1) Em fins de abril de 1995 um jovem executivo inglês, efetuando operações de risco num mercado chamado “derivativos”, (1) levou à falência em três semanas um banco britânico com 232 anos de existência. Uma onda de perplexidade e medo varreu o mundo financeiro na época, com o receio de uma repetição em cascata desse acontecimento. Uma revista noticiou que a forma como se deu a implosão da grande casa bancária era “o mais nítido e apavorante retrato das finanças mundiais neste fim de século…”
2) As transações financeiras no mundo são hoje praticamente instantâneas. Ocorrem através de bits de computador, situação que preocupa terrivelmente os governos, já que todos os aplicadores estão interligados. Trilhões de dólares passeiam assim pelo mundo a cada dia, mudando continuamente de endereço. Acredita-se que bastaria um de cada quatro dos donos desse capital decidir trocar seus dólares por alguma outra moeda para que a economia mundial entrasse em colapso.
Uma matéria sobre essa fragilidade econômica mundial, publicada na revista Veja de 29/03/1995, dizia:
“Reputações e fortunas se corroeram em Wall Street nos últimos meses devido à velocidade das transações. (…) Alguém perde um bilhão de dólares na bolsa de mercadorias nos confins da Ásia e os bancos centrais de todo o mundo sentem-se vulneráveis. Preços de ações caem na Europa e moedas são desvalorizadas na América do Sul. Desaba uma economia pequena como a do México e arma-se uma tempestade monetária no Brasil. O que está acontecendo com as finanças internacionais?”
Essa situação inusitada, absolutamente inimaginável há alguns anos atrás é um dos efeitos da globalização. O diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional) chegou a propor a criação entre os países de um fundo de emergência de 50 bilhões de dólares para resolver problemas econômicos agudos, como a espetacular crise financeira mexicana que surpreendeu e abalou o mundo inteiro (falaremos dela mais adiante).
Segundo o diretor-gerente, “a crise mexicana foi de um gênero novo, sem precedentes, e mostrou a rapidez das pressões que se exercem nos mercados globalizados.”
O comentarista econômico Joelmir Beting sintetizou assim essa situação aflitiva:
“A constatação é melancólica. A globalização não foi desejada pelos governos nem conspirada pelas empresas, ela simplesmente aconteceu, partejada pela tecnologia da informação em tempo real e em escala planetária. (…)
A moeda virtual, que dá a volta ao mundo em menos de um segundo, escapou do controle dos bancos centrais. (…)
Essa massa telúrica, que aciona uma ciranda digital de alguns trilhões de dólares por dia, pode dobrar a espinha de um país presunçoso como o México ou simplesmente quebrar um banco inglês do século XVI numa simples jogada de cassino cibernético. (…)
Essa movimentação telúrica não transporta átomos de dinheiro ou ouro. Transporta bits. Que valem tanto quanto o dinheiro ou o ouro.”
O dinheiro deixou de ser aquele meio transitório que indicava simplesmente o que foi produzido por uma pessoa, uma comunidade ou uma nação. Seu valor é falso, não condiz com aquilo que representa. O dinheiro não é mais um instrumento da Lei do Equilíbrio, já que representa uma riqueza que não foi produzida. Em outras palavras: a humanidade quer, com o seu dinheiro falsamente valorizado, receber materialmente mais do que aquilo que ela produz, quer receber mais do que dá. É uma torção da Lei natural, que só pode resultar em descalabro total.
O mesmo artigo sobre economia mencionado acima comentava:
“Os volumes de recursos em poder dos mercados são tão grandes que não existem riquezas materiais capazes de se comparar com suas dimensões. Giram hoje no mercado de ações cerca de 32 trilhões de dólares; no mercado de derivativos outros 35 trilhões. Todo o ouro do mundo retirado desde os tempos do rei Salomão não soma 6 trilhões de dólares. (…)
Os derivativos crescem dezenas de vezes mais rápido do que a economia mundial. Há dois anos, havia 2 trilhões de dólares investidos em derivativos no mundo. Doze meses atrás já eram 16 trilhões. A última avaliação apontava para 35 trilhões, ou seja, uma riqueza equivalente a 70 vezes o PIB do Brasil está sendo arriscada neste instante em apostas. (2) Alguns bancos americanos estão montando programas de aplicação em derivativos com a ajuda de supercomputadores Cray, os mesmos que os cientistas utilizam quando fazem simulações de uma explosão atômica.”
