Frade apóstata, herético impenitente, pertinaz e obstinado. Com essa sentença, a Inquisição Romana pensou ter dado um fim à existência de Giordano Bruno. O tempo seguiria seu curso; a Igreja continuaria tranqüila e a História não mais falaria de um homem considerado um marginal em seu tempo.
Tudo podia se dar dessa forma se a História e a Filosofia fossem apenas palavras ditas à solta ainda que bem articuladas.
Esqueceram-se não apenas dos conceitos éticos e preceitos da religião à qual diziam defender, mas sobretudo do espírito: aquele que anima todas as coisas e se concretiza na História. Aquele que parece tudo permitir, mas que segue o caminho da Justiça. Negaram a vida e a tolerância, reafirmando a morte, que nos sermões proferidos aos fiéis diziam não existir.
Esqueceram-se do fundamento comum a todos os credos:
“… enquanto considerarmos mais profundamente o ser, e a substância daquilo em que somos imutáveis, ficaremos cientes que não existe a morte, não só para nós mas também para qualquer substância, enquanto nada diminui substancialmente, mas tudo, deslizando pelo espaço infinito, muda de aparência.” (94)
Esquecimento e lembrança não são argumentos para uma análise filosófica, assim diriam os “doutores de Oxford”. E de fato não o são. Sobretudo a Filosofia produzida nas academias, mas podem ser válidos para um questionamento humano, porque cheio de emoções, sentimentos e ações concretas, como uma condenação ou um julgamento. Queiramos ou não, assim é a História e também a Filosofia.
Embora o fundamento do processo estivesse centrado no questionamento dos dogmas católicos e no combate à religião institucionalizada, tornava-se necessário dar uma base jurídica à condenação do Filósofo, para que mais tarde ele fosse entregue ao braço secular.(95) Desta forma, a condenação assume uma perspectiva metafísica, porque ligada à religião; e política, porque ligada ao Estado ou à autoridade secular.
De acordo com Vítor Matos de Sá, numa introdução a Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos, a condenação de Giordano Bruno “jogou a vocação da pessoa humana nas fronteiras da sua vocação filosófica (tanto teórica quanto prática – desde os princípios objectivos às suas mediações inter-subjectivas)” (sic). Homem e filósofo tornaram-se marginais em seu tempo, quando expulso da comunidade religiosa e acadêmica. Deu-se uma separação entre teoria e prática; não havia mais espaço para o direito fundamental: a vida.
Giordano Bruno não poderia optar pela religião ou pela academia, porque suas fronteiras se tornaram estreitas e o caminho não conduzia à Verdade tão procurada pelo Filósofo. Restava-lhe única opção, a mais radical entre todas as que surgiram em seu caminho durante vida errante pela Europa: a opção pela liberdade, que fatalmente o conduziria à execração pública e à morte.
Morreu para defender a sua fé na Natureza Divina do Mundo, como expressão do Criador. Morreu pelo que trazia dentro de si: o “amor heróico” à Vida e à Liberdade.
“E assim, à luz da própria morte, é ele quem põe à prova, com a missão da sua vida, algo da nossa vocação filosófica, algo de sentido (imanente e transcendente, histórico e espiritual) da nossa própria existência.” (96)
Passamos a discutir agora o peso histórico e o erro filosófico contidos na sua condenação.