Além de problemas de conteúdo, os Evangelhos também apresentam, como não poderia deixar de ser, erros vários decorrentes de tradução, os quais podem acabar dando um sentido completamente distinto do original. E cada uma das 2.233 línguas e dialetos (1) para os quais a Bíblia (ou partes dela) foi, com grande esforço, traduzida, apresentará seus próprios problemas particulares de tradução vernácula. Esses erros atuam como brumas mais ou menos densas sobre o verdadeiro sentido de muitas sentenças bíblicas.
Em alguns casos isso não decorre de nenhuma má-fé, mas apenas da impossibilidade de se encontrar nas línguas atuais termos que exprimam exatamente o sentido do texto original. Por exemplo, vemos que no livro do profeta Jeremias, Israel é comparada a uma esposa infiel, por não ter cumprido os preceitos dados. Num determinado trecho, o profeta diz: “Levanta os teus olhos ao alto, e vê onde não te prostituíste” (Jr3:2). A tradução está formalmente correta, mas nem de longe transmite a enorme severidade e o tom extremamente duro que emerge do original hebraico com o uso do verbo “prostituir”, normalmente associado à idolatria.
Outro aspecto surpreendente são as diferenças marcantes entre textos bíblicos de um mesmo idioma, segundo o tipo de linguagem usada na tradução. Por exemplo, chama a atenção de qualquer um os títulos de algumas traduções disponíveis em língua inglesa, das quais foram feitas pelo menos setenta versões só no século XX: “O Autêntico Novo Testamento”; “O Novo Testamento em Inglês Básico”; “O Novo Testamento em Inglês Claro”; “O Novo Testamento Simplificado em Inglês Claro para o Leitor de Hoje”; “Cartas Inspiradas do Novo Testamento no Mais Claro Inglês”.
Esses exemplos da língua inglesa valem para outros idiomas onde a Bíblia teve grande penetração. Observa-se principalmente que o adjetivo “novo” se distribui profusamente em quase todos os títulos recentes: Nova Bíblia do Capuchinhos, Nova Bíblia de Jerusalém, Nova Versão Internacional, Nova Tradução na Linguagem de Hoje, Nova Versão Padrão Revisada, etc. Isso confirma a inexistência de um padrão consensual nas traduções, tornando-as continuamente mutáveis no tempo, “novas” e “renovadas” o tempo todo.
Quero citar aqui especialmente a opinião do escritor inglês Gerrard Winstanley, transcrita de sua obra A Verdade Levanta a Cabeça Sobre Escândalos: “Há muitas traduções e interpretações que diferem bastante umas das outras. Como essas Escrituras podem ser consideradas a Palavra absoluta de Deus, visto que vós [o clero] a fizestes em pedaços dia após dia, através de várias traduções, inferências e conclusões?” O livro de Winstanley foi publicado em 1649, época em que declarações desse tipo equivaliam a garantir um lugar no cadafalso. E ele ainda acrescentou com destemor: “Não devemos deixar o clero ser o guardião de nossos olhos e conhecimento. Lede em vosso próprio livro, vosso coração!”
O que vemos hoje são múltiplos casos de traduções realmente tendenciosas, que procuram justificar um ou outro aspecto doutrinário da Instituição tradutora, mediante a escolha de palavras apropriadas e arranjos das frases originais. Isso nada mais é do que puxar a brasa bíblica para a sardinha de uma doutrina cristã específica. É um perigo não muito perceptível e praticamente impossível de se escapar, conforme atesta o lingüista Luiz Sayão em seu livreto A Bíblia do Século 21: “Ainda que nem todas as pessoas tenham consciência disso, as diversas traduções da Bíblia sempre estão alinhadas com uma postura teológica e confessional. É praticamente impossível fazer uma tradução bíblica que não contenha pressupostos teológicos ou confessionais.” Verdade cristalina essa.
Mas o pior é quando um desses trechos facciosos constitui uma das colunas mestras da fé. Nessa situação é mesmo impossível reconhecer o sentido original, pois qualquer nova tradução já estará de antemão contaminada pelo dogma. É o caso, por exemplo, do quadro da instituição da Ceia por Cristo, descrito no Evangelho de Lucas. As Bíblias vernáculas de hoje seguem o padrão da famosa bíblia inglesa do rei Tiago, a King James Version, também conhecida como Authorized Version (Versão Autorizada), do ano 1611. (2) Nelas, esse trecho aparece da seguinte maneira:
“E tomando um cálice, havendo dado graças, disse: Recebei e reparti entre vós; pois vos digo que de agora em diante não mais bebereis do fruto da videira, até que venha o reino de Deus. E tomando o pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós, fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós.”
(Lc22:17-20)
Muitos manuscritos antigos, até anteriores aos códices Sinaiticus e Vaticanus, não trazem as três últimas sentenças. Pesquisadores imparciais alegam que a nova menção ao cálice no final do trecho, depois de Jesus já tê-lo citado no início (antes do pão), foi uma interpolação posterior, com vistas a adequar o texto à prática litúrgica de consagrar primeiro o pão e depois o vinho. Como essa seqüência “comprova” a instituição da eucaristia por Cristo, as várias versões bíblicas adotam indistintamente essa forma, normalmente sem nenhum comentário ou nota explicativa. Uma das poucas Bíblias (senão a única) a apontar o erro e mostrar a forma não corrompida é a inglesa Revised Standard Version (Versão Padrão Revista). Nela, o citado trecho está da seguinte forma:
“E tomando um cálice, havendo dado graças, disse: Recebei e reparti entre vós; pois vos digo que de agora em diante não mais bebereis do fruto da videira, até que venha o reino de Deus. E tomando o pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Este é o meu corpo.”
