Quando Jesus insta o ser humano a “guardar os mandamentos” (Mt19:17) está lhe dando um conselho de suma importância, pois unicamente quem guarda os mandamentos, isto é, quem cumpre as leis da Criação, pode alcançar a vida eterna.
Também o “tornar-se um servo útil” outra coisa não significa senão cumprir essas leis. Quanto mais uma pessoa se aprofundar no reconhecimento e compreensão dessas leis, tanto mais se lhe tornará clara a necessidade absoluta de obedecê-las. A partir daí, ela nem almejará algo diferente do que integrar-se inteiramente na Vontade Daquele que lhe concedeu a vida.
Uma pessoa que tenha alcançado esse nível de compreensão sabe que não está fazendo nada além de sua obrigação ao interessar-se pela Vontade de seu Criador, e procurará sintonizar todo seu ser nela. Nunca pensará estar realizando algo de extraordinário com isso, que faça jus a uma recompensa toda especial do Alto. A exortação de Paulo aos Colossences para ter “pleno conhecimento da Vontade de Deus” (Cl1:9) lhe parecerá a coisa mais natural do mundo. Só quem tenha chegado a esse nível de evolução espiritual compreenderá também, sem se chocar, essas palavras de Jesus dirigidas a seus apóstolos:
“Qual de vós, tendo um servo ocupado na lavoura ou em guardar o gado, lhe dirá quando ele voltar do campo: Vem já e põe-te à mesa? E que antes não lhe diga: Prepara-me a ceia, cinge-te e serve-me enquanto eu como e bebo; depois comerás tu e beberás. Por ventura terá de agradecer ao servo por ter este feito o que lhe havia sido ordenado?”
(Lc17:7-9)
“O discípulo não está acima do seu mestre, nem o mestre acima do seu senhor.”
(Mt10:24)
O ser humano tem obrigação de servir. Essa obrigação, porém, só não é sentida como uma imposição desagradável por aquele que cumpre voluntariamente as leis primordiais vigentes, aquele, portanto, que ajusta sua pequena vontade humana à onipotente Vontade do Criador. A condição para isso é, evidentemente, a humildade, que é a chave para a liberdade espiritual. Assim, ele passa a compreender perfeitamente as indicações do Mestre: “Quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva” (Mt20:26) e “se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos e servo de todos” (Mc9:35). Jesus deu um exemplo prático dessa humildade ao lavar os pés dos discípulos (cf. Jo13:4,5), indicando com esse ato, ao mesmo tempo, que as leis da Criação sempre servem ao ser humano que se ajusta sabiamente a elas.
A severa linguagem bíblica da terra de Canaã, o antigo Oriente Médio, não causará mais nenhum mal-estar ao leitor tornado ciente, pois agora ele vê que a rigorosa exigência de servir, de obedecer, é na verdade uma exortação para ajustar-se às leis, o que por sua vez é sinônimo de liberdade, de libertação espiritual. É este o sentido de “Servi ao Senhor com toda a humildade” (At20:19) e da exortação de “viver humildemente com o teu Deus” (Mq6:8), assim como da reiterada exigência de humilhar-se diante Dele: “Se o Meu povo se humilhar, orar e me buscar, e se converter dos seus maus caminhos, então Eu ouvirei dos céus” (2Cr7:14); “Humilhai-vos diante do Senhor, e Ele vos exaltará” (Tg4:10); “Humilhai-vos, pois, sob a poderosa mão de Deus” (1Pe5:6). Faz parte disso igualmente a dura advertência para quem não cumpre a Lei do Senhor: “Maldito quem não mantiver as palavras da Lei e não as puser em prática!” (Dt27:26), bem como a severa sentença do Senhor de que “diante de Mim se dobrará todo joelho” (Rm14:11).
