Mesmo que envolvida pelo caos, uma pessoa em paz consigo mesma irradia uma onda apaziguadora, que suavemente alcança os que a rodeiam.
A cada dia, novos escândalos e revelações trazem à tona a podridão ética que parece assolar todas as instituições humanas contemporâneas. Por onde quer que se observe, seja em ambientes profissionais ou sociais, seja atravessando a rua ou aguardando na fila da padaria, avolumam-se os exemplos de ausência de valores básicos de civilidade e respeito ao próximo. Até mesmo as leis, cujo descumprimento está atrelado a sanções bem definidas, são fragorosamente infringidas em plena luz do dia, sob o olhar indiferente dos cidadãos comuns e daqueles que as deveriam fiscalizar.
Chegamos a um ponto em que aqueles que agem eticamente são vistos com estranheza, admiração, surpresa, e não raro como ingênuos ou “otários”. De toda forma, como exceções perante a massa, que trafega pela vida como em meio ao estouro de uma boiada, “muito ocupada” para atentar ao pé mais próximo…
Nesse quadro, muitas pessoas experimentam sentimentos que vão da indignação à raiva, passando pela impotência e alcançando por vezes a total desesperança… Diante de toda a acintosa falta de respeito, com tantos obtendo vantagens por caminhos escusos, dando um “jeitinho” para se esforçar menos e receber mais, preocupando-se em beneficiar a si próprios em detrimento dos demais, frequentemente surge a pergunta, em tom de desabafo: “Afinal, de que vale ser ético?” Ou ainda: “De que vale fazer o correto, quando todos obtêm vantagens fazendo o errado?”; “Serei eu o único certo?”; “Por que me importar com os outros, se a maioria não parece se importar comigo?”; dentre outras reflexões de semelhante teor.
E, afinal, de que vale ser ético?
Para alguns filósofos, a ética se baseia na questão: “Como devo agir?”, que conduz ao estabelecimento de princípios ou valores como norte da conduta humana. A noção do “agir correto” parece ser uma necessidade tanto individual quanto social, uma vez que é remetida a um ideal de ser humano, bem como a um ideal de sociedade. Em outras palavras, a consciência ética aponta para o ser humano que quero ser, assim como para a sociedade em que desejo viver.
Por mais tímida que seja, todos possuem uma “imagem ideal” de si mesmos. Quando se apercebem de que suas ações contrariaram, de alguma forma, esse ideal, as pessoas vivenciam culpa ou vergonha. Na visão da psicologia, um indivíduo que atingiu um elevado grau de consciência ética, chamado de autonomia moral, age corretamente não pelo receio de ser punido ou buscando ser recompensado, tampouco para ser bem visto socialmente ou por mero compromisso com os padrões de determinado grupo. Seu agir baseia-se em princípios que intimamente aceitou como verdadeiros e válidos, independentemente de circunstâncias externas. No mais alto grau, essa consciência pode conduzir o ser humano a sacrificar a própria vida para defender seus valores.
Assim, a conduta ética genuína é pautada, em primeiro lugar, por um compromisso do ser humano consigo próprio. Por acreditar em seu próprio potencial de se aproximar, passo a passo, da pessoal ideal que gostaria de se tornar. Pela vontade de se olhar no espelho e sentir que está sendo fiel ao seu próprio “eu” – o que alguns chamaram de “integridade”. Quanto vale esse tipo de satisfação?
Mesmo que envolvida pelo caos, uma pessoa em paz consigo mesma irradia uma onda apaziguadora, que suavemente alcança os que a rodeiam. Com gestos simples e silenciosos, é como se aplicasse um bálsamo sobre a inquietação interior que aflige a tantos atualmente. Um olhar tranquilo e compreensivo, uma atitude gentil, perpassada por alegria serena – manifestações que têm o poder de iluminar o dia, a semana, a vida de alguém… Uma atitude firme, quiçá enérgica, cheia de dignidade e da ânsia de restabelecer a justiça – manifestações que revelam comprometimento com o próximo e com a sociedade ideal que se deseja construir… Diferentes nuances que, como pontos de luz em meio à massa que se agita inconscientemente, podem inspirar outras pessoas a recuperarem a crença de que vale a pena ser ético, formando uma corrente bem-aventurada…
E eis que, quando menos se espera, o ambiente ao redor parece ter se tornado mais ameno, mais sorrisos e gentilezas se revelam, auxílios inusitados aparecem, pessoas simples de nobre caráter surgem aqui e ali, e vejo-me caminhando pela rua em uma manhã ensolarada, pensando: “E não é que vale a pena ser ética…?”