(Lc22:17-19)
O mais significativo é que nessa versão mais curta, ao repartir o pão Jesus apenas diz: “este é o meu corpo”. Conforme vimos, o simbolismo desejado aí era de que seus discípulos deveriam assimilar integralmente em si a Palavra Sagrada, que era ele mesmo, Jesus, a encarnação do Verbo de Deus. Não havia nenhuma menção a “corpo oferecido” (inexistente também em Mateus e Marcos) e tampouco à “aliança de sangue derramado”, fato que, mais uma vez, atesta que sua morte não era um acontecimento previsto e muito menos desejado pela Luz.
Vejamos mais alguns exemplos de traduções problemáticas. No início do sermão do monte, podemos ler a seguinte frase numa tradução adequada:
“Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.”
(Mt5:3)
Essa expressão “humildes de espírito” aparece em quatro versões das Bíblias em língua portuguesa listadas nas Referências Bibliográficas deste livro, e numa quinta está apenas “humildes”. Em outras sete versões aparece, no lugar, a expressão “pobres de espírito”.
O sentido de ambas as expressões é, porém, diametralmente oposto. Uma pessoa humilde de espírito é uma criatura simples, pura, intimamente preparada para haurir uma Mensagem de Deus e viver de acordo com ela, o que lhe trará como conseqüência última a vida eterna no reino dos céus. Segundo Giuseppe Barbaglio, trata-se de uma expressão que encontra seu correspondente mais próximo numa fórmula dos textos de Qumran, nos Manuscritos do Mar Morto: anwê ruah, que significa exatamente humildade. Nas palavras de Barbaglio, a expressão tem o significado de “curvar-se em sentido metafórico, referindo-se a quem se inclina diante do Senhor ao invés de erguer-se orgulhosamente.” Já uma pessoa pobre de espírito é alguém que não se desenvolveu espiritualmente, trata-se de um ser humano arrogante, prepotente, orgulhoso do seu raciocínio e incapaz de assimilar ensinamentos espirituais.
Em duas das versões da Bíblia em português, a situação decorrente de tradução equivocada da expressão humilde de espírito é ainda pior, pois aparecem lá respectivamente as seguintes formas: “Felizes os pobres de coração” e “Bem-aventurados os que têm um coração de pobre”. Quem entende corretamente que o termo coração se refere ao íntimo do ser humano, isto é, à sua vida espiritual, não pode compreender a primeira frase, enquanto que a segunda dá a impressão de que é preciso ser materialmente pobre para se alcançar a bem-aventurança. Mas a tradução mais desastrosa é indiscutivelmente a proposta pela versão dita “Na Linguagem de Hoje”. Nesta, as originalmente belas palavras de Jesus ficaram assim: “Felizes as pessoas que sabem que são espiritualmente pobres, pois o Reino do Céu é delas”. Basta dizer que o sentido correto é exatamente o oposto do que essa frase infeliz transmite ao leitor desavisado.
Essa versão da Bíblia, aliás, é pródiga em ajustar a seu modo os conceitos expressos nos textos bíblicos. É o caso, por exemplo, do trecho bem conhecido de Lucas que repete a indicação de Isaías sobre a atuação de João Batista: “Voz que clama no deserto” (Lc3:4; Is40:3). Na versão Linguagem de Hoje esse trecho ficou assim: “Alguém está gritando no deserto”. Ao lermos essa frase não somos levados a pensar num profeta do Altíssimo, mas em algum maluco habitante do deserto. Outro exemplo de estiagem de bom senso da versão Linguagem de Hoje: os “pecadores” que aparecem em Mt9:10 e Lc6:32 são promovidos a “pessoas de má fama”, como se não tivesse havido em todos os tempos pecadores bem afamados…
Vejamos mais alguns casos genéricos. No Evangelho de João podemos ler:
“Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a minha Palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida.”
(Jo5:24)
Jesus diz aqui que aquele que cumpre a Palavra dele e tem convicção de que ele foi enviado por Deus-Pai, passará da morte para a vida, isto é, alcançará a vida eterna, portanto não sofrerá a morte espiritual. Assim está na Bíblia de Estudo Pentecostal, na Bíblia de Referência Thompson, na Bíblia Sagrada da Editora Riddel, na Bíblia Sagrada – Nova Versão Internacional, na Bíblia Maná e na Bíblia Sagrada – Edição Pastoral-Catequética. Também a Bíblia Viva, que procura apresentar as Escrituras numa linguagem mais atual, apresenta o sentido correto: “Eu digo sinceramente que todo aquele que ouve a minha mensagem e crê em Deus, que me enviou, tem a vida eterna, e jamais será condenado pelos seus pecados, mas já passou da morte para a vida.” No entanto, as demais versões citadas nas Referências Bibliográficas traduzem o trecho “entrará em condenação” por “entrará em juízo”, e com isso quem lê chega à conclusão errônea de que os que crêem em Cristo não precisarão passar pelo Juízo Final.
