“Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho, e vindo as aves a comeram. Outra parte caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu visto não ser profunda a terra. Saindo, porém, o sol, a queimou, e porque não tinha raiz, secou-se. Outra caiu entre os espinhos, e os espinhos cresceram e a sufocaram. Outra, enfim, caiu em terra boa, e deu fruto: a cem, a sessenta e a trinta por um.”
(Mt13:3-8; Mc4:3-8; Lc8:5-8)
Jesus concede uma explicação para essa parábola logo depois de tê-la proferido. Em relação às sementes que caem à beira do caminho, o esclarecimento é o seguinte:
“A todos que ouvem a Palavra do reino e não a compreendem, vem o maligno e arrebata o que lhes foi semeado no coração. Este é o que foi semeado no caminho.”
(Mt13:19)
A expressão “semeado no coração” mostra bem a profundidade com que a Palavra, que traz os esclarecimentos sobre as leis da Criação, deve ser assimilada. Conforme já visto, coração tem o mesmo sentido de âmago mais profundo, o íntimo do ser humano. A Palavra é nutrição para o espírito, não para o corpo. Somente o espírito pode assimilar a Palavra e compreendê-la realmente. A Palavra não pode frutificar no solo árido do raciocínio humano, mas apenas no seu espírito, no seu coração. A respeito do estado lastimável do coração do povo em geral, Jesus já tinha avisado pouco antes:
“O coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com os seus ouvidos e fecharam os seus olhos; para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e sejam por mim curados.”
(Mt13:15)
Com essa parábola da sementeira, Jesus mostra como os seres humanos deviam assimilar a própria Palavra de que ele era portador. Entender a Palavra com o coração significa apropriar-se integralmente dela, o que só é possível quando se a coloca em prática pela movimentação do espírito, em obediência à Lei do Movimento.
Com maligno deve-se entender aqui o princípio mau, errado, inserido na matéria por Lúcifer, a fim de desviar os que não são suficientemente firmes em si mesmos. É o chamado “princípio das tentações”. Daí a advertência de Pedro: “Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como um leão que ruge, procurando a quem devorar” (1Pe5:8). A palavra hebraica para tentação é nasah, que significa também pôr à prova ou examinar, indicando um preceito errado, incompatível com o Amor e a bondade do Onipotente.
Daí a advertência de Jesus: “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação” (Mt26:41). Essa exortação não indica que se uma pessoa velar e orar ela não será tentada, mas sim que se fizer isso ela não cairá em poder da tentação. (1) Aliás, cada pessoa aqui na matéria grosseira se acha de tal modo protegida, que é uma vergonha enorme deixar-se engodar por uma tentação, cuja força é muito menor que a dela própria. Foi exatamente isso que Paulo disse aos Coríntios: “Não vos sobreveio tentação alguma que ultrapassasse as forças humanas” (1Co10:13). A resistência à tentação não deveria ser uma miraculosa exceção entre os seres humanos, mas uma regra geral com um final feliz: “Feliz o homem que resiste à tentação” (Tg1:12).
A exortação do Mestre para se conservar a máxima vigilância espiritual, para com isso não se cair em tentação, foi dirigida não apenas aos discípulos, mas a todos os homens: “O que vos digo, digo a todos: vigiai!” (Mc13:37). E o “orai” teria de ser legítimo, fruto da intuição espiritual, e não uma reza mecânica qualquer, mesquinha: “Não sejas mesquinho na tua oração” (Eclo7:10). Não há valor numa oração sem coração. De nada adianta a um indivíduo orar se, ao mesmo tempo, não estiver comprometido em cumprir a Lei de Deus, pois orações desse tipo não passam de hipocrisia condenável: “Quem desvia os ouvidos para não ouvir a Lei, até a sua oração será execrável” (Pv28:9). Esse tipo de oração não se eleva a nenhuma região luminosa, não consegue ultrapassar nem o teto que abriga o hipócrita rezador. Somente quem coloca a Palavra em prática em todos os aspectos da vida pode manter a vigilância espiritual e orar com a alma aberta. Este é o único modo de permanecer protegido contra as tentações das trevas e livrar-se do mal aderido a si.
A Palavra dada pelo Filho de Deus, que era ele próprio encarnado, protege e guarda aquele que procura não pecar mais, porque este renasceu em si mesmo, passando a viver segundo o sentido dessa Palavra. É também este o significado do “nascer de novo” (Jo3:3) ou “nascer de Deus” que aparece na primeira Epístola de João:
“Nós bem sabemos que todo aquele que nasceu de Deus não peca, mas o Filho de Deus o guarda, e o maligno não o apanha. E bem sabemos que somos de Deus, ao passo que o mundo inteiro está sob poder do maligno.”
