“Tudo o que realmente tem valor na vida leva tempo para ser construído” – ensinava o experiente profissional, de cabelos grisalhos e olhar longínquo, aos jovens formandos. Ao final de uma longa exposição sobre assuntos profissionais, o palestrante destacava que valores como os relacionamentos, o casamento, o patrimônio, a saúde, entre outros, são edificados aos poucos, e não devem ser colocados em risco irrefletidamente. Expressava, assim, a essência do aprendizado de uma vida, na forma de conselho para a plateia composta predominantemente por jovens, prestes a iniciarem sua vida profissional.
Embora não fizesse parte desse grupo, também eu ouvira aquelas palavras. Pus-me a pensar na profundidade daquela mensagem, que lançava luz sobre um processo que, nos dias de hoje, frequentemente permanece invisível. Lembrei-me do livro “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry, particularmente da passagem em que o principezinho dialoga com sua amiga raposa, depois de descobrir, decepcionado, que havia milhares de flores iguais à sua rosa de estimação, a qual julgava ser única no mundo. Mas eis que, após algumas vivências, ele percebe que sua rosa era realmente diferente das demais, e vai rever as rosas no jardim, dizendo-lhes:
— Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela é agora única no mundo.
E prossegue:
— Sois belas, mas vazias, disse ele ainda. Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o pára-vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa. (*)
O relacionamento do pequeno príncipe com sua rosa fez-me lembrar de uma visita que fiz a uma plantação de rosas, juntamente com um grupo, em uma bela cidade do interior de São Paulo. Não havia quem não se impressionasse com a majestade daquela visão: um campo de rosas! Todas as pessoas voltavam maravilhadas do passeio. Da mesma forma, outras situações em nosso cotidiano, quando observadas, despertam a admiração de muitos: um relacionamento em que reinam a harmonia e a cumplicidade, a maestria em uma profissão, o profundo conhecimento em determinada área, um trabalho realizado com excelência…
Entretanto, ao mesmo tempo em que despertam admiração, tais manifestações por vezes suscitam também certa inveja: julga-se como se algumas pessoas, sem esforço, tivessem sido “presenteadas” pela vida excepcionalmente, como se as rosas tivessem brotado espontaneamente naquele campo!
Não se enxerga o árduo trabalho do agricultor, que, ainda que tenha sido agraciado com um especial dom para sua tarefa, teve que empregá-lo diligentemente: retirando as pedras e ervas‑ daninhas do solo, arando e adubando a terra, lançando as sementes e protegendo-as dos excessos de sol e chuva, repelindo as pragas, monitorando as mudas dia a dia, até que se tornassem plantas robustas e florescessem. E, após o espetáculo da florescência, deve começar tudo outra vez… Quanta dedicação, quanta renúncia e esperança escondem-se por trás de um campo florido!
Tenho a impressão de que tal processo lógico, subjacente a muitas realizações humanas, tem sido frequentemente esquecido. Muitas pessoas se queixam de não terem flores em suas vidas, mas sequer pensam em preparar a terra para semeá-las!
Talvez as facilidades da vida atual tenham contribuído para esse “esquecimento”. Novamente, relembro um conselho dado ao Pequeno Príncipe: A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos.
(**)
Compramos tantos produtos enlatados nas lojas, que desaprendemos a plantá-los. Desacostumamo-nos a esse tipo de investimento. Parece que, atualmente, tudo o que leva tempo, é perda de tempo. Preferimos o prazer fácil e rápido, em todas as áreas da existência. Vivemos em um mundo de flores de plástico, produzidas aos milhões, em série, e rapidamente descartadas, depois de cessada a satisfação momentânea que suscitam.
Porém, apesar de todo o avanço científico-tecnológico e da liberalização dos costumes, as leis da vida não se modificaram. As rosas continuam germinando e florescendo da mesma forma, assim como os relacionamentos, as capacidades, as realizações que têm efetiva consistência… Como ensinou o palestrante citado no início deste texto, as coisas que “realmente têm valor na vida” continuam levando tempo para ser construídas. Mesmo que muitos olhares superficiais e imediatistas, habituados a consumir plástico reluzente, não reconheçam esse valor…
Felizmente, cada vez mais pessoas começam a despertar para o fato de que todo o “plástico” disseminado em nossa sociedade não nutre nem o corpo, nem a alma. Lentamente ressurge o anseio, às vezes inconsciente, por verdadeiras flores. É preciso resgatar o valor das coisas, é preciso reaprender a plantar! Precisamos reaprender a cultivar e esperar, vigiar e proteger, em harmonia com as Leis da Criação, como faziam com tanta naturalidade nossos antepassados.
Que cada um possa reconhecer o valor das rosas (ou brotos de rosas) que possui e decidir o que ainda deseja plantar, como valente agricultor, para colher no futuro!