Conforme verbete explicativo da Bíblia de Estudo Pentecostal, a palavra grega original é krisis, usada nesse trecho do Evangelho de João no sentido de condenação. Segundo o biblista Bruno Maggioni, a etimologia do termo grego implica um processo de discriminação, prevalecendo “o aspecto negativo, a condenação”. Dois léxicos grego-inglês trazem as seguintes definições adicionais para krisis: separação, diferenciação, resultado de um julgamento, condenação. É nesse sentido condenatório que Pedro diz que o Senhor vai “reservar os ímpios para serem castigados no Dia do Juízo” (2Pe2:9). Um Juízo que se aplica sobre todos, bons e maus, e no qual os maus serão castigados.
O Juízo Final atinge a humanidade inteira, sem exceção. É um evento amplo, que age muito acima da vontade humana, no qual “o julgamento pertence a Deus” (Dt1:17). Julgamento realizado segundo a sagrada Justiça divina, a qual é completamente independente da opinião dos seres humanos. Uma Justiça ininfluenciável, absoluta e eterna, cuja lei é a Verdade: “Tua Justiça é a Justiça eterna, e Tua lei é a Verdade” (Sl119:142). O Julgamento divino sempre tem como base a Verdade: “O Julgamento de Deus se exerce segundo a Verdade” (Rm2:2). Quem cumpre a Vontade do Criador, quem vive conforme a Verdade, conseguirá passar pelo Juízo, mas quem isso não faz será condenado; em outras palavras: “os ímpios não ficarão de pé no Julgamento” (Sl1:5).
A mesma falha se repete no versículo 29 desse mesmo capítulo do Evangelho de João. A versão correta é:
“[Sairão] os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição da condenação.”
(Jo5:29)
Os que lêem as versões nas quais a palavra “condenação” é substituída por “juízo”, ficam com a impressão (errônea novamente) de que só quem fizer o mal será levado ao Julgamento Final. Mas todos nós, sem exceção, estamos passando pelo Juízo Final, do qual subsistirão somente aqueles que estão em Jesus, isto é, os que vivem estritamente segundo os verdadeiros ensinamentos de sua Palavra. Para estes, realmente, não haverá então nenhuma condenação no Juízo: “Não existe mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus” (Rm8:1).
Ainda no Evangelho de João, podemos ler:
“A Deus jamais alguém O viu. O Filho unigênito, que é Deus e está no seio do Pai, foi ele quem O deu a conhecer.”
(Jo1:18)
A Bíblia na Linguagem de Hoje substitui “Filho unigênito” por “Filho único”, ajudando assim a conservar o erro de que o Filho de Deus e o Filho do Homem seriam a mesma personalidade. A Trindade divina, porém, é constituída de três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. O Filho é o “Filho de Deus” ou “Filho unigênito” de Deus, enquanto que o Espírito Santo é o “Filho do Homem” ou “Filho extragênito” de Deus. A palavra “unigênito” provém do grego monogenēs, que tem o sentido de unigerado, significando que o Filho de Deus foi gerado unicamente da divindade do Pai. O Filho do Homem também provém de Deus-Pai, mas foi ainda ligado ao mais puro espiritual, de modo a poder permanecer como eterno mediador entre o Criador e Suas criaturas. Ao contrário do Filho de Deus ele não se reincorporou ao Pai, devido ao espiritual nele aderido que atua como âncora, mas permanece eternamente como Rei da Criação, colocado nela como Seu Filho extragênito.
Ao contrário do Filho do Homem, o Filho de Deus não desceu à Terra com fortes invólucros protetores, de modo que sua essência divina pôde irradiar mais intensamente entre os seres humanos. Isso se evidenciou especialmente durante a chamada transfiguração, episódio que os evangelistas procuraram relatar segundo sua compreensão. O circunspecto Lucas diz que “enquanto ele orava, a aparência do seu rosto se transfigurou e suas vestes resplandeceram de brancura” (Lc9:29); o entusiasmado Mateus fala que “o seu rosto resplandecia como o Sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz” (Mt17:2); com sua linguagem singela, Marcos conta que “suas vestes tornaram-se resplandecentes e sobremodo brancas, como nenhum lavadeiro na Terra as podia alvejar” (Mc9:3).
A expressão “Filho”, usada para designar os dois Filhos do Altíssimo, não tem o mesmo sentido de “filho” para nós, seres humanos. Na linguagem humana, um filho é completamente independente do pai, e ambos só podem ser considerados unidos se desenvolverem uma atuação conjunta. Em relação ao Criador é diferente: Pai e Filho são um só, e somente na atuação podem ser considerados separados. O Pai atua por meio de Seus Filhos, através deles, e por isso Jesus efetivamente “fala as palavras de Deus” (Jo3:34). A espécie da atuação dos dois Filhos de Deus é distinta, mas será sempre segundo o Pai, visto que Pai e Filho são um só, de modo que “o Filho nada pode fazer de si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai, porque tudo o que este faz, o Filho também faz” (Jo5:19). Jesus também afirmou não ter vindo à Terra por deliberação própria: “Eu não vim por conta própria; foi Ele que me enviou” (Jo8:42).
Vejamos mais um caso equivocado. Na Primeira Epístola aos Coríntios, Paulo entoa a certa altura um verdadeiro hino ao amor, muito belo mesmo:
“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu tenha tamanha fé a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres, e ainda que eu entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará.”
