Parte 2 – A Efetivação

As Tragédias Humanas

Acidentes

Acidentes Marítimos

As considerações feitas anteriormente em relação aos acidentes aéreos e ferroviários, sobre as dificuldades de se avaliar o aumento destes em termos relativos, são válidas também para os acidentes marítimos. O número de embarcações civis têm, inclusive, até caído em todo o mundo, em razão do desenvolvimento das rodovias, das ferrovias e da aviação.

De qualquer forma, enquanto que na segunda metade do século XIX ocorreram 28 grandes acidentes marítimos, nos quais cerca de 10.600 pessoas perderam a vida, na primeira metade do século XX haviam sido registrados 37 grandes naufrágios, e na segunda metade do século, até setembro de 1996, ocorreram mais 39 grandes desastres com navios, em que morreram aproximadamente 41.250 pessoas.

Também para os acidentes marítimos valem as observações anteriores referentes aos efeitos retroativos de um mesmo tipo de carma, que faz com que várias pessoas sofram um acidente único e até tenham o mesmo tipo de morte. A diferença é que no naufrágio de uma embarcação de grande porte muito mais pessoas morrem conjuntamente. Há registros de naufrágios em que morreram mil, três mil e até seis mil pessoas. (1) No nosso século, até 1996, haviam ocorrido dez “super-naufrágios” (com mil mortes ou mais cada um) que mataram aproximadamente 19.700 pessoas.

Num dos desastres mais conhecidos, o do navio britânico Titanic em 15 de abril de 1912, que afundou em sua viagem inaugural ao bater num iceberg, morreram 1.503 pessoas. Era um transatlântico luxuosíssimo, considerado extremamente seguro. A confiança na segurança do navio era tanta que não havia botes em número suficiente para os passageiros (e, segundo parece, também bóias salva-vidas). Antes de partir para a sua primeira e última viagem, um funcionário do governo britânico exclamou: “Este, nem Deus afunda!…”

Um aspecto de fundamental importância em nossa época refere-se aos grandes desastres ecológicos causados por navios petroleiros em vários pontos dos oceanos. Tem-se verificado um aumento da tonelagem total, embora o número de navios tenha permanecido constante. Existem petroleiros de mais de 500 mil toneladas, verdadeiros monstros marinhos, que causam problemas de circulação, recepção e, principalmente, de segurança.

Para poder fazer circular seus navios mercantes, principalmente petroleiros, sem precisar atender às rígidas normas de segurança impostas por vários países, muitos armadores recorrem às chamadas “bandeiras de aluguel”. Eles registram suas sucatas flutuantes em países que não se interessam pelos problemas dessas embarcações, como o Panamá, a Libéria e ainda outros. Pagam algumas taxas, muitíssimo menores do que teriam de gastar para adequar seus navios aos requisitos mínimos de segurança, e passam a singrar os mares sob a bandeira daquele país. É evidente que o país que forneceu dessa forma a sua bandeira (por isso é chamada bandeira de aluguel) não se responsabiliza de forma alguma por qualquer acidente que venha a ocorrer com o navio.

Essa situação esdrúxula faz com que a Libéria, pequeno país da África com renda per capita de 450 dólares anuais (1987), tenha a maior frota mercante do mundo, com 62 milhões de toneladas de arqueação. (2) Em 1989, as divisas obtidas pela Libéria com a prática da bandeira de aluguel responderam por 41% do seu Produto Interno Bruto. Esse desempenho econômico é suficiente para sobrepujar os escrúpulos do governo liberiano, que não se importa em ver o nome do país associado à maioria dos acidentes da marinha mercante mundial. A seguir, os últimos exemplos disso:

Em fevereiro de 1996, um petroleiro “liberiano” derramou cerca de 70 mil toneladas de petróleo nas costas do País de Gales, mais que o dobro do óleo derramado na tragédia ecológica causada pelo navio Exxon Valdez no Alasca, em 1989. Em março, um navio de “bandeira liberiana”, carregado com 950 toneladas de óleo tóxico, encalhou num porto do Estado de Santa Catarina, no Brasil. Em dezembro, outro navio cargueiro de “bandeira liberiana” se chocou contra um centro comercial às margens do rio Mississipi, nos Estados Unidos, ferindo 140 pessoas. Uma testemunha que sofreu apenas ferimentos leves relatou suas impressões: “Eu vi o barco vindo na nossa direção. Pensei que só fosse atracar. Então, percebi que estava fora de controle e o vi atravessar a vitrine de uma loja e o teto cair sobre nossas cabeças.”

O Panamá também contribui com sua frota de ferrugem flutuante para as estatísticas de acidentes com navios. Em julho de 1997, um petroleiro “panamenho” encalhou na Baía de Tóquio e derramou 1.315 toneladas de óleo cru no mar, formando uma mancha de 5,5 quilômetros de extensão.

No nosso século, até início de 1997, houve 25 grandes derramamentos de óleo no meio ambiente, principalmente no mar. Todos esses grandes derramamentos ocorreram a partir da década de 60, mais precisamente a partir de 1968. Estima-se que, no total, esses grandes derramamentos tenham sido responsáveis por algo em torno de 3,5 milhões de toneladas de óleo derramados, ou 3,9 bilhões de litros de óleo, uma quantidade que não é possível imaginar.