Em seu livro Novas e Velhas Ordens Mundiais, Noam Chomski diz:
“Em 1971, cerca de 90% de todas as transações externas eram para o financiamento do comércio e para o investimento de longo prazo, e somente 10% eram especulativas. Hoje essas porcentagens foram invertidas, com bem mais de 90% de todas as transações sendo especulativas. Os fluxos especulativos diários agora regularmente suplantam as reservas cambiais somadas de todos os governos do G-7.”
Viviane Forrester resumiu assim a sua visão desses acontecimentos no seu livro O Horror Econômico:
“Todo um tráfico no qual se compra e se vende o que não existe; um intercâmbio não de ativos reais nem mesmo de símbolos baseados nesses ativos, mas no qual se compram, no qual se vendem, por exemplo, os riscos assumidos por contratos a médio ou a longo prazo e ainda por concluir, ou que são apenas imaginados; no qual são cedidas dívidas que serão, por sua vez, negociadas, revendidas, resgatadas sem limites; no qual se fecham, em geral amigavelmente, contratos recheados de vento, sobre valores virtuais ainda não criados, mas já garantidos, que suscitarão outros contratos, também fechados amigavelmente, referentes à negociação desses contratos! (…)
Esses mercados não desembocam em nenhuma criação de riquezas, em nenhuma produção real. Não necessitam sequer de endereços imobiliários. Não utilizam pessoal, já que bastam alguns telefones e computadores para atingir mercados virtuais.”
Em fins de março de 1995 foram realizados dois congressos mundiais, em Nova York e Barcelona, para tratar da insegurança do sistema financeiro mundial. Andrew Crockett, diretor de uma instituição definida como o banco central dos bancos centrais dos países, procurou dar uma declaração tranquilizadora: “Há problemas, mas não haverá um Dia do Juízo Final, pelo menos não no horizonte visível…”
3) Depois da primeira grande crise do sistema monetário europeu em 1992, (3) o dólar despencou abruptamente frente ao marco alemão ao nível mais baixo do pós-guerra no início de março de 1995, acarretando intervenções de vários governos europeus que tentavam segurar suas moedas. Depois desse sismo econômico, os presidentes dos bancos centrais dos Estados Unidos e Alemanha deram uma declaração que mostrava de forma clara a perplexidade de que estavam tomados, quando declararam eufemisticamente considerar “sem nenhum fundamento verdadeiramente econômico o clima de instabilidade cambial que por várias vezes nos últimos meses chegou a ameaçar a ordem financeira internacional.”
Em setembro de 1995 o dólar voltou a cair, provocando a queda de todas as grandes bolsas de valores do mundo. Na época, um ministro alemão inadvertidamente opinou que o sistema financeiro italiano era frágil… Pronto. Foi o que bastou para levar o caos à praça financeira de Milão, a principal da Itália, e abalar todas as outras praças européias…
Vê-se, portanto, que frágil mesmo é a economia mundial e seu sistema financeiro interligado (globalizado).
4) Em julho de 1995 a Bolsa de Nova York caiu 100 pontos, assustando na época todo o mercado financeiro internacional. Em setembro de 1987 as bolsas de todo o mundo haviam caído em cascata, quando a de Nova York despencara em mais de 500 pontos, no que ficou conhecido como “a segunda-feira negra”. Em dezembro de 1996, nova cascata de quedas nas bolsas de todo o mundo, depois de uma autoridade monetária dos Estados Unidos ter comentado “que o mercado acionário estava superaquecido.”