(1Co13:1-3)
O bronze que soa e o címbalo que retine... Se um ser humano possuísse tudo e não tivesse amor, não passaria mesmo de um metal soante, de um chocalho tilintante.
No original grego, Paulo utiliza a palavra agape para designar a idéia de amor. Posteriormente, essa palavra foi traduzida como caritas para o latim, porque a tradição já considerava a caridade como virtude máxima do fiel cristão, acima até das outras duas – fé e esperança – que compõem o trítono teologal da salvação. Na Bíblia de Jerusalém e na Bíblia de Estudo Pentecostal a palavra amor foi efetivamente trocada por “caridade”, desvirtuando por completo o sentido que Paulo quis transmitir no citado trecho. Os tradutores nem se ativeram à incoerência que isso acarreta no final do texto, onde fica estabelecido que “de nada me adianta distribuir meus bens aos pobres se eu não tiver caridade” (?!).
Um outro exemplo de tradução equivocada, é a importantíssima exortação de Jesus para “nascer de novo”, constante no Evangelho de João:
“Em verdade, em verdade te digo que quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus.”
(Jo3:3)
Se uma pessoa nasce de novo é porque morreu antes, ou, melhor dito, fez com que morresse antes dentro de si todo o antigo, todos os velhos erros aderidos à sua alma. E depois de ter sepultado suas faltas, ela então redirecionou seu íntimo para o bem, para objetivos nobres e belos, tendo com isso de fato nascido de novo espiritualmente, transformando-se num ser humano completamente renovado, cuja vida pode ser chamada de agradável a Deus. Essa vida renovada se mostra pela modificação do pensar, do falar e do agir.
Já nos tempos antigos o salmista ansiava nascer de novo, aspirava poder reviver mediante a Palavra do Senhor: “Senhor, faze-me reviver segundo a Tua Palavra” (Sl119:107). Em sua primeira epístola, Pedro afirma que esse nascer de novo se dá através da Palavra de Deus, do seu cumprimento: “Nascestes de novo, não de uma semente corruptível, mas incorruptível, mediante a Palavra de Deus viva e permanente” (1Pe1:23). Nascer de novo através da Palavra de Deus ou através de Cristo, a Palavra encarnada, é a mesma coisa; por isso, Paulo também disse aos Coríntios que “se alguém está em Cristo, é nova criatura: as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas.” (2Co5:17). Somente essa nova criatura, renascida no espírito, poderá subsistir ao Juízo e ingressar um dia no eterno reino espiritual, o Paraíso. O resto são elucubrações terrenas, tão sem importância hoje como já o eram, por exemplo, as circuncisões naquela época, “pois nem a circuncisão é coisa alguma nem a incircuncisão, mas o ser nova criatura” (Gl6:15).
Nessa sentença sobre nascer de novo João quis justamente dar o sentido de renovação íntima, portanto uma exortação de suma importância para todos. Mas na católica Bíblia de Jerusalém, que de modo geral realmente prima pela fidelidade aos textos originais, a expressão “nascer de novo” foi substituída por “nascer do alto”, e com isso o sentido original dessa grave exortação de Cristo se perdeu completamente. Uma nota de rodapé dessa Bíblia esclarece que “do alto” é melhor que “de novo”. Melhor por quê? Melhor para quem?… Sei muito bem por quê e para quem. É que a Igreja teme que a expressão “nascer de novo” possa ser entendida como uma apologia à reencarnação.
Na obra Na Luz da Verdade, de Abdruschin, encontramos a seguinte passagem sobre esse assunto, na dissertação “Natureza”:
“Os seres humanos, pois, têm de ser arrancados de sua comodidade espiritual, que eles próprios escolheram, e que é capaz apenas de adormecê-los, ao invés de vivificá-los de modo fortalecedor, como Jesus já disse outrora com a exortação de que só aquele que nascer de novo dentro de si poderá entrar no Reino de Deus, e também com as suas repetidas referências de que tudo tem de se tornar novo, a fim de poder persistir perante Deus!
E também os próprios seres humanos sempre falam dessas graves palavras, com entonação enfatuada, decorrente da mais sincera convicção sobre a verdade daquilo que elas encerram. Mas quando a eles se apresenta a exigência de que eles próprios primeiro têm de se tornar novos no espírito, então proferem um queixume atrás do outro, pois nunca tinham pensado em si mesmos nesse sentido!”
Vejamos outras situações. No Evangelho de Mateus está dito que o reino dos céus é “tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele” (Mt11:12). Trata-se de um esforço espiritual, no sentido do aperfeiçoamento interior. No entanto, como essa movimentação espiritual se contrapõe à plácida pedagogia da graça gratuita em vigor há séculos na cristandade, algumas traduções bíblicas torcem incrivelmente o sentido, como nesses exemplos:
“O reino dos céus é assaltado com violência; são violentos os que o arrebatam.”
“O reino dos céus sofre violência, e os violentos procuram arrebatá-lo.”
“O reino dos céus tem sido objeto de violência e os violentos apoderam-se dele à força.”
“O reino dos céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam.”
“O reino dos céus sofre violência, e os que fazem violência são os que o arrebatam.”
