Um ponto que ao longo dos séculos se transformou numa fonte inesgotável de controvérsias acaloradas e esperanças ardorosas é o da aguardada segunda vinda de Cristo no final dos tempos, ou no final desta era conforme preferem alguns. É perfeitamente compreensível o ardor com que muitos acalentam sua fé num retorno glorioso de Jesus, que viria purificar o mundo. É uma imagem bela, sem dúvida, porém não corresponde à verdade. A verdade, na verdade, é muito mais bela do que esse quadro quer indicar.
Nos Evangelhos, a expressão “vinda”, supostamente relacionada à volta de Jesus, aparece unicamente no texto de Mateus:
“No Monte das Oliveiras, achava-se Jesus assentado, quando se aproximaram dele os discípulos, em particular, e lhe pediram: Dize-nos quando sucederão essas coisas, e que sinal haverá de tua vinda e da consumação do século.”
(Mt24:3)
No esclarecimento subseqüente de Jesus, essa mesma palavra vinda aparece outras duas vezes, e depois não é mais citada no Evangelho:
“Porque assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até no ocidente, assim há de ser a vinda do Filho do Homem. (…) Pois assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do Homem.”
(Mt24:27,37)
Jesus explica aos discípulos como se dará a vinda do Filho do Homem por ocasião do Juízo. Conforme visto no tópico anterior, Jesus não está se referindo aí à vinda dele próprio, o Filho de Deus, como pensaram aqueles discípulos, mas sim à vinda do prometido Filho do Homem, a quem ele se refere na terceira pessoa.
O termo “vinda” é uma tradução do original grego parousia, que tanto pode significar “presença”, como “chegada”, ou também “vinda”. Existe um antigo texto grego, em papiro, no qual uma mulher fala da necessidade de sua parousia num certo lugar, afim de tratar de assuntos referentes à sua propriedade. Essa palavra também designava a visita oficial de um príncipe a uma região qualquer, porém nunca esteve associada a uma segunda e última aparição dessa personalidade. Tanto é assim, que o apóstolo Paulo faz uso dessa expressão parousia em outras situações, não relacionadas à pretendida segunda vinda de Cristo, como nesses casos: “Alegro-me com a vinda de Estéfanas, e de Fortunato e de Acaico” (1Co16:17); “As cartas, com efeito, dizem, são grandes e fortes; mas a presença pessoal dele é fraca, e a palavra desprezível” (2Co10:10). Os cristãos, porém, acabaram adotando esse termo para corroborar a crença numa segunda vinda gloriosa de Cristo à Terra, em carne e osso, de modo que com o tempo a palavra parusia (ou parúsia) passou a significar exatamente esse conceito.
No Antigo Testamento não há nenhuma indicação, uma única profecia sequer sobre uma suposta segunda vinda terrenal do Messias. Segundo o biblista François Vouga, o termo parousia só aparece cinco vezes na Escritura veterotestamentária, e novamente apenas “em seu sentido clássico, político e profano, para designar a entrada jubilosa de um soberano ou de uma personalidade numa cidade ou em seu campo (cf. Ne2:6; Jt10:18; 2Mc8:12;15:21; 3Mc3:17).”
Apesar disso, no início do Cristianismo, era crença geral de que a parusia de Cristo estava iminente, e mesmo o apóstolo Paulo achava que todos já estavam vivendo o “final dos tempos” (cf. 1Co10:11). Como essa esperança do retorno de Jesus não se concretizava, logo surgiu um certo desânimo nas comunidades cristãs em formação e os fiéis daquela época foram obrigados a postergar o evento tão ansiosamente aguardado. O biblista Rinaldo Fabris explica o que aconteceu: “Essa expectativa frustrava-se: o mundo e a história humana continuavam como dantes. Então, os cristãos da segunda geração tiveram de retificar sua interpretação da história do mundo e deslocar a um fim remoto a vinda de Jesus, para deixar espaço à história presente.” Podemos constatar esse fato já na segunda Epístola de Pedro, com sua alusão aos escarnecedores dos últimos dias: “O seu tema será: Em que ficou a promessa da sua vinda? De fato, desde que os pais morreram, tudo continua como desde o princípio da Criação” (2Pe3:4).