(1Jo5:18,19)
A semente que cai à beira do caminho indica aquela pessoa que não põe a Palavra em prática em sua vida. Desse modo, ela não é capaz de assimilá-la, não se lhe torna algo próprio e acabará por perdê-la nas armadilhas postas à sua frente pelos acólitos luciferianos.
Vejamos a explicação de Jesus para as sementes que caem em solo rochoso:
“O que foi semeado em solo rochoso, esse é o que ouve a Palavra e a recebe logo com alegria, mas não tem raiz em si mesmo, sendo antes de pouca duração; em lhe chegando a angústia ou a perseguição por causa da Palavra, logo se escandaliza.”
(Mt13:20,21)
Estes são os entusiastas volúveis, o fogo de palha. Reconhecem o valor da Palavra, posto que a ouvem com alegria, mas devido à sua superficialidade não a ancoram firmemente dentro de si, não a enraízam em seus espíritos. São as sementes que brotam rapidamente e logo secam. Assim como os primeiros, eles não se animam a colocar a Palavra efetivamente em prática em suas vidas, porque isto demanda perseverança e se choca inevitavelmente com os conceitos e hábitos que predominam no mundo – “os raios do sol já os fazem secar, porque não tinham raiz”.
A explicação dada por Jesus para as sementes que caem em meio aos espinhos é a seguinte:
“O que foi semeado entre os espinhos é o que ouve a Palavra, porém os cuidados do mundo e a fascinação das riquezas sufocam a Palavra, e fica infrutífera.”
(Mt13:22)
Como a Palavra é dirigida ao espírito, ela é um guia para a existência inteira do ser humano, e não apenas para os poucos anos de uma curta vida terrena. As pessoas que colocam o intelecto acima do espírito, o raciocínio acima da intuição, acabam por colocar também – como conseqüência natural – a vida material e seus prazeres acima da vida espiritual, o efêmero sobre o valioso.
Jesus não condena a posse de riquezas, mas sim o deixar-se envolver por elas. Para os fracos de espírito, a comodidade proporcionada pelos bens materiais pode facilmente abafar neles a Palavra recebida, tal como um espinheiral.
Foi para evitar essa situação que Jesus deu àquele jovem rico o conselho para que se desfizesse de seus bens e o seguisse (cf. Lc18:18-23). O conselho referia-se exclusivamente àquele jovem e aos de sua igual espécie, que se deixam enlevar pela posse de riquezas em detrimento do progresso espiritual. Não se referia, absolutamente, a uma diretriz geral para toda a humanidade. Para esses tais, que se deixam literalmente absorver pelas riquezas deste mundo, será realmente mais fácil “um camelo passar pelo fundo de uma agulha” (Mt19:24) (2) do que entrarem eles no reino dos céus, pois não é possível ao mesmo tempo “servir a Deus e às riquezas” (Mt6:24).
Jesus dá a seguinte explicação para o último lote de sementes, o quarto, que cai em boa terra:
“Mas o que foi semeado em boa terra é o que ouve a Palavra e a compreende; este frutifica, e produz a cem, a sessenta e a trinta por um.”
(Mt13:23)
Vemos então que somente a quarta parte dos que ouviram a Palavra de fato a compreenderam e deixaram que frutificasse dentro de si. E Jesus nem menciona aqueles que nada quiseram saber da Palavra de Deus, e que constituem a imensa maioria dos seres humanos.
Ouvir a Palavra e compreendê-la realmente outra coisa não é senão assimilar a Palavra dentro de si e colocá-la em prática. Quem procede assim passa a viver de tal modo que se torna, ele próprio, uma bênção para a Criação em que vive. Das capacitações que desperta em si mesmo pelo modo correto de viver, ele retribui em abundância para o mundo em redor. Alguns mais (cem e sessenta por um), outros menos (trinta por um), segundo o nível de desenvolvimento espiritual de cada um, mas todos sempre em absoluta conformidade com a lei do equilíbrio contínuo: o dar e o receber. O trecho correspondente no Evangelho de Lucas é um pouco diferente, mas a característica da boa semente – frutificar com perseverança – permanece:
“A que caiu em boa terra são os que, tendo ouvido de bom e reto coração, retêm a Palavra; estes frutificam com perseverança.”
(Lc8:15)
Infelizmente, a boa terra – as almas purificadas e aneladas pela Luz, tão necessária para o perfeito plantio e plena frutificação da Palavra, é cada vez mais escassa no mundo. Só o que se vê hoje em dia são pequenas ilhotas de boa terra aqui e acolá, cercadas de vastidões de solo rochoso e espinheirais cerrados…
A possibilidade outorgada aos seres humanos de produzirem frutos em abundância, pelo desenvolvimento certo e aplicação perseverante de suas capacitações, é igualmente retratada nas parábolas dos talentos e das minas, que veremos mais à frente.