CORAÇÕES NAVEGANTES
(04/07/2004)

Breno Castro

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Calmo estava o rio em seu percurso e brandas estavam as suas águas, que uniformemente escorregavam em direção ao mar…

Assim se manteriam ainda por longo tempo, até que chegasse a hora determinada para o grande acontecimento!

Aproximava-se a hora, e as águas já se movimentavam em expectativa. Agitavam-se cada vez mais, exibindo toda a sua graça e revelando inabalável disciplina no seu curso. De modo magnífico e uniforme movimentava-se o belo rio! Tudo estava pronto.

Senhor de todos os raios e trovões, um ser maravilhoso, elétrico e chamuscante, dá o sinal da partida! Na nascente descarrega uma estrondosa tempestade, e dentro dela disparam os barcos a toda velocidade sobre as águas em grandes alturas! Júbilo soa por toda a natureza, e tudo o mais é paralisado para contemplar o acontecimento único!…

A euforia da largada decresce aos poucos, e já agora cede lugar a uma grande tensão e apreensão, em razão do caminho que é longo e cheio de perigos. Uma infinidade de seres está envolvida, mãos diligentes estão prontas para amparar e auxiliar, e ondas de força caem incessantemente à procura daqueles que se desdobram no seu percurso.

Já é possível distinguir acolá alguns barcos que despontam na frente, em corrida desenfreada. Outros em grande maioria seguem no meio da frota, e os demais vão ficando para trás. Muitos se destroçam em rochedos e afundam, ou ficam retidos no caminho devido a grandes buracos no casco.

O caminho pelas águas, da nascente até o mar, é extremamente longo. Muitos obstáculos os barcos deverão transpor e suportar, e grande sabedoria sobre as águas os aventureiros deverão atingir se quiserem alcançar o alvo bem-aventurado!

Meses já se passaram, e o quadro todo agora se fecha, focalizando três grupos especiais de viajantes.

O rio está adormecido… suas águas deslizam em seu leito extenso… Alguns barcos seguem agora flutuando calmamente… Dias seguidos eles viajaram sem parar e bastante cansados se apresentam os seus donos.

Um dos viajantes perscruta atentamente além das margens do rio, e convida a todos para um descanso restaurador. Após recuperassem as suas forças, seguiriam adiante no percurso interminável… Apesar de a viagem parecer não ter fim, uma coisa todos sabem e nela confiam: o caminho das águas os leva seguramente em direção ao mar, anseio único de todos os viajantes!…

Apesar do convite bastante oportuno, muitos não se deixam reter. Preferem seguir, pois nada pode fazê-los parar! Anseiam o mar de todas as formas, e já possuem planos grandiosos para a vida em paz no mar distante.

Os outros, porém, julgam a parada como algo estritamente necessário, tanto para o seu próprio descanso, como também para o reparo e manutenção de seus barcos. Assim sendo, um grupo pausa para descansar e o outro segue adiante…

Nas margens encontram-se agora aqueles que ficaram. Observando minuciosamente a situação dos barcos após longa viagem, um pequeno e cuidadoso grupo aproveita para tirar conclusões e aperfeiçoar as suas técnicas de navegação. Cortam madeira, e reparam os pontos mais desgastados em seus barcos, de modo que agora eles se apresentam novos e prontos para mais uma etapa da grande viagem.

Grande quantidade de frutas, e belezas de todos os tipos oferece a margem do rio. Assim eles tomam das frutas em abundância, e após a benfazeja alimentação, gozam de um sono profundo e restaurador.

Acordam cheios de força e disposição, e após um humilde agradecimento ao senhor das águas e ao senhor dos raios e trovões, montam em seus barquinhos e seguem alegres e confiantes rio adiante!…

Lá na margem, porém, muitos ficaram. Ainda se divertem com as farturas que o rio oferece, e decidem permanecer por mais algum tempo. Comem e se fartam! Festejam e todos parecem muito alegres.

Enquanto isso lá na frente, liderando todos os barcos, está o grupo que não deixou se levar pelo descanso tentador, e que pelo contrário, manteve a viagem flutuando velozmente sobre as águas do rio. São os primeiros e se orgulham disso!

De repente, acontece um terrível imprevisto! Com isso eles não contavam! Alguns barcos começam a apresentar furos por debaixo dos seus pés, e a água travessa do rio desanda a entrar e entrar…

Os barcos vão afundando, e desesperados os seus comandantes não sabem mais o que fazer! Poucos, conscientes de sua negligência, clamam por perdão e socorro ao senhor de todas as águas! Como por milagre, alguns deles são levados até a margem, de sorte que ainda se mantêm salvos. Os demais sucumbem na poderosa correnteza, e são arrastados sem qualquer piedade…

Após o terrível acontecimento, um jubiloso canto de alegria começa a se fazer ouvir!… Seguindo o eco das maravilhosas vozes, um vistoso grupo de heróis navegantes surge nas águas do rio, em ritmo inabalável e uniforme! Trata-se sim, daquele grupo intermediário, que após gostoso descanso e reparo em seus barcos, seguiu confiantemente a sua viagem!…

Ao se depararem com os desalentados à beira do rio, a frota navegante encosta prontamente. Homens piedosos oferecem todo o auxílio e ajudam os necessitados na construção de novos barcos. Após nova manutenção e descanso, o grupo segue ainda maior e mais imponente!…

Todos têm uma única e inabalável certeza: as águas levam até o mar, o anseio maior dos corações navegantes!…

Mas não podemos ainda nos esquecer daquele grupo que permaneceu nas margens do rio, usufruindo as dádivas abundantes que o mesmo oferece.

Ainda lá atrás, o grupo que descansava decide retomar a viagem. Os primeiros que entram soçobram nas águas… Os demais ficam com medo e não se arriscam a entrar. Surpresos, eles reconhecem com pavor que não sabem mais navegar…

E surge finalmente o dia tão esperado! O enorme grupo dos heróis, no caminho das águas, começa a sentir uma brisa diferente, e seus corações se enchem de esperança!…

A emoção é tamanha, que os faz acelerar o ritmo na vontade de ver o que se esconde bem atrás da curva do rio!…

Após se depararem com a infinita e maravilhosa vista, gritos de júbilo e louvor ressoam do íntimo dos navegantes!

A visão do mar majestoso e belo, tão sonhado e esperado, era quase um sonho para aqueles navegantes, que tanto haviam se esforçado até agora…

Mas o senhor das águas nunca os abandonou, pois foram fiéis em seguir o curso do rio assim como ele procurou lhes ensinar!

Com zelo e dedicação eles navegaram. Aprenderam das águas a harmonia e a disciplina! Hauriram de seu movimento a graça e a perseverança!…

Deixando-se guiar confiantemente pelo escorrer das águas, atingiram o alvo tão sonhado!…