Muitas pessoas resumem o sentido da vida ao sentido que se dá a ela. No entanto, por mais que possa sempre ser vista de modo peculiar e diferente pelas lentes de quem a vê, a realidade mais profunda da existência não está subordinada a opiniões ou expectativas pessoais. Ainda sim, o sentido que damos à vida, ou o sentido que ela tem para nós, pode ser examinado da perspectiva espiritual, trazendo algumas reflexões sobre nosso modo de estar no mundo.
Ao falar sobre o sentido e o entendimento da vida, não me refiro — como usualmente é tratada a questão — somente à vida em geral, aquela que nos aproxima como seres viventes, através da morte, nascimento, da luta para ganhar a vida ou da dita “vida como ela é”, com seus amores e dissabores.
A busca por um sentido vai muito além da percepção social construída, de que aquilo que percebemos como sendo “a vida vivida por todos” é seu sentido máximo, completo e comum. Falo aqui de nossa vida pessoal, íntima, e especificamente, de como vemos a vida e seu sentido, e qual a relação disso com a forma como vivemos a vida e seu sentido.
Muitas pessoas acham que o mundo segue degringolando aos poucos, no entanto, tem boa parte da vida preenchida por prazer genuíno e satisfação, ou ainda por prazeres, o que não é a mesma coisa. Há ainda os que veem a beleza da vida, mas disso não participam, trazendo grande pesar dentro de si. Qual é então o compasso entre o que vemos lá fora, desejamos profundamente e somos? Afinal a vida é bela? Vai muito mal? Tem seus altos e baixos? Há coerência, visto isso, em um sentido único para a vida?
Há uma estranha dicotomia entre a natural beleza da vida e do viver e o pressentimento sempre vizinho de seu atual desajuste. Sendo que não é mais tão possível, nos dias de hoje, pesar sempre a cabeça no travesseiro com a mesma leveza que nos traz, intuitivamente, uma manhã de sol, sussurrando que a beleza da vida persiste e está em algum lugar, senão em todos.
Ser feliz apesar dos pesares torna-se então o mantra de muitos, sendo esta a conclusão a qual chega grande parte das pessoas que deixa os anos de infância, e assume ou passa a assumir o tom que levará para a vida, de modo que ela lhe valha a pena apesar do “gosto amargo” que as experiências trazem. Essa aparente dicotomia, em verdade pouco compreendida, sobre qual é o sentido extraído desta fusão de altos e baixos(*), tem levado a uma relativização do sentido da vida, quando não à perda ou triste constatação de ausência do mesmo.
Já a pergunta ao que seria, diante disso, uma “vida bem vivida”, apresenta, entre muitas respostas, duas polares que chamam a atenção. A “vida aproveitada ao máximo” entendida no sentido estritamente material ou da satisfação ilimitada de desejos, pelo usufruto voraz de qualquer coisa que se queira, “até a última gota” e em todos os sentidos, no comer, no festejar, no cultivo exagerado da aparência física, no consumo. Em outro polo distinto, uma outra ideia de aproveitamento e plenitude tem no “aproveitar” a noção de “melhor viver”, que remete a busca por uma vida em equilíbrio consigo mesmo e com tudo que há ao seu redor. Compreensão esta que vem já de infância ou criação, decisão consciente da época de juventude, velhice, ou após uma ou sucessivas fortes experiências de vida. Nunca porém, uma resolução que passa despercebida na postura de um ser humano, sendo quase sempre uma quebra paradoxal com o que a maioria entende por aproveitar a vida.
Esta última noção de aproveitar guia-se por uma outra visão da fruição virtuosa. Seu “aproveitamento ao máximo” pressupõe que algo está dado para que se tire proveito e benefício. Tirar proveito, e as diferentes visões do que seria este “algo a ser aproveitado”, no entanto, trazem à luz mais uma vez uma ambiguidade social: para alguns é tornar para si algo dado útil, construtivo e proveitoso, fonte de bem-estar e melhoria. É um presente que se ganha. Ao invés disso, outra noção de tirar proveito, é aquela que remete a um bem que se toma, para se usar até o limite, extrair e consumir o que tiver vontade, sem restrições de nenhuma ordem, para a liberdade de seu próprio prazer.
O sentido de bem-estar e prazer difere claramente para cada um, porém o que fazer quando o bem de um causa a ruína de outro, de um grupo ou de uma sociedade inteira? Caçar por prazer, extrair recursos escassos da natureza para o prazer, conseguir dinheiro, ou influência de forma prejudicial em busca de bem-estar, indicam que o sentido do prazer não é democrático nem medida que se use na defesa das liberdades individuais. O sentido do bem-estar, para uns, é entendido como se a raça humana fosse, de antemão, merecedora de agrado e satisfação a todo custo. Nesta compreensão, “usamos” a vida como se ela existisse para nos servir e já nos devesse muita coisa, a saber, tudo aquilo que nossa liberdade individual sonhar desejar.
