uma vez, a ironia ferina do apóstolo.
No outro lado da vida, no assim chamado Além, simplesmente não há mais nenhuma distinção nem separação de credos de qualquer espécie, nenhuma diferenciação engendrada pelo raciocínio terreno. Lá não há mais ideologias nem filosofias, não há mais hinos nem bandeiras, não há mais dinheiro nem honrarias, não há mais diplomas nem históricos escolares. Lá não há crentes nem pagãos. Não há mais cristãos, judeus, muçulmanos, espíritas, hinduístas, budistas ou xintoístas, mas tão-somente almas humanas, simples almas humanas que têm de prestar contas de como utilizaram o tempo a elas outorgado aqui na Terra.
Todas essas almas estarão lá alegoricamente diante de um tribunal, para prestar contas de seus atos: “todos compareceremos perante o tribunal de Deus” (Rm14:10), “a fim de que cada um receba conforme aquilo que fez de bem ou de mal, enquanto estava no corpo” (2Co5:10), pois “cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus” (Rm14:12). Nesse tribunal da Justiça divina não existem manobras protelatórias nem agravos judiciais, nenhuma apelação nem habeas corpus. Lá é irrelevante se o ser humano na Terra se consagrava a um culto na sexta-feira, no sábado ou no domingo, importando apenas o quanto ele procurava consagrar sua própria vida na direção certa, em todos os momentos e situações. Lá não vale mais nenhuma forma exterior de crença cega, mecanicamente aprendida, mas apenas a verdadeira crença interior, pessoal, e na medida exata em que esta era realmente viva no espírito, o quão pura ela se achava no íntimo do ser humano. É o conteúdo, e não a forma, que conta.
Se uma pessoa, de qualquer etnia ou religião, deixa tornar vivos dentro de si os legítimos ensinamentos de uma Mensagem proveniente do Alto, de tal forma que se lhe torne uma naturalidade no pensar e no atuar, então ela também vivifica o espírito de Cristo dentro de si. A paz de alma que alguns cristãos bons dizem experimentar é legítima porque são bons, não porque são cristãos. Um muçulmano bom, um espírita bom e um budista bom sentirão também a mesma paz. Todos eles terão cumprido, de maneira natural, a simples exortação: “Evita o mal e faze o bem, busca a paz sem desistir” (Sl34:15).
Tão-somente quem se esforça pela Verdade, independentemente de sua religião, tem realmente acesso ao espírito de Cristo, o Amor do Pai, e tão-somente este pode vivificar o espírito de Cristo dentro de si, condição indispensável para poder reconhecer Seu poderoso Pai. Por isso, ele disse: “Ninguém vem ao Pai a não ser por mim” (Jo14:6). Todos os demais não lhe pertencem: “Se alguém não tem o espírito de Cristo, não lhe pertence” (Rm8:9). Cito aqui um trecho da dissertação “O Salvador”, no segundo volume da obra Na Luz da Verdade de Abdruschin:
“Quem se esforça seriamente pela Verdade, pela Pureza, a esse também não falta o Amor. Será conduzido para cima espiritualmente, de degrau em degrau, mesmo que às vezes através de duras lutas e dúvidas e, seja qual for a religião a que pertença, já aqui ou também só no mundo da matéria fina, encontrará o espírito de Cristo, o qual o levará por fim até o reconhecimento de Deus-Pai, com o que se cumpre a sentença: ‘Ninguém chegará ao Pai, a não ser através de mim’.”