Sempre que um petroleiro derrama óleo no mar o dano é gigantesco. Algumas formas de vida marinha já foram extintas apenas devido a isso. Quando o óleo atinge a água do mar ele espalha-se pela superfície e forma uma camada compacta que leva anos para ser absorvida. Isso impede a oxigenação da água, matando a fauna e a flora marinhas e alterando o ecossistema.

De acordo com o explorador Jacques Cousteau, a poluição oceânica está danificando a membrana ultra fina da superfície, chamada neuston, que desempenha um papel crucial na captura e estabilização do suprimento de alimentos para o menor organismo marinho existente, o fitoplâncton, que como já descrito constitui a base da cadeia alimentar marinha. Estima-se que sejam despejadas anualmente nos oceanos cerca de um milhão de toneladas de óleo apenas devido a vazamentos de poços, terminais portuários e limpeza dos tanques dos petroleiros. (3)

Os acidentes com petroleiros lançam invariavelmente grandes quantidades de óleo nos oceanos, cujos danos não podem absolutamente ser avaliados. A justiça terrena até tenta fazer essa avaliação, mas não pode haver compensação financeira para um tal crime ecológico.

Como, então, uma indenização de cinco bilhões de dólares, imposta à empresa petrolífera americana Exxon, poderia cobrir os danos ao meio ambiente decorrentes do vazamento de óleo do navio Exxon Valdez no Alasca, onde foram derramados mais de 34 mil toneladas de petróleo, formando uma mancha que se estendeu por mais de 70 quilômetros? Não há dinheiro no mundo que possa pagar um crime cometido contra a natureza.

E os vazamentos indeterminados? Quem se responsabiliza? Em agosto de 1997, o nordeste brasileiro foi contaminado com uma mancha de óleo de 160 quilômetros de extensão, sem que tenha sido possível determinar a sua origem.

Além da ocorrência de grandes naufrágios, com centenas de mortos, os pequenos acidentes marítimos continuam a ocorrer em todo o mundo. De maio de 1995 a maio de 1996 ocorreram 22 “pequenos acidentes” (considerados dignos de uma curta menção nos jornais brasileiros), que deixaram um saldo estimado de 1.587 mortes. Num desses naufrágios, ocorrido em Bangladesh, morreram 73 pessoas que tentavam escapar das regiões inundadas no norte do país…

Contudo, a imensa maioria dos acidentes marítimos em todo o mundo não é noticiada. Só para se ter uma noção dessa quantidade, no Brasil, de acordo com dados da Diretoria de Portos e Costas, foram registrados no período de janeiro de 1985 a maio de 1995, 1.932 acidentes marítimos em águas brasileiras, que deixaram um saldo de 597 mortos e 256 feridos.

Também com naufrágios os já conhecidos “recordes” se sucedem. Em 28 de setembro de 1994 ocorreu aquele que foi chamado “o pior desastre marítimo na Europa em tempos de paz”: Um ferry-boat que fazia o trajeto entre a Estônia e a Suécia afundou no mar gelado, matando 1.049 passageiros. Os trechos a seguir foram extraídos de uma reportagem veiculada pela revista Veja na época, que permitem reconhecer a atuação imperturbável da Lei da Reciprocidade:

“O espanto em face da rapidez com que um barco grande, moderno, poderoso e bem equipado afundou numa tempestade apenas moderada só foi superado pela consternação causada na Suécia diante do número de seus mortos – cerca de 600, a maior catástrofe do país no século. (…)

A temperatura da água (11 graus) e as ondas dizimaram as cerca de 200 pessoas que escaparam do navio. Apenas 141 foram recolhidas na manhã cinza e tempestuosa de quarta-feira nas operações de resgate. Várias pessoas morreram por hipotermia ainda a caminho dos hospitais. (…)

O Estônia tinha sido inspecionado ainda em agosto por uma das cinco maiores firmas do mundo especializadas em segurança de navegação. Recebeu um certificado altamente positivo (coeficiente de 95%), autorizando-o a operar naquela área do Báltico sem nenhuma modificação até 1999.”

Em fevereiro de 1993, num dos “piores desastres deste tipo já registrados”, um barco naufragou no Haiti e matou pelo menos 500 pessoas. Em janeiro de 1997, um petroleiro russo se partiu em dois e provocou “um dos piores vazamentos de petróleo da história do Japão”. Em março de 1997, cerca de 60 mil barris de petróleo vazaram de um petroleiro grego no Golfo do México, “num dos mais graves acidentes do tipo já registrados no país. Em setembro de 1997, um outro naufrágio no Haiti matou entre 300 e 400 pessoas. Em outubro de 1997, um choque entre um petroleiro do Chipre e um cargueiro da Tailândia lançou 25 mil toneladas de petróleo no estreito de Cingapura, no ”pior derramamento de óleo da história do país.“

  1. O “recorde” de mortes num único naufrágio ocorreu no final da Segunda Guerra Mundial, quando um navio alemão afundou nas costas da Polônia atingido por um torpedo soviético. Morreram aproximadamente 7.700 pessoas. Voltar
  2. Tonelada de arqueação: unidade de medida da capacidade volumétrica de um navio, correspondendo a 2,83m³. Voltar
  3. Essa estimativa refere-se a vazamentos “comuns”, sem levar em conta os catastróficos, como o ocorrido numa plataforma petrolífera no Golfo do México em 3 de junho de 1979. Dois meses após este acidente, a mancha de óleo atingia 640 Km, tendo sido controlada apenas em fins de março de 1980, após uma perda estimada de 10,2 milhões de barris. Voltar