Para outros, a vida é recebida com olhos diferentes, mais abertos e humildes, como de quem entra cautelosamente neste recinto Terra e já sabe apreciar as belezas ao olhar ao redor. Este, antes sente-se grato com tudo que já tem, e utiliza-se disso para crescer e contribuir como pode com o que vê, maravilhado. Dentro da justíssima e origem de todo equilíbrio Universal, Lei da Reciprocidade(*), ele sabe ou intui que deve contribuir para essa obra, retribuindo com o melhor. Jamais se comportará de forma abusiva, pois sua noção de “aproveitamento da vida” é outra. Também ao se utilizar da Terra e outros seres, e interagir com eles, o fará com respeito. Além disso, é capaz que nisso compreenda o sentido de respeitar a si próprio e ao próprio corpo também, e por isso jamais abusará dele até a exaustão ou o intoxicará de forma irresponsável. Seu sentido de bem-estar e bem viver vai na direção de uma construção e melhoramento, para enfim, ser digno de aproveitar o que já lhe é dado, de antemão. Sua noção de viver melhor passa também pelo coletivo maior, no qual o bem estar pessoal é influenciado pelo bem dos outros seres e da natureza.
Para ambos os casos, no entanto, o “aproveitar o que há de melhor” difere completamente, sendo o conceito de bom e melhor um bom indicador de valores. Mas o que são valores?
A defesa da liberdade de pontos de vista diferentes, não pode ser confundida com um impedimento na busca de valores comuns, universais e unidos por uma noção central de bem estar comum. Somos diferentes, sim, percebemos o mundo de forma diversa, e não é possível defender uma homogeneidade no modo de ser. No entanto, os valores que nos guiam, atualmente discrepantes e conflitantes, demonstram, pela natureza dos frutos que geram, a necessidade de uma tomada de decisão por parte do ser humano, que confortavelmente balança entre valores opostos, julgando nisso liberdade. No entanto, mostra-se nisso cada vez mais preso, enredado e confuso, diante da ausência de sentido que esta experiência busca e reforça.
Não há nada que se efetue no Universo fora da naturalidade. Sendo que a busca por valores comuns beneficiadores também pode ser concebida dentro de uma naturalidade, que permite a multiplicidade de seres, dentro da unicidade, em plena harmonia. Valores comuns, no entanto, não estão atrelados aos diferentes pontos de vista humanos e a o que um ou outro entende como sendo bom ou ruim. Valores comuns são — antes de valores materiais, sociais ou culturais móveis, temporais e muitas vezes contraditórios — espirituais. Portanto, comuns aos humanos em sua constituição essencial (espiritual), quer queiram ou não, gostem disso ou daquilo. Eles obedecem às leis intrínsecas à sua constituição espiritual, embasando e originando o que somos, concordemos ou não, saibamos ou não.
Sendo que aqui a espiritualidade não é vista como mera religião a ser escolhida como categoria cultural ou fruto da expressão de uma personalidade individual livre. Aqui a espiritualidade é vista como constituição, base indiscutível, anterior à concretização do corpo humano na Terra e às nomenclaturas e obras sociais e históricas que disso decorrem. Ela precede esta encarnação e inclusive a própria vida na Terra, e sendo de orientação Universal, age de acordo com as Leis maiores que regem tudo que há: do movimento dos corpos, às centelhas de vida.
Para se compreender a busca por valores comuns, é preciso estudar, procurar e estar atento a estas Leis, caso contrário o sentido da vida e os valores comuns da humanidade se resumirão a um emaranhado de opiniões pessoais, sujeitas a relativização do ponto de vista pessoal, e a infinitos embates, onde o sentido do bem comum se perde ou pouco se concretiza, passando a discurso vazio. Como acontece com o fato de tanto e, como nunca, se pregar a paz como valor universal em uma sociedade que individual e coletivamente nutre, por vontade, liberdade e opinião própria, cada vez mais violência. A coexistência de diferentes nações, métodos políticos, expressões pessoais e personalidades só é possível se harmônica e em natural sinergia, orientadas pela adoção voluntária e autêntica de valores que sirvam a todos.
Valores anteriores ao ser humano e maiores que ele, somente possíveis de serem encontrados por quem for capaz de conceber a razão de sua existência para além de si mesmo e de suas vontades, pois em nome do relativo ponto de vista de cada um, já cometemos as maiores atrocidades, como julgar ser valor humano comum o desejo pessoal de alguns que originou a escravidão, o holocausto e outras coisas similares. Sendo que, deslegitimar, histórica e cientificamente, a possibilidade de concessão de sentido à vida ou soterrar o impulso por sua busca, nutrindo em seu lugar um vácuo existencial, é apenas mais um exemplo delas.
(*) Maiores esclarecimentos no livro Na Luz da Verdade - Mensagem do Graal, de Abdruschin.