A expectativa dos primeiros cristãos numa segunda vinda iminente de Jesus também explica, em parte, o motivo de os escritos sobre sua passagem pela Terra terem levado tanto tempo para começarem a ser redigidos. Como todos achavam que Jesus voltaria em breve, não se via necessidade de consignar seus ensinamentos por escrito. Os autores desses textos só deram início ao trabalho quando se tornou patente que Jesus não voltaria assim tão rápido.
Nos tempos atuais, a crença numa segunda vinda terrena de Cristo e a implantação do Reino do Milênio, que estaria ou não ligada a esse acontecimento em particular, deu origem a três facções básicas entre os cristãos: a dos pré-milenistas, dos pós-milenistas e dos amilenistas. Os primeiros acham que os mil anos mencionados em Ap20:1-7 ocorrerão após a segunda vinda pessoal de Cristo. Os segundos crêem que o Milênio – entendido por eles de maneira não literal – será um período de triunfo do Cristianismo na Terra, onde Cristo governará sem estar fisicamente presente. Essa concepção ficou fortemente abalada no século XX devido às múltiplas tragédias humanas, particularmente as duas guerras mundiais, que deram a todos o recado claríssimo de que o mundo não estava “sendo ganho para Cristo”. Alguns pós-milenistas acreditam que esses mil anos compreendem alegoricamente o espaço de tempo entre a primeira e a segunda vindas de Jesus. Por fim, os amilenistas advogam que não haverá absolutamente nenhum reino futuro de Cristo aqui na Terra, e que o reino do Milênio deve ser entendido em sentido metafórico. Também se ouve falar vez por outra de um “pan-milenismo”, em que no fim “tudo vai dar certo”... Os que crêem numa segunda vinda pessoal de Cristo ainda se dividem nos pré-tribulacionistas, tribulacionistas e pós-tribulacionistas, respectivamente se esta deva ocorrer antes, durante ou após a assim chamada grande tribulação mencionada nos Evangelhos.
Contudo, nos próprios Evangelhos sinóticos não há, como visto, nenhuma menção explícita a uma segunda vinda de Jesus Cristo. Essa esperança está sedimentada com muito mais propriedade em algumas epístolas, particularmente nas duas cartas que Paulo escreveu aos Tessalonicenses, muito embora haja dúvidas sérias sobre a autoria paulina da segunda carta. De qualquer modo, supõem-se que essas duas epístolas constituam os textos mais antigos do Novo Testamento, tendo sido escritas numa época em que se acreditava que o retorno de Jesus era iminente. As passagens são as seguintes:
“Pois quem é a nossa esperança, ou alegria, ou coroa em que exultamos, na presença de nosso Senhor Jesus em sua vinda? Não sois vós? (…) A fim de que sejam os vossos corações confirmados em santidade, isentos de culpa, na presença de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor Jesus, com todos os seus santos. (…) O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.”
(1Ts2:19;3:13;5:23)
“Irmãos, no que diz respeito à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele, nós vos exortamos a que não vos demovais da vossa mente com facilidade, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola, como se procedesse de nós, supondo tenha chegado o Dia do Senhor.”
(2Ts2:1,2)
Ao contrário de outras passagens do Novo Testamento, onde há menções indistintas à vinda do Senhor, Paulo fala aqui claramente sobre essa vinda de Jesus Cristo, e na segunda carta aos Tessalonicenses até os tranqüiliza, dizendo que a época do Juízo realmente ainda não havia chegado. Para entender como se fundamenta essa certeza do apóstolo, vamos retomar algumas palavras de Jesus transcritas no Evangelho de João:
“Já pouco tempo vou ficar convosco, pois irei para Aquele que me enviou. (…)
Saí do Pai e vim ao mundo; agora deixo o mundo e vou para o Pai. (…)
Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós outros. Ainda um pouco e o mundo não me verá mais; vós, porém, me vereis; porque eu vivo, vós também vivereis. (…)
Um pouco, e não mais me vereis; outra vez um pouco, e ver-me-eis. Assim também agora vós tendes tristeza; mas outra vez vos verei; o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém poderá tirar. (…)
Eu vou, mas voltarei a vós. (…)
Quando ele vier [o Espírito da Verdade] convencerá o mundo do pecado, da justiça e do Juízo: do pecado porque não crêem em mim; da justiça, porque eu vou para o Pai, e não me vereis mais. (…)
O Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós.”