Se os violentos pudessem tomar o reino dos céus à força, ele seria o próprio inferno. Essas sentenças testemunham um desconhecimento completo das leis da Criação por parte dos tradutores, além de evidenciarem que a intuição espiritual não tem nenhuma vez em seus trabalhos. Nenhum tipo de violência é possível no reino do espírito, nem mesmo a mínima impetuosidade. Só poderá adentrar nele quem conseguir chegar até lá, sozinho e por mérito próprio, jamais “à força”. Violência e força bruta só são possíveis em regiões muito afastadas do espiritual, como é o âmbito da matéria, assim como somente aqui, na materialidade, é possível existir culpa e castigo. Essas coisas não podem medrar nos planos espirituais, onde todas as criaturas que lá vivem cumprem integralmente a Vontade de seu Criador.
Outro aspecto que precisa ser mencionado são as traduções abertamente direcionadas, que procuram convalidar este ou aquele ponto de alguma doutrina. Certamente não será preciso esclarecer o motivo de o termo “sumo sacerdote” que aparece na Epístola aos Hebreus ter sido traduzido por “pontífice” na Bíblia católica Boa Nova. O resultado ficou uma obra-prima de apologética romanista: “Em verdade, todo pontífice é escolhido entre os homens e constituído a favor dos homens como mediador nas coisas que dizem respeito a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados” (Hb 5:1).
Nas católicas Bíblia de Jerusalém e Bíblia Sagrada da Editora Riddel observa-se a existência de outros termos exclusivos da teologia católica, como nesse trecho da Epístola de Paulo aos Romanos: “Exorto-vos, portanto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus” (Rm12:1). Desnecessário dizer que o texto grego não faz nenhuma alusão à hóstia eucarística. O sentido original, conforme aparece na Tradução Ecumênica da Bíblia, é: “oferecerdes a vós mesmos em sacrifício vivo”. Um sacrifício de cunho espiritual, diga-se, tal como Pedro esclarece à sua comunidade da Ásia Menor: “Também vós, como pedras vivas, formai um edifício espiritual, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus” (1Pe2:5). Um sacrifício espiritual só pode ser levado a cabo, evidentemente, pelo próprio espírito humano, e não mediante ritos externos. Para o cristão, isso se traduz numa mudança de orientação interior, no sentido do desenvolvimento espiritual, algo que para ele sempre foi mesmo, infelizmente, um sacrifício e tanto. E “pedras vivas” significam que os cristãos precisam ter a idêntica convicção de rocha manifestada por ele, Pedro, sobre a missão de Jesus, a ponto de ter merecido aquele comentário elogioso do Mestre (cf. Mt16:16).
A chamada “Tradução do Novo Mundo” da Bíblia contêm igualmente várias passagens do Novo Testamento numa efetiva nova tradução, de modo a corroborar, ou pelo menos não desmentir, aspectos doutrinais da respectiva denominação cristã patrocinadora, contrários ao conceito de Trindade divina e outros assuntos de fé. Mas essa versão é tão atacada pelas demais facções evangélicas que me parece desnecessário explicitar trechos específicos. Deixemo-las em seu embate particular. Só gostaria de deixar registrado que, malgrado as falhas de compreensão dos textos originais – que de resto ocorrem em maior ou menor grau com todos os tradutores e adeptos da Bíblia – o idealismo desse agrupamento de crentes é algo inquestionável. Eles constituíram o único grupo cristão que se opôs tenazmente ao nazismo desde o início, com base unicamente em suas convicções religiosas, a ponto de seus integrantes serem assinalados nos campos de concentração com uma cruz roxa bordada no uniforme, para diferenciá-los dos demais prisioneiros. Heroísmo é heroísmo, em qualquer tempo e lugar.
Prosseguimos. Numa outra passagem do Evangelho, até hoje ainda não compreendida, Jesus diz para seus discípulos tomarem a cruz e seguirem-no:
“Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.”
(Mt16:24; Mc8:34; Lc9:23)
A expressão “renuncie a si mesmo” tem aqui o sentido de “esqueça a si mesmo”. Esse esquecer a si mesmo é uma exigência fundamental para o exercício do discipulado, pois de um discípulo se espera um total compromisso com a Vontade de Deus. Em seu Evangelho, Marcos registra que os primeiros discípulos só foram chamados ao serviço depois da exortação de Jesus à conversão (cf. Mc1:14-20). (3)
A segunda parte, o “tome a sua cruz e siga-me” continua dando o que pensar a muitos estudiosos e especialistas bíblicos. No Evangelho de Lucas, o trecho correspondente ainda vem acrescido das palavras “cada dia” ou “dia a dia”: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me.” (Lc9:23). Há os que supõem ser isso apenas uma referência à morte dos discípulos, mas… a cada dia? Outros tomam essa passagem como indicação de que os discípulos deviam “morrer” totalmente para as coisas do mundo; outros, ainda, de que os discípulos deviam obedecer a Jesus e identificar-se com ele até mesmo na morte. Já os intérpretes mais açodados garantem que, ao tomar sua cruz, o cristão se dispõe a lutar contra Satanás e os poderes das trevas, bem como a sofrer o opróbrio, o ódio e o escárnio do mundo.
Na já mencionada versão Nova Tradução na Linguagem de Hoje, o referido trecho aparece da seguinte forma: “Se alguém quer ser meu seguidor, que esqueça os seus próprios interesses, esteja pronto para morrer como eu vou morrer e me acompanhe.” Se no texto original ainda havia alguma chance de se encontrar a verdade contida nessa sentença, caso a respectiva pessoa se empenhasse realmente numa busca sincera, com uma tal tradução inovadora a possibilidade cai a zero. Se não soubermos interpretar uma passagem bíblica qualquer será muito mais honesto sussurrar para nossos botões ou para os de outrem: não sei, tal como um analfabeto que recebe o livro selado de Isaías para ler: “O livro é então dado a quem não sabe ler, dizendo: ‘Lê isto’, e ele responde: ‘Não sei ler’” (Is29:13). Essa é uma resposta digna. Se não soubermos algo, a resposta decente a dar é: “eu não sei”, ou então permanecer calado.
