“O campo de um homem rico produziu com abundância. E arrazoava consigo mesmo: Que farei? Pois não tenho onde recolher os meus frutos. E disse: Farei isto: destruirei os meus celeiros, reconstrui-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então direi à minha alma: Tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come e bebe, e regala-te. Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma, e o que tens preparado para quem será? Assim é quem entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus.”
(Lc12:16-21)
Repete-se aqui a advertência sobre a insensatez dos que se esforçam em ajuntar tesouros na Terra e que devido a isso menosprezam a vida espiritual, esquecendo-se de que “não só de pão vive o homem” (Lc4:4). Aqui na Terra não somos mais do que uma “neblina que aparece por um instante e logo se dissipa” (Tg4:14); nossos dias “são como a sombra que passa” (Sl144:4). A vida terrena é muito curta, e os bens materiais são efêmeros, o berço e o ataúde de uma pessoa podem ser feitos da madeira de uma mesma árvore.
Conforme já dito, a riqueza em si não é algo errado. Errado é o uso que dela faz seu possuidor, quase sempre de modo egoístico, visando unicamente seus próprios interesses, “colocando sua esperança na instabilidade da riqueza” (1Tm6:17), sem atentar “que a vida do homem não é assegurada por seus bens” (Lc12:15) e que “quem confia nas suas riquezas cairá” (Pv11:28). Uma tal pessoa, na verdade, não possui a riqueza que imagina ter, ao contrário, com seu devotamento ao dinheiro é literalmente possuído por ela. E com isso também deixa em segundo plano, quando não descarta totalmente, a imprescindível busca pelas riquezas espirituais, as únicas perenes, que poderia e deveria obter em seus caminhos de desenvolvimento.
Mesmo o Antigo Testamento não condena a riqueza em si, tida como meio de realização para todos. Um indivíduo rico, que sabe utilizar seus bens para o benefício de muitos, através da geração de empregos e o desenvolvimento geral das condições de vida, é um elemento muito útil na Criação, pois com sua atividade corretamente direcionada ele contribui para que a Lei do Movimento e a Lei do Equilíbrio sejam vivificadas na vida terrena, o que também lhe trará ricas bênçãos no efeito retroativo: “Dispõe do teu tesouro segundo os preceitos do Altíssimo, e será para ti mais proveitoso que o ouro” (Eclo29:11). Mediante essas leis avigoradas aplicadas à matéria, tal pessoa permite àquelas que trabalham para ela familiarizarem-se corretamente com a Lei da Reciprocidade, através do trabalho. Os empregados dão à empresa seu trabalho, para que ela cresça e se desenvolva, e em troca recebem uma retribuição em forma de dinheiro, um instrumento transitório que lhes possibilita obter o necessário para suas vidas terrenas. O dinheiro nada mais é do que um meio para facilitar o dar e o receber na matéria grosseira.
Assim, tão simples, deveriam ser as relações de trabalho entre as pessoas que vivem na Terra. Cada qual dando sua contribuição de acordo com suas próprias capacitações, obtidas segundo o caminho de desenvolvimento trilhado durante a existência. Todas elas, porém, tendo como objetivo máximo de vida o aperfeiçoamento espiritual, através do pleno reconhecimento das leis da Criação e a sábia sujeição voluntária a estas, para o que a vida terrena se constitui numa escola imprescindível. Sim, porque o verdadeiro lucro advindo de um trabalho, assim como em tudo o mais, são as vivências proporcionadas ao espírito humano durante sua realização, visto que unicamente estas o fazem amadurecer e ascender. A remuneração pelo trabalho executado só é de utilidade aqui na Terra, mas as vivências adquiridas por uma pessoa durante sua consecução seguem junto com ela para o Além, como verdadeiro substrato de sua existência.
Além disso, a satisfação obtida pelo trabalho executado com presteza preenche o espírito humano, fazendo com que ele se sinta, com todo o direito, uma peça útil e necessária na engrenagem que movimenta a Criação. Pouco importa aí o ramo de atividade. O que realmente tem valor é a maneira como o trabalho é executado. A atividade assim executada passa a ter vida, torna-se realmente viva, espiritualizada, uma fonte de alegria constante para o executante e seu ambiente, pois “alegrar-se no seu trabalho é dom de Deus” (Ecl5:18). Seu “permanente regozijo” (1Ts5:16) nisso é como um hino contínuo de gratidão ao Criador, pois a gratidão acha-se estreitamente ligada à alegria. A criatura grata sente uma alegria legítima e também uma paz legítima. Essa alegria e essa paz impelem-na a executar seu trabalho com aplicação redobrada, como maneira de expressar, através da ação, seu agradecimento ao Senhor.
