A Abrangência das Parábolas do Mestre

O Bom Samaritano

“Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto. Casualmente descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de largo. Semelhantemente um levita descia por aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo. Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E, chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho, e colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e se alguma coisa gastares a mais eu to indenizarei quando voltar.”

(Lc10:30-35)

Novamente Jesus aponta para as diferenças marcantes entre as exterioridades e o íntimo dos seres humanos.

Naquela época, Jericó era uma vila que hospedava os sacerdotes e levitas que voltavam para casa após o turno semanal de serviço no Templo. O sacerdote, que deveria ser um exemplo de amor ao próximo, passa ao largo do homem atacado. O mesmo faz o levita, que assim como o sacerdote detinha uma posição respeitada, sendo muito bem considerado entre o povo. (1) Em nenhum dos dois brotou o menor sentimento de compaixão pelo semimorto, pois a intuição de ambos estava obliterada pelo raciocínio calculista, fomentado pela sua religião rígida, que afirmava que o sangue derramado era um “líquido impuro”. O único que se compadeceu daquele infeliz foi justamente o samaritano.

Samaritanos eram os habitantes da Samaria, nome derivado de seu antigo proprietário, Semer. Na época de Cristo denominava-se Samaria a região situada entre a Galiléia ao norte e a Judéia ao sul. Em 880 a.C., o rei Onri de Israel fundou uma cidade com esse mesmo nome, Samaria, atual Sabastya, situada a 56 km de Jerusalém.

Os samaritanos eram desprezados pelos judeus porque professavam uma religião paralela – um amálgama de crenças israelitas e pagãs – e não reconheciam o local legítimo de culto, o Templo de Jerusalém, tendo construído seu próprio templo num monte chamado Garizim, por volta de 400 a.C., o qual foi posteriormente destruído pelos judeus. Além disso, eles tinham o sangue “meio-gentio”, devido a cruzamentos com os estrangeiros que chegaram à sua terra trazidos pelos antigos conquistadores assírios, e por isso os judeus evitavam todo contato com eles: “os judeus não se relacionam com os samaritanos” (Jo4:9). Os samaritanos eram considerados “o povo estúpido que habita em Siquém, que nem sequer é uma nação” (Eclo50:25,26). A cidade de Siquém (atual Nablus) era a capital do reino do norte, onde ficava a Samaria. Quando os fariseus quiseram ofender Jesus, o xingaram de samaritano: “Não temos nós razão ao dizer que és um samaritano e que tens demônio?” (Jo8:48). Para os judeus daquela época não existia injúria pior do que ser comparado a um samaritano, e a própria idéia de um “bom samaritano” seria para eles algo inconcebível. Quando precisavam se deslocar para o norte, preferiam fazer uma volta imensa a ter de passar pelos territórios dos samaritanos.

Contudo, exterioridades e preconceitos inventados pelos homens não têm nenhum significado, nenhum peso diante das leis da Criação. O que dá a medida do valor ou desvalor de uma criatura é tão-somente o seu íntimo, sua vontade intuitiva ou espiritual, única e exclusivamente. Dessa contingência o próprio Jesus já havia dado exemplos vários, como quando se dirigiu normalmente a uma samaritana e lhe pediu um pouco de água (cf. Jo4:7), e também quando curou dez leprosos e notou que apenas um deles, justamente um samaritano, voltou para agradecer-lhe (cf. Lc17:15-18).

Ao ver a situação em que se encontrava o homem que fora atacado, o samaritano sofreu junto com ele, “como se tivesse sido ele mesmo, em pessoa, o maltratado” (Hb13:3). Vendo-o, compadeceu-se dele, ou conforme diz literalmente o trecho no original grego: “comoveu-se até as entranhas”.

O samaritano compreendeu perfeitamente o sofrimento do seu próximo, tudo fazendo então para minorá-lo. Não o acudiu para ter a consciência tranqüila ou para vir a ser bem falado entre as demais pessoas de seu círculo, não, tampouco porque alimentava a esperança de que sua boa ação lhe fosse creditada no céu. Nada disso. Ajudou desinteressadamente, apenas para que aquele homem não continuasse a sofrer. Nem se preocupou se acaso ele também era samaritano ou não, se era um judeu ou mesmo um romano. Cumpriu assim, da maneira mais natural a Lei do amor, o “amarás teu próximo como a ti mesmo” (Mt22:39; Lc10:27), pois “quem ama o próximo cumpre plenamente a Lei” (Rm13:8), visto que “o amor é o cumprimento perfeito da Lei” (Rm13:10). O conjunto dos Mandamentos do Senhor Deus são automaticamente cumpridos por aquele ser humano que ama seu semelhante como a si mesmo.

Num acontecimento terrenal, aparentemente secundário e desprovido de significado espiritual, o samaritano mostrou toda a grandeza do seu coração, porque é nas coisas mínimas que se refletem as máximas: “quem é fiel nas coisas mínimas, é fiel também no muito” (Lc16:10). Dessa maneira o samaritano, justamente ele, tido como herege e fora da lei por seus conterrâneos, foi o único que pôs em marcha a Lei da Reciprocidade no sentido desejado pelo Alto, ou seja, a seu favor.

  1. Levitas eram os membros da “tribo de Levi”, descendentes de Levi, um dos doze filhos do patriarca Jacó (cf. Gn29:34). Eram tradicionalmente encarregados do serviço no Templo, onde assistiam a classe sacerdotal dos saduceus no exercício de suas funções. Eles tinham direito a receber um dízimo próprio e habitavam as cidades levíticas. Retornar