Jesus não alude aqui absolutamente à cruz do sofrimento. A cruz romana da tortura só se tornou um símbolo cristão muito depois de sua passagem pela Terra. A Cruz a que Jesus se refere não é a cruz da morte, mas a Cruz da vida! A Cruz da vida é a Cruz da Verdade, a Cruz isósceles que ele, Jesus, trazia naturalmente em si mesmo, porque ele próprio veio da Verdade. No Evangelho de João, Jesus sempre começa uma explanação especialmente importante com as palavras introdutórias: “Em verdade, em verdade, vos digo…”. Ele era a Palavra da Verdade encarnada, a Cruz viva de Deus de onde fluía a Palavra salvadora: “a Palavra proveniente da Cruz é poder de Deus e salva” (1Co1:18). Palavra proveniente desta Cruz da Verdade, que pertencia integralmente a Jesus! Agora torna-se compreensível a seqüência das palavras de Jesus:
“Quem quiser salvar a sua vida a perderá, e quem perder sua vida por causa de mim a salvará.”
(Lc9:24; Mt16:25; Mc8:35)
Quem quisesse conservar sua existência errada e pecaminosa de até então, acabaria por encontrar a morte espiritual, mas quem a lançasse fora pela obediência incondicional à Palavra do Senhor, o “Deus da Verdade” (Sl31:5), se salvaria. Esse tal estaria de fato seguindo Jesus, a encarnação da Palavra oriunda da Verdade, que “deixou-vos um exemplo, a fim de que sigais os seus passos” (1Pe2:21). Seguir os passos de Jesus é “seguir a Verdade em amor” (Ef4:15). Significa, isso sim, assimilar e cumprir efetivamente essa Palavra proveniente da Verdade, cujo sinal é a Cruz isósceles, a Cruz de braços iguais. Esta Cruz é que é de fato crucial para a humanidade, pois unicamente por meio dela pode existir salvação. Paulo diz que os inimigos da Cruz de Cristo (inimigos da Verdade portanto) “só se interessam pelas coisas terrenas, e que o fim deles é a perdição” (cf. Fp3:18,19). Faz parte dessas coisas terrenas a preocupação com a pessoa de Cristo, deixando em segundo plano sua Palavra salvadora.
Jesus era o único Portador dessa Cruz viva e irradiante, a forma viva da Verdade, porque somente ele provinha diretamente da Fonte da Verdade, Deus-Pai. Assim, “por meio dele, a Verdade veio a nós” (cf. Jo1:17). Vindo da própria Verdade, Jesus estava pleno dela; ele era, pois, o “Filho Unigênito do Pai, cheio de graça e de Verdade” (Jo1:14).
Muitas antigas gravuras representando Jesus e seus discípulos mostram todos com as conhecidas auréolas em torno da cabeça, mas apenas na de Jesus se observa uma cruz isósceles circunscrita nela. Isso é sinal de que parte da realidade se conservou nesses quadros. Quando José estava prestes a morrer, viu sobre Jesus, que estava sozinho a seu lado no leito de morte, a irradiante Cruz isósceles e a Pomba.
A Cruz isósceles estava indelevelmente associada a Cristo, sendo mesmo uma parte dele, nada tendo a ver com a cruz do futuro Cristianismo. A cruz de braços iguais é um símbolo pré-cristão antiqüíssimo. Há registros conservados dela de pelo menos dois mil anos antes de Cristo, conhecida hoje como cruz grega, mas na verdade ela é muito mais antiga do que a própria civilização grega. Variações dessa cruz grega de duas hastes iguais receberam denominações específicas ao longo do tempo, tais como: cruz de malta, cruz de São Luís, potentéia, cruz copta, cruz cantonada, cruz celta. De todas, merece menção especial a chamada cruz celta.
A cruz celta apresenta duas hastes simples, de igual tamanho, cruzando-se no centro em ângulo reto e envoltas por um círculo. Os celtas chamavam essa cruz de “eixo do mundo”. Os antigos sábios da Caldéia também denominavam a cruz isósceles de “eixo do mundo”, e isso há cerca de 6.500 anos, na época da construção da Grande Pirâmide do Egito. Para os celtas, o braço vertical representava o mundo celestial, e o horizontal o mundo material. O ponto de encontro das duas hastes indicava para eles a “unidade do todo”, de onde emanava o “halo de unificação” representado pelo círculo.
O chamado Documento de Damasco, dos Manuscritos pré-cristãos do Mar Morto, também parece aludir a esse sinal, o qual estaria gravado em alguns essênios daquele tempo. A cruz isósceles ou equilinear chegou a ser conhecida dos primeiros cristãos, e isso até meados do século V. O teólogo Tertuliano, que viveu nos séculos II e III, diz que antes de enfrentarem um grande perigo os cristãos faziam o sinal da cruz isósceles na testa, e apenas na testa. Contemporâneo de Tertuliano, Orígenes afirmava que essa cruz estava efetivamente traçada na testa dos que eram fiéis…
Foi somente a partir do século V que o Cristianismo, já então irremediavelmente torcido, associou à sua teologia a outra cruz, a de braços desiguais, a cruz assimétrica do suplício de Cristo.