Sobre isso, Paulo já exortara os Colossences: “Tudo o que fizerdes, fazei-o de coração, como para o Senhor e não para os homens” (Cl3:23). Cito aqui, mais uma vez, uma passagem da obra Na Luz da Verdade de Abdruschin, dissertação “Natal”:
“Transformai tudo o que pensais e fazeis num servir a Deus! Então vos sobrevirá aquela paz pela qual ansiais. E quando os seres humanos vos afligirem pesadamente, seja por inveja, maldade ou baixos costumes, tereis a paz dentro de vós para sempre, e ela ajudar-vos-á, finalmente, a vencer todas as dificuldades!”
Os bens terrenos, quando advêm automaticamente por efeito da reciprocidade, proporcionam alegria e embelezam a vida terrena. Sua usufruição alegre equivale a um agradecimento ao Criador, um reconhecimento das dádivas que Ele proporciona às Suas criaturas quando estas se enquadram voluntariamente nas diretrizes de Sua Vontade perfeita. Contudo, nunca devem ser considerados como a meta suprema a ser atingida aqui na Terra.
Mas, infelizmente, para a imensa maioria das pessoas a finalidade da vida consiste exatamente nisso: angariar a maior quantidade possível de dinheiro e acumular o máximo de bens terrenos. Empregam nisso todos os seus esforços durante sua vida inteira, literalmente “pondo o coração nas riquezas que prosperam” (Sl62:11). Depois de anos, dizem então para si mesmas que “venceram na vida”, versão moderna do “regala-te minha alma”. Não se incomodam de terem desperdiçado assim seu preciosíssimo tempo terreno, o que, nesta época do Juízo Final, significa a possibilidade de poder ou não continuar existindo espiritualmente. O tempo perdido não é mais recuperado.
Lucro e lucro… E lucro! Acima de tudo! Nunca, em tempo algum da História, o “primeiro e maior dos Mandamentos” (Mt22:38) foi tão criminosamente desobedecido, tão acintosamente menosprezado, tão desdenhosamente escarnecido por uma criatura como o foi pelo ser humano contemporâneo: “Tu não tens olhos nem coração, senão para o teu lucro” (Jr22:17). O lucro como fim em si mesmo não gera prosperidade, não traz movimentação benfazeja, ao contrário, provoca somente estagnação ao gerar apenas mais lucro ainda, numa absurda espiral ilusória de riqueza, em tudo semelhante a uma Torre de Babel financeira, cujo fim também não será menos catastrófico.
Um tal esforço convulsivo na obtenção do lucro pelo lucro é, no entanto, apenas uma decorrência natural do domínio irrestrito do intelecto na vida humana, em detrimento do espírito. Como o raciocínio é um produto do cérebro, que nada mais é do que um órgão do corpo material, ele só está apto a tratar da matéria e das coisas a ela relacionadas, devido à sua própria constituição. Jamais poderá servir como guia infalível para o ser humano, que é propriamente espírito, e que por isso mesmo possui incumbências e objetivos muito mais elevados, não podendo desperdiçar sua vida unicamente à cata de valores terrenos, invariavelmente perecíveis e efêmeros.
Essa inclinação por valores materiais nada mais é do que uma espécie de idolatria. A respeito dos males gerados com o pendor pelo dinheiro, é bastante significativa essa passagem do livro apócrifo Testamento dos Doze Patriarcas: “O amor ao dinheiro conduz à idolatria, porque quando desviados pelo dinheiro os homens invocam como divindade o que não é divindade, e isso faz cair na demência aquele que possui.” O apóstolo Paulo também já advertira os Colossences de que “a ânsia de posse é uma espécie de idolatria” (Cl3:5). Essa idolatria não servirá a ninguém depois da morte. O ser humano não poderá comprar sua salvação com dinheiro, antes a perderá, visto ter gasto seu tempo terreno unicamente para acumular riquezas. Quando finalmente acordar, e reconhecer que “mais vale um pobre que caminha na integridade do que um rico de conduta perversa” (Pv28:6), o arrependimento mais plangente e a súplica mais lacrimosa já não lhe servirão de nada, pois terão vindo tarde demais…
De que vale uma pessoa despender seu valioso tempo terreno para fazer crescer o saldo bancário e usufruir egoisticamente efêmeros bens terrenos, obtidos no mais das vezes pela astúcia do raciocínio, se após a morte tiver de verificar, com o mais profundo horror e desespero, que jogou fora levianamente o último prazo para sua salvação? “De que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder sua alma?” (Mc8:36). De que lhe terá servido então alguns poucos anos de enriquecimento material forçado, em comparação com a vida eterna que lhe é denegada? De que lhe valerá naquela hora os grandes celeiros que possuíra nesta vida? Ou, na única linguagem que entende bem: terá feito um “bom negócio”?…