Um dos mais famosos e poderosos investidores do mundo, o húngaro George Soros, deu a seguinte declaração numa entrevista em abril de 1996:
“A falsidade a meu ver é a idéia, que impera no mundo, de que os mercados são perfeitos e, portanto, tendem ao equilíbrio. Estou convencido de que os mercados são imperfeitos e de que no futuro podem nos conduzir a um formidável colapso na economia do planeta. (…)
Fico mais preocupado ainda porque sei que normalmente um crash planetário, como um terremoto, dá sinais antecipados de que vai ocorrer. Por mais que tente, não consigo detectar esses sinais…”
Em outubro de 1997 ele foi mais claro:
“Os mercados financeiros são tão inerentemente instáveis que têm potencial para destruir a sociedade.”
A idéia de funcionamento de uma bolsa de valores é boa: alguém acredita no desenvolvimento de uma determinada empresa, e por essa razão compra ações dela; com isso a pessoa contribui financeiramente para a empresa, que pode assim mais facilmente desenvolver-se e posteriormente retribuir ao acionista parte dos lucros. É o dar e receber em proveito mútuo. Contudo, as bolsas de valores não são utilizadas desta forma, mas sim como um meio de ganhar dinheiro rápido através da especulação financeira, com a compra e venda contínua de ações das mais variadas empresas. Nada se produz em troca desse dinheiro ganho com a especulação. Algo assim tão insano não poderia mesmo ter um fim tranquilo.
5) O problema da “doença da vaca louca”, (4) que surpreendeu o mundo em 1996, não ficou sem consequências econômicas danosas para os países atingidos.
A ignorância e a avidez do ser humano foram a causa dessa inusitada moléstia. Há cerca de dez anos, alguns pecuaristas tiveram uma idéia “engenhosa” para reduzir os custos de sua produção: misturar pó de carcaças de carneiro às rações do gado. Como a vaca é essencialmente um animal herbívoro, o ser humano, com a sua ração “aperfeiçoada”, acabou transformando o gado num rebanho de canibais, que devora, senão seus semelhantes, pelo menos um parente próximo. O resultado é que milhares de reses vêm sendo abatidas e em seguida incineradas em vários países desde 1996, na tentativa de erradicar a doença da vaca louca.
Na Inglaterra, onde teve início a epidemia, a recusa de outros países em importar carne e derivados de leite causou a maior crise do setor em toda a sua história. No início da epidemia falava-se em sacrificar todo o gado inglês, estimado em 11,8 milhões de cabeças. Posteriormente, a União Européia exigiu a matança, até 2002, de 4,7 milhões de cabeças. Holanda e Alemanha anunciavam que também iriam matar suas vacas loucas, e a Comissão Européia incluía recursos da ordem de um bilhão de dólares, no orçamento de 1997, para combater a crise…
6) No início de 1997 a Albânia mergulhou no caos total. A maior parte dos habitantes do país haviam colocado todas as suas economias num tipo de investimento chamado de “pirâmide”, que prometia duplicar o capital investido em poucos meses. Quem chegava ao topo da pirâmide recebia as contribuições dos que acabavam de ingressar na base.
O mais elementar cálculo de progressão geométrica demonstra que esse tipo de “consórcio” tem uma duração muito curta, já que em pouco tempo seria preciso arregimentar toda a população do planeta para contribuir. Quem entrou nas pirâmides logo no começo se deu bem, mas a massa de desavisados que veio em seguida perdeu tudo o que possuía.
A revolta popular inicial contra o governo descambou em guerra civil. Em março de 1997 o país estava praticamente desintegrado. Quadrilhas armadas haviam assumido o controle, saqueando lojas e aterrorizando a população. O presidente, Sali Berisha, fazia uma tentativa desesperada de retomar o controle do país, triplicando os salários dos soldados ainda leais e ordenando que disparassem contra todos os rebeldes que avistassem. Navios (que mais pareciam sucatas flutuantes) chegavam sem parar às costas da Itália, apinhados de albaneses fugindo do horror que reinava no país…
7) Em junho de 1997 teve início a maior crise econômico-financeira mundial desde o crash da Bolsa de Nova York de 1929. Começou com uma desvalorização da moeda tailandesa, o bath, que sucumbiu ao ataque de especuladores. Dez dias depois, caíram as moedas das Filipinas, Malásia e Indonésia. Daí para a frente foi uma sucessão generalizada de quedas nas bolsas de valores de vários países do sudeste asiático, causando um efeito dominó nas bolsas de todo o mundo e ataques especulativos às respectivas moedas nacionais.