No primeiro volume da obra Na Luz da Verdade, a Mensagem do Graal, Abdruschin esclarece o tema da Cruz da Verdade associada a Jesus na dissertação O Mestre do Universo:
“A cruz já era conhecida antes do tempo terreno de Cristo. É o sinal da verdade divina! Não somente o sinal, mas também sua forma viva. E como Cristo foi o portador da genuína verdade divina, e emanou da verdade, estando em ligação imediata com ela, trazendo consigo uma parte dela, ela aderiu também vivamente a ele e nele! Ela é visível na Cruz viva, portanto luminosa e autonomamente radiante! Pode-se dizer que ela é a própria cruz. Lá onde se acha essa cruz radiante se acha também, por conseguinte, a verdade, porque essa cruz não pode ser separada da verdade; ambas são uma só coisa, porque essa cruz mostra a forma visível da verdade.
(…) É a Cruz do Salvador! O Salvador, porém, é a Verdade para a humanidade! Apenas o conhecimento da Verdade e a decorrente utilização do que a Verdade encerra, ou do caminho apontado pela mesma Verdade, pode conduzir o espírito humano de sua atual escuridão e perdição para cima, rumo à Luz, libertando-o e salvando-o da situação atual. E como o Filho de Deus, enviado, e o Filho do Homem, já a caminho, são os únicos portadores da Verdade límpida, e a trazem em si, ambos têm de trazer consigo, de modo natural e inseparável, também a cruz; portanto, são portadores da cruz radiante, portadores da Verdade, portadores da salvação que reside para os seres humanos na Verdade. Trazem a salvação pela Verdade para quantos a acolherem, isto é, para os que seguirem o caminho apontado. — Que vale aí todo o palavreado astuto dos seres humanos? Desvanecer-se-á na hora da angústia.
Por isso o Filho de Deus disse aos seres humanos que tomassem da cruz e o seguissem, isto é, portanto, que recebessem a Verdade e vivessem de acordo com ela! Que se adaptassem às leis da Criação, e aprendessem a compreendê-las direito e que só se utilizassem delas por meio de seus efeitos automáticos para o bem.”
A cruz é a forma visível da Verdade. No livro Revelações Inéditas da História do Brasil, Roselis von Sass informa que quando Cabral aportou nas costas brasileiras viu, juntamente com o astrônomo da frota, João Matias, uma cruz isósceles refletida na fulguração vermelha do Sol poente. Esse signo da cruz nos céus do Brasil indicava que este país fora escolhido para divulgar a Verdade na época do Juízo.
Assim como aconteceu com Jesus, o Filho de Deus, também o Filho do Homem trouxe em si mesmo a Cruz isósceles irradiante, como algo natural. É ela “o selo com que Deus, o Pai, confirmou o Filho do Homem” (Jo6:27). Nessa mesma dissertação, Abdruschin diz que a Cruz do Filho do Homem – o Mestre do Universo, seria o sinal visível de sua missão:
“Atrás desse legítimo Mestre do Universo se encontra, como outrora se deu com Cristo, radiante e visível aos videntes puros, a grande Cruz do Salvador! Pode-se dizer também ‘Ele porta a Cruz’! Todavia, isto nada tem a ver com o sofrimento e o martírio.
Esse será um dos sinais de ‘vivo fulgor’ que nenhum mago ou charlatão, mesmo o mais esperto, conseguirá imitar, e mediante o qual se reconhecerá a absoluta legitimidade de sua missão!”
Enquanto os condenados trazem a marca de uma cruz entortada nas testas de suas almas – uma espécie de X – o estigma de Lúcifer, os servos do Senhor também trazem o Seu selo – a cruz isósceles – gravada em suas testas, o sinal da Verdade. São esses últimos os que foram “guardados para a salvação que deve revelar-se nos últimos tempos” (1Pe1:5), tendo sido “selados pelo Espírito Santo de Deus para o Dia da Redenção” (Ef4:30). Eles foram selados na fronte durante a época do Julgamento com o selo do Deus vivo, antes dos acontecimentos mais drásticos do Juízo Final:
“E vi outro anjo que subia do Oriente, trazendo o selo do Deus vivo. Com voz forte ele gritou aos quatro anjos encarregados de fazer dano à terra e ao mar: Não façais dano à terra e ao mar, nem às árvores, até que tenhamos marcado com o selo a fronte dos servos do nosso Deus.”
(Ap7:2,3)
No livro do Apocalipse, observamos que os servos do Senhor recebem o selo de Deus na fronte pouco antes de o anjo abrir o sétimo e último selo do livro do Cordeiro, que assinala a última fase do Juízo Final (cf. Ap8:1), a qual se encerrará com o lançamento das “sete últimas pragas, com as quais o furor de Deus se ia consumar” (Ap15:1). Os que não portassem esse selo de Deus na fronte sofreriam integralmente o efeito da reciprocidade durante os terríveis acontecimentos no Juízo, como exemplificado na praga de gafanhotos (as fúrias, já abordadas no primeiro volume deste livro):
“Foi-lhes dito que não danificassem a erva da terra, toda a verdura e todas as árvores, mas tão-somente os homens que não tivessem o selo de Deus na sua fronte.”