(Jo7:33;16:28;14:18,19;16:16,22;14:28;16:8-10;14:17)
Aparentemente Jesus faz declarações conflitantes aqui. Diz que os discípulos não o veriam mais, pois assim como ele tinha vindo do Pai e entrado no mundo, estava deixando o mundo e voltando para o Pai. Por outro lado, afirma que não os deixaria órfãos e que voltaria passado um pouco, que os veria novamente e os discípulos a ele, e para tanto alude à vinda do Espírito da Verdade, que eles conheciam porque habitava com eles. Como conciliar essas aparentes discrepâncias? O evangelista João informa que mesmo os discípulos não entenderam o que Jesus lhes queria dizer:
“Então alguns de seus discípulos disseram uns aos outros: Que vem a ser isto que nos diz: Um pouco e não mais me vereis, e outra vez um pouco e ver-me-eis; e: Vou para o Pai? Diziam, pois: Que vem a ser esse ‘um pouco’? Não compreendemos o que quer dizer.”
(Jo16:17,18)
Quando Jesus assevera que os discípulos o veriam novamente, é porque estes o reconheceriam, ele, a Palavra de Deus encarnada, na própria Palavra do Filho do Homem, o Consolador que seria enviado por Deus em nome dele: “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome…” (Jo14:26). Isso seria possível porque as duas Palavras, a do Filho do Deus e a do Filho do Homem, são na realidade uma só, visto que a Fonte da qual ambas provêm é a mesma. Essa Fonte da Palavra é a Verdade, conforme asseverou Jesus ao dirigir-se ao Pai: “A Tua Palavra é a Verdade” (Jo17:17).
Assim, os discípulos nunca mais veriam Jesus pessoalmente, pois este estava prestes a se reunificar ao Pai; no entanto, tornariam a vê-lo no futuro, a reconhecê-lo nitidamente na Palavra da Verdade do vindouro Filho do Homem, o Espírito da Verdade, que segundo o próprio Jesus os faria “lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo14:26).
“Em verdade vos digo que não mais me vereis até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor.”
(Lc13:35)
Quando no futuro, numa outra vida terrena, aquelas pessoas reconhecessem o segundo enviado e sua Palavra, passando a clamar intimamente em suas almas: “Bendito o que vem em nome do Senhor”, tal como já haviam feito em relação a Jesus (cf. Mt21:9; Mc11:9; Jo12:13), estariam então visualizando novamente Jesus, a Palavra de Deus encarnada, na Palavra de Imanuel – o Filho do Homem, o qual igualmente... “é chamado pelo nome de Palavra de Deus” (Ap19:13). O próprio Jesus, pessoalmente, estaria junto de seu Pai nessa época: “Naquele dia vós sabereis que eu estou em meu Pai” (Jo14:20).
As expressões “Santo” e “Bendito”, para designar a atuação pessoal da Vontade de Deus, era conhecida no antigo Israel, e por isso bastante claras para os ouvintes da época de Jesus. As sentenças seguintes, extraídas da antiga exegese judaica conhecida como Midrash ou Midraxe, atestam o fato: “O Eterno nos fez sair do Egito, não por um anjo, nem por um serafim, nem por um mensageiro; mas foi o Santo, Bendito seja, em sua glória, pessoalmente.”; “O Santo, Bendito seja ele, devolve na mesma medida.”
Vimos no tópico anterior – Filho de Deus e Filho do Homem – que foi a terceira pessoa da Trindade divina, encarnada na Terra, que atuou naquele tempo para permitir a Moisés libertar o povo hebreu do jugo dos egípcios. A frase do Midraxe judaico comprova isso ao afirmar que foi o “Santo, Bendito seja” que realizou essa tarefa pessoalmente. Esse Santo era o Espírito Santo, a Vontade de Deus, o Filho do Homem, que os judeus denominam de “Bendito” no Midraxe.
As sentenças de Jesus atestam que seus ouvintes saberiam, no futuro, que a Palavra dele, do Messias, fora gravada em suas almas numa vida passada, em cumprimento da promessa do Senhor ao profeta Jeremias: “Imprimirei a Minha Lei no seu íntimo e gravá-la-ei no seu coração (Jr31:33). Saberiam que a Lei do Senhor fora cunhada neles permanentemente, porque haviam assimilado realmente, no íntimo, a Palavra da Verdade trazida por Cristo, reconhecendo nele seu legítimo Portador: “Nele, também vós ouvistes a Palavra da Verdade” (Ef1:13). Saberiam finalmente que, não fora assim, não teriam podido reconhecer o Filho do Homem prometido, igualmente Portador da mesma Palavra da Verdade. Com esse reconhecimento, aquelas pessoas reencarnadas futuramente na Terra estariam ao mesmo tempo, tal como o Filho do Homem, dando um testemunho da missão de Jesus, conforme ele próprio lhes prometera:
“O Espírito da Verdade, que vem do Pai, ele dará testemunho de mim. E vós também dareis testemunho, porque estais comigo desde o princípio.”