Todas essas aparentes imposições rígidas são facilmente seguidas, de maneira automática, por quem se adapta sabiamente às leis da Criação. Para este, a virtude da legítima humildade também advém de modo inteiramente natural. Assim, não há mais nenhum risco de ele “tropeçar na Palavra, sendo desobediente” (1Pe2:8b); a simplicidade infantil e espantosa aspereza da linguagem bíblica nunca mais lhe poderá ser “pedra de tropeço e rocha de ofensa” (1Pe2:8a). Ao contrário, saberá que o cumprimento da Lei do Senhor só poderá trazer reciprocamente uma grande paz à criatura humana, e nenhum motivo para tropeço: “É grande a paz dos que amam a Tua Lei, e para eles não existe um tropeço” (Sl119:165). Mesmo desconhecendo que os termos hebraicos shahāh – “curvar-se” e ‘asab – “servir” também têm o sentido de “adorar”, isso se tornará evidente ao seu novo coração tornado humilde. Humildade legítima, percebida como tal pelo Alto: “Por mais alto que seja o Senhor, Ele vê o mais humilde e reconhece de longe o orgulhoso” (Sl138:6).
Com um sorriso de gratidão nos lábios reconhecerá prontamente as várias indicações, agora claras para ele, da atuação incontornável e autônoma da Lei da Reciprocidade, apenas expressa em outros termos: “Para quem é fiel, Tu és fiel; com o homem íntegro, Tu és íntegro; com o que é leal, Tu és leal, e com o astuto, és sagaz” (2Sm22:26,27). Indicações ratificadas nessas outras sentenças vindas da parte do Senhor: “Eu, o Senhor, penetro os corações e sondo as entranhas, a fim de recompensar cada um pela sua conduta e pelos frutos das suas ações” (Jr17:10); “Eu vos julgarei, cada um segundo os seus caminhos” (Ez33:20).
Verá também o que se encontra por detrás de inúmeras outras advertências bíblicas, muito duras à primeira vista, com seus inúmeros “Ai de ti!” A intenção é sempre de despertar o ser humano para a responsabilidade pessoal, para que ele finalmente ajuste, sensata e humildemente, sua diminuta vontade própria à Vontade do Onipotente, nitidamente reconhecível em Suas leis perfeitas. Deixando-se amoldar por essas leis, ou deixando-se “corrigir” pelo Senhor conforme prescrevem as ríspidas exortações bíblicas, terá de ser feliz: “Feliz o homem a quem Deus corrige! Não desprezes a lição do Todo-Poderoso” (Jó5:17); “Feliz aquele que Tu corriges, Senhor, que ensinas pela Tua lei” (Sl94:12); “O Senhor corrige a quem ama, castiga todo filho a quem acolhe” (Hb12:6).
Submetendo-se a essas exigências do Senhor, o ser humano só poderá encontrar alegria, saúde e felicidade em seus caminhos de desenvolvimento: “Em seguir as Tuas exigências, encontrei a alegria como na maior fortuna” (Sl119:14); “Servireis ao Senhor, vosso Deus, e Ele abençoará teu pão e tua água, e afastará de teu meio as enfermidades” (Ex23:25). Essa obediência humilde às exigências do Senhor, isto é, às Suas leis, constitui o único caminho para se obter a bem-aventurança, a vida eterna: “O prêmio da humildade é o temor ao Senhor, a riqueza, a honra e a vida” (Pv22:4). O prêmio final dessa humildade é, portanto, a vida… vida eterna!
E assim o ser humano espiritualmente desperto, o novo servo útil na vinha do Senhor, passa a sentir com muita clareza que realmente “mais bem-aventurado é dar do que receber” (At20:35), pois com essa sua adaptação voluntária, as próprias leis da Criação é que passam então a servi-lo automaticamente, auxiliando-o e amparando-o em todos seus caminhos de desenvolvimento até o Paraíso, como o mais belo efeito recíproco outorgado a uma criatura que se move direito dentro da obra do Criador. Terá se tornado então a comprovação viva de que não há para uma criatura graça maior do que servir, nem felicidade maior do que ser útil.