(Ap9:4)
O livro do Apocalipse indica que durante a época do Juízo estavam previstos 144 mil selados aqui na Terra: “Então ouvi o número dos que foram selados: 144 mil” (Ap7:4). Seriam 144 mil selados que, com sua vida exemplar, deveriam dar o exemplo do viver correto durante o tempo do Juízo, como primícias de uma nova humanidade, em estrita concordância com as Leis instituídas pelo Pai e os posteriores ensinamentos dados por Seu Filho:
“O Cordeiro estava de pé sobre o monte Sião, e com ele os 144 mil que trazem inscritos em suas frontes o nome dele e o nome do Pai. (…) Entoavam novo cântico diante do trono, diante dos quatro seres viventes, e dos anciãos. E ninguém pôde aprender o cântico, senão os 144 mil que foram comprados da Terra. Estes são os que seguem o Cordeiro por toda a parte. Foram resgatados, como primícias da humanidade, para Deus e para o Cordeiro. Na sua boca não se achou mentira: são irrepreensíveis”
(Ap14:1,3,4).
São eles igualmente a “assembléia dos primogênitos cujos nomes estão inscritos nos céus” (Hb12:23). Deles fazem parte alguns dos que outrora conviveram com Paulo, os quais, disse o apóstolo, seriam “filhos de Deus sem mancha, fontes de Luz no mundo e portadores da Palavra da Vida” (cf. Fp2:15,16).
O significado da expressão “filhos de Deus” já nos é claro. Os previstos 144 mil também seriam fontes de Luz porque se tornariam capacitados, pelo conhecimento adquirido da Verdade, a transmitir Luz para o mundo com sua maneira correta de viver. O livro da Sabedoria registra isso com as palavras: “No tempo da intervenção de Deus, os justos resplandecerão e propagar-se-ão como centelhas através da palha” (Sb3:7). A expressão “portadores da Palavra da Vida”, usada por Paulo, significa que eles seriam os “guardiões da Palavra da Verdade”; a eles estariam alegoricamente confiadas no futuro as chaves recebidas por meio das palavras do Filho do Homem.
Os mencionados anciãos são assim chamados por serem eternos, capazes de levar uma vida autoconsciente no limite da esfera divina, em redor do trono: “Ao redor do trono havia outros vinte e quatro tronos; neles estavam sentados vinte e quatro anciãos, todos eles vestidos de branco e com coroas de ouro na cabeça” (Ap4:4).
Sobre o selamento, é justo mencionar que alguns textos apócrifos falam que uma pessoa recebe o saber quando é selada. No livro secreto de João também podemos ler que o selado fica livre da morte espiritual, pressuposto que mantenha sua vida na direção correta: “Eu levantei e selei essa pessoa, a fim de que daqui em diante a morte não tenha poder sobre ela” (LsJ31:22). Em sua segunda Epístola aos Coríntios, Paulo ratifica que haviam sido selados por Cristo, como penhor do Espírito Santo: “Ele que nos marcou com um selo e colocou em nossos corações o penhor do Espírito” (2Co1:22). Aos Efésios, Paulo esclarece que a condição para esse selamento é a assimilação da Palavra da Verdade trazida por Cristo: “Nós, que previamente pusemos nossa esperança em Cristo. Foi nele, ainda, que vós ouvistes a Palavra da Verdade. Foi nele ainda que acreditastes e fostes marcados com o selo do Espírito Santo prometido” (Ef1:12,13).
Este selo do Senhor marcado na testa da alma é o mesmo descrito pelo profeta Ezequiel, quando fala do “homem vestido de linho” que, por ordem do Senhor, faz uma marca de cruz na fronte das pessoas que estavam injustamente sofrendo abominações:
“Então a glória do Deus de Israel elevou-se acima do querubim sobre o qual estava, em direção à soleira do Templo. Chamando o homem vestido de linho, o Senhor lhe disse: ‘Percorre a cidade, a saber, Jerusalém; e assinala com uma cruz a testa dos homens que estão gemendo e chorando por causa de todas as abominações que se fazem no meio dela’.”
(Ez9:3,4)
No original hebraico está literalmente: “assinala com um tav a testa dos homens”. Esse tav era uma letra do antigo alfabeto hebraico, que tinha exatamente a forma de uma cruz isósceles. O linho com que se veste o homem que sela também tem um significado espiritual. No Apocalipse vemos que os sete anjos “estavam vestidos de linho puro e brilhante” (Ap15:6), e a explicação para isso é que “o linho brilhante e puro significa obras justas” (cf. Ap19:8). Uma roupa de linho quer, portanto, indicar uma alma pura e justa, que é a vestimenta do escolhido espírito humano atuante. Bem ao contrário dos trapos portados por espíritos preguiçosos: “A indolência os vestirá de andrajos” (Pv23:21). Isso, aliás, jamais poderia acontecer com os povos enteais, porque esses seres agem sempre em estrita observância à Vontade de Deus, de modo que nunca poderão estar com as vestes sujas ou rasgadas. Suas vestiduras serão sempre imaculadas, puras também como o linho, tal como aparece na imagem dos “exércitos do céu” que acompanham o Filho do Homem durante o Juízo: “Os exércitos do céu o acompanham, montados em cavalos brancos, com roupas de linho branco e puro” (Ap19:14).