Ninguém previu que uma crise como esta pudesse ocorrer, muito menos seu alcance e duração. Um mês antes do início dessa tempestade econômica asiática, a revista Money publicou uma reportagem sobre investimentos com a seguinte chamada: “Como faturar no boom asiático; todo investidor precisa examinar firme e atentamente a deslumbrante promessa da Bacia do Pacífico. (…) Nenhum investidor pode dar-se ao luxo de ignorar as oportunidades que a Bacia do Pacífico oferece.” Uma consulta feita pelo The Wall Street Journal, em junho de 1997, mostrou que os especialistas econômicos escolhiam os mercados acionários da Ásia como os de melhor resultado a se esperar nos 12 meses seguintes…
Quatro meses antes da eclosão da crise, os representantes do Fórum Econômico Mundial, reunidos na Suíça, forneceram seu diagnóstico da economia mundial: “O mundo goza de ótima saúde e requer apenas alguma vigilância para evitar crises.” Sobre o sistema financeiro, os chefes de estado, ministros e presidentes de bancos centrais concluíram que eram capazes de “administrar virtualmente qualquer crise que possa surgir.”
Os extratos noticiosos abaixo, coletados de jornais da época, dão uma dimensão do pânico e perplexidade que tomou conta do mundo após a eclosão da crise asiática.
Até agora (janeiro de 1998), a crise asiática provocou danos em tantos países, que serão analisados em maiores detalhes – conjuntamente com outros problemas econômicos – no tópico Eventos Econômicos Localizados, subtítulo “Outros Países”.
A tabela abaixo mostra a situação da desvalorização cambial dos países do sudeste asiático em meados de janeiro de 1998:
Moeda | Variação Acumulada (%) |
---|---|
Rúpia (Indonésia) | –80,15 |
Baht (Tailândia) | –52,21 |
Won (Coréia do Sul) | –48,91 |
Ringgit (Malásia) | –44,12 |
Peso (Filipinas) | –37,28 |
Dólar (Taiwan) | –17,50 |
Dólar (Cingapura) | –18,96 |
Rúpia (Índia) | –8,00 |
Cito a seguir o final de uma matéria sobre economia que apareceu na revista Veja de 21.1.98, intitulada “A Ásia consegue piorar”: “O mundo ainda não entrou no sugadouro da depressão, mas o temor já frequenta o pensamento de muitos economistas de alma fria. Eles dizem que uma certeza já se consegue tirar das coisas que vêm acontecendo. Se há um signo que pode marcar a economia do final do milênio, ele deve ser o da insegurança e da desorientação”.
E para completar, uma citação feita na mesma época por Jacques Attali, que foi assessor do presidente francês François Miterrand e presidente do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento:
“Uma vez mais, estamos caminhando constrangedoramente para a beira de um precipício. A Economia mundial, no auge do seu mais vigoroso crescimento em toda a sua história, poderá cair numa recessão de proporções planetárias.”
A segurança ilusória do abrigo monetário está se desfazendo em todo o mundo, como um dos mais incisivos efeitos do Juízo Final, pois quanto mais errôneo for um conceito enaltecido pela humanidade, quanto mais paroxisticamente ela se aferrar a ele, tanto maior e mais dolorosa será a sua necessária destruição, para que finalmente haja, em todos os sentidos, paz sobre a Terra.
Uma estimativa do Banco de Compensações Internacionais em dezembro de 1995 falava em 40,7 trilhões de dólares aplicados no mercado de derivativos, um valor que superava em 60% a medida do PIB mundial, da ordem de 25 trilhões de dólares.
Em novembro de 1997 o movimento de derivativos era de 40 trilhões de dólares… por dia. O mercado especulativo de papéis de opções movimentava, todos os dias, um volume maior do que toda a produção mundial em um ano, estimada em 30 trilhões de dólares. Voltar