(Jo15:26,27)
Jesus iria se reunificar ao Pai e ninguém mais poderia encontrá-lo. Isso é um fato lógico, pois “ninguém jamais viu a Deus” (Jo1:18), visto que o Senhor dos Mundos “habita numa Luz inacessível, que nenhum homem viu nem pode ver” (1Tm6:16). É impossível a qualquer criatura contemplar o Todo-Poderoso, posto que “ninguém poderia vê-Lo e permanecer vivo” (cf. Ex33:20). Tão-somente aquele que provém do próprio Deus já O viu: “Ninguém viu o Pai, a não ser aquele que vem de Deus; este sim, viu o Pai” (Jo6:46). Ver o Pai, por conseguinte, só é possível a dois: ao Filho de Deus e ao Filho do Homem, visto que somente ambos se originaram Dele mesmo. Sobre isso, Jesus afirmou: “Eu O conheço, porque venho Dele e foi Ele que me enviou” (Jo7:29). Em relação ao Filho do Homem, Daniel diz que ele “foi levado à Sua presença” (cf. Dn7:13), indicando que também teve acesso direto ao Todo-Poderoso.
O ser humano, por seu turno, jamais poderá ver o Onipotente, mas terá de se contentar para sempre em saber que Deus é!: “Ele é antes da eternidade até a eternidade” (Eclo42:21), conforme Moisés também já aprendera ao querer saber mais sobre o Todo-Poderoso: “Disse Deus a Moisés: Eu sou Aquele que é” (Ex3:14). O sempiterno Criador é o Único que traz a Vida em si, Aquele que é “desde toda eternidade, antes que se formassem as montanhas, a Terra e o Universo” (Sl90:2). O livro da Sabedoria afirma que quem não tiver o conhecimento de Deus, não será capaz de “conhecer Aquele que é” (Sb13:1). No Judaísmo da época helenística, o tetragrama inefável YHWH, que deu origem ao nome Yahweh, também já fora interpretado como sendo “Aquele que é”, porque o nome se origina do hebraico hawah, que significa “ser”. Jesus, o Filho de Deus, utiliza a expressão para si mesmo como confirmação de sua origem divina: “Eu sou” (Jo8:58), e identicamente o faz o Filho do Homem.
O período do Juízo Final encontra-se em plena efetivação em nossa época, correspondendo à chamada “grande tribulação” (Ap7:14), aos “dias de punição” (Lc21:22). Por isso, os fiéis cristãos que esperam com mal disfarçado orgulho o dia em que Jesus voltará em seu “corpo físico ressurreto” para buscá-los, fariam melhor em se libertar dessa idéia, que como tantas outras assemelhadas é tão-só resultado de tentativas de assimilar acontecimentos espirituais com o limitado raciocínio atado à Terra. Fariam melhor também em procurar viver segundo os ensinamentos de Cristo, ao invés de contemplarem os céus com candentes expectativas, aguardando ansiosos o tempo em que serão arrebatados terrenalmente “entre nuvens, para um encontro com o Senhor nos ares” (1Ts4:17).
A segunda vinda propriamente dita de Jesus, o Filho de Deus, foi de caráter transcendente, e ocorreu num determinado momento que antecedeu o desencadeamento do Juízo, quando ele transmitiu sua missão ao Filho do Homem. Cito aqui, especialmente, um trecho da dissertação Fenômeno Universal, da obra Na Luz da Verdade, de Abdruschin:
“Seguindo as pegadas do Filho de Deus, isto é, tomando e prosseguindo sua missão, o Filho do Homem, como enviado de Deus-Pai, irá de encontro à humanidade, a fim de arrancá-la de volta, pela anunciação da Verdade, do trajeto de até então e, de voluntária decisão, levá-la a uma outra sintonização, que desvie dos focos de destruição